Documentos do Itamaraty mostram que Lula fez lobby para a Odebrecht em Portugal e Cuba
Telegramas diplomáticos foram trocados
por funcionários do Ministério das Relações Exteriores e relatam atuação
a favor da empreiteira
Telegramas diplomáticos trocados entre chefes de postos brasileiros no
exterior e o Ministério das Relações Exteriores, entre 2011 e 2014,
indicam que as atividades do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
favor do grupo Odebrecht no exterior foram além da contratação para
proferir palestras, contrariando o que o petista e a construtora têm
sustentado. Os documentos apontam que Lula, já fora do cargo, atuou em
pelo menos duas ocasiões para beneficiar a Odebrecht — uma delas, com
pedido expresso para que o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos
Coelho, desse atenção aos interesses da companhia num processo de
privatização naquele país. Outro telegrama revela que Lula abriu as
portas do BNDES ao governo do Zimbábue, país africano governado pelo
ditador Robert Mugabe.
Lula e o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho - 24-4-2014 |
Liberados na última quinta-feira (16.jul.2015) pelo Itamaraty a partir
de pedido feito por meio da Lei de Acesso à Informação, os documentos
descrevem encontros de Lula em Cuba em companhia de representantes da
construtora. Em uma das visitas à ilha, ele foi recepcionado pelo
presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e pelo ex-ministro José Dirceu
num hotel. Em outra, Lula atuou em projetos ligados à área de energia
na região cubana de Muriel, onde a empreiteira construiu um porto com
recursos do BNDES.
Por meio da assessoria de imprensa de seu instituto, o ex-presidente
Lula nega que tenha recebido de qualquer empresa para “dar consultoria,
fazer lobby ou tráfico de influência”. A Odebrecht também nega ter usado
serviços de Lula para tentar obter contratos.
Desde a última quinta-feira (16.jul.2015), a relação de Lula com a
empreiteira é alvo de inquérito da Procuradoria da República no Distrito
Federal. Os investigadores querem saber se o ex-presidente praticou
tráfico de influência internacional, crime incluído no código penal em
2002. A lei diz que é proibido receber vantagem ou promessa de vantagem
em transações comerciais internacionais. O Instituto Lula alega que os
recursos recebidos se referem às palestras. Sabe-se agora, com a
revelação dos telegramas, que ele também atuava na defesa comercial da
empresa. Portanto, o foco da investigação será apurar se a atividade de
lobby também foi remunerada. Para isso, o ex-presidente e a Odebrecht
poderão ter o sigilo fiscal, bancário e telefônico quebrados.
A movimentação do ex-presidente a favor da Odebrecht em Portugal é
relatada em dois telegramas. Em 25 de outubro de 2013, o embaixador
brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva, enviou comunicado abordando a
visita de Lula a Portugal, ocorrida entre os dias 21 e 23 daquele ano. O
diplomata deixa claro que a visita do ex-presidente se dava em razão de
convite da Odebrecht, por conta dos 25 anos de presença da construtora
brasileira em Portugal. Na descrição da agenda de Lula em Lisboa, o
embaixador narrou que, no dia 22 de outubro, à tarde, o petista
“encontrou-se com empresários brasileiros, dentre os quais o dr. Emílio
Odebrecht (presidente do Conselho de Administração da Odebrecht e pai de
Marcelo)”.
Menos de sete meses depois, em outro telegrama, Vilalva, em 2 de maio de
2014, faz uma análise sobre a privatização da Empresa Geral de Fomento
(EGF), que encontrava resistência por parte de alguns municípios
portugueses que, na avaliação do embaixador, havia gerado pouco
resultado. Após descrever como estava o processo, o diplomata observa
que as empresas brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o grupo
português Visabeira, demonstraram interesse no negócio, o que gerou
simpatia dos formadores de opinião em Portugal. O diplomata registra a
ação direta de Lula em favor da Odebrecht.
“Repercutiu positivamente na mídia recente declaração do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à RTP no dia 27/04 último, no
sentido de que o Brasil deve-se engajar mais ativamente na aquisição de
estatais portuguesas. O ex-presidente também reforçou o interesse da
Odebrecht pela EGF ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que reagiu
positivamente ao pleito brasileiro”, informou o diplomata.
Lula, de fato, deu uma entrevista à televisão portuguesa, falando dos 40
anos da Revolução dos Cravos e abordando vários temas, inclusive
defendendo maior participação de empresas brasileiras nas privatizações
conduzidas em Portugal — mas sem citar nenhuma empresa especificamente. A
gestão a favor da Odebrecht, pelo que se depreende do comunicado
emitido pelo diplomata, foi feita em caráter privado ao
primeiro-ministro português. Segundo site do Instituto Lula, o
ex-presidente se encontrou com Passos Coelho no dia 24 de abril, e
teriam falado apenas da situação econômica mundial e da Copa no Brasil.
Na ocasião do telegrama, a empreiteira brasileira era uma das sete que
tinham manifestado oficialmente interesse no negócio. Dois meses depois,
porém, a Odebrecht acabou não formalizando proposta. A EGF acabou
vendida por 149,9 milhões de euros para a Suma, consórcio formado por
empresas portuguesas.
Documentos do Itamaraty mostram lobby de Lula no exterior Telegramas diplomáticos foram trocados por funcionários do Ministério das Relações Exteriores |
EM CUBA, RECEBIDO POR MARCELO ODEBRECHT
O encarregado de negócios brasileiros em Cuba, Marcelo Câmara, num
telegrama de 3 de março de 2014, informa sobre a visita que Lula fez à
ilha entre os dias 24 e 27 de fevereiro do mesmo ano. Resumo da
mensagem: “Tema central de suas interlocuções foi a prospecção de
iniciativas para aperfeiçoamento da matriz energética à zona especial de
Mariel, e o reforço da cultura de soja no país”. Nessa viagem, “em
atendimento a convite do governo local e com apoio do grupo
COI/Odebrecht”, como descreve o documento, Lula foi acompanhado, entre
outros, pelo senador Blairo Maggi (PR-MT) e pelo ex-ministro de Minas e
Energia Silas Rondeau, que deixou o governo em 2007 acusado de receber
propina para favorecer empresas com obras federais.
Os documentos do Itamaraty registram ainda outras viagens de Lula a
Cuba. Em junho de 2011, o ex-presidente foi recebido no hotel por
Marcelo Odebrecht, presidente da empresa, e José Dirceu. “Em sua chegada
ao hotel, Lula recebeu os cumprimentos do Senhor José Dirceu e do
empresário Marcelo Odebrecht, Diretor-Presidente daquela construtora”,
registrou o encarregado de negócios em Cuba na ocasião, Albino Poli Jr.,
em telegrama enviado para o ministério.
Marcelo está preso em Curitiba há um mês após ser detido na fase “Erga
Omnes” da Operação Lava-Jato. Dirceu está em prisão domiciliar por sua
condenação no mensalão e já foi mencionado na Lava-Jato por alguns
delatores como beneficiário de propina por meio de sua empresa de
consultoria. Na visita em que fez na companhia deles a Cuba, o
ex-presidente se reuniu com Raúl e Fidel Castro. Pelo relato do
telegrama, Marcelo ficou fora das duas reuniões, enquanto Dirceu
acompanhou Lula apenas na conversa com Raúl.
O ex-presidente teve ainda outra viagem ao país dos irmãos Castro
associada à Odebrecht. Conforme revelado, Lula esteve no país em janeiro
de 2013 com as despesas pagas pela empreiteira. Alexandrino Alencar,
então diretor de Relações Institucionais da empresa, chegou no mesmo
jatinho no qual viajou o ex-presidente. Alencar também foi preso na
Lava-Jato no mês passado e deixou a empreiteira.
Os comunicados da diplomacia brasileira demonstram ainda que Lula atuou
para aproximar o governo do Zimbábue ao BNDES, embora não fique claro se
há ou não alguma ligação direta com obras da Odebrecht. Em um
comunicado enviado da sede do ministério para a representação brasileira
no Zimbábue há a descrição de que o ex-presidente solicitou que o
embaixador daquele país fosse recebido no banco de fomento. A reunião
teria ocorrido em 3 de maio de 2012. Desde 1980, o Zimbábue é governado
pelo ditador Robert Mugabe.
Na lista de financiamentos de obras e serviços no exterior divulgada
pelo BNDES não consta nenhum financiamento para a atuação de empresas
brasileiras no Zimbábue, mas em 2013 por meio do Ministério de
Desenvolvimento Agrário foram liberados US$ 98 milhões para aquele país
no âmbito do programa Mais Alimentos Internacional.
O OUTRO LADO
Lula nega lobby e diz que só recebeu por palestras — BNDES: ex-presidente não interfere em processos
O Instituto Lula negou que o ex-presidente Lula faça lobby ou pratique
tráfico de influência. A assessoria do petista disse que ele não atuou
em favor da Odebrecht na privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF).
“Como o documento mostra, ele comentou o interesse da empresa
brasileira pela empresa portuguesa. Que, aliás, era público há muito
tempo (…) São inúmeras as empresas brasileiras que acompanham com
interesse o processo de privatizações em curso em Portugal.”
Perguntado se Lula havia recebido pagamento para fazer lobby para a
Odebrecht, a assessoria negou. “Não. O ex-presidente não recebeu, não
recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar
consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”. E afirma que, no
caso da Odebrecht, ele ganhou para fazer palestras.
O ex-presidente Lula durante palestra para petroleiros |
A Odebrecht também citou palestras de Lula como justificativa para as
viagens. “As visitas a Cuba foram realizadas durante outras viagens do
ex-presidente a países nos quais realizou palestras”, disse em nota. A
empresa afirma que seus representantes acompanharam Lula em visitas ao
Porto de Mariel pelo fato de a empreiteira ser a construtora da obra.
Sustenta que os convites para visitar o porto partiram de Cuba. Em
relação à atuação do ex-presidente em Portugal, a empresa apenas
confirmou os fatos de que Lula teve as despesas pagas pela Odebrecht em
2013, quando realizou uma palestra, e de que a empreiteira tinha
interesse na EGF. Não houve comentário sobre a conversa de Lula com o
primeiro-ministro português sobre o caso.
O Instituto Lula disse que o ex-presidente não agendou reunião para o
embaixador do Zimbábue no Brasil, Thomas Bvuma, no BNDES. “O
ex-presidente não agendou uma reunião. O evento ao qual o telegrama se
refere, no dia 3 de maio de 2012, foi público, um grande seminário
comemorativo dos 60 anos do banco, com mais de 500 pessoas presentes,
entre elas embaixadores ou delegações de todos os países africanos, na
sede do BNDES”.
O BNDES disse que foram disponibilizados espaços para reuniões privadas
no âmbito do seminário, mas disse não ter informação sobre reunião com
Bvuma. O banco afirmou que Lula “não interferiu, nem poderia ter
interferido, em nenhum processo do BNDES” porque os financiamentos
“seguem todos os critérios impessoais de análise”.
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