Em discurso anticapitalista, Francisco prega "mudança de estruturas"
Papa acena ao deixar a escola Dom Bosco, em Santa Cruz, antes de discursar para movimentos sociais |
No discurso mais político em pouco mais de dois anos de pontificado, o
papa Francisco defendeu na quinta-feira (09.jul.2015) uma "mudança de
estruturas" mundial, chamou o capitalismo de "ditadura sutil" e exortou
os movimentos sociais a realizar "três grandes tarefas" na economia, na
união entre os povos e na preservação do ambiente.
"Reconhecemos que este sistema impôs a lógica dos lucros a qualquer
custo, sem pensar na exclusão social ou na destruição da natureza?",
perguntou o papa a algumas centenas de representantes de movimentos
sociais de vários países, entre os quais o MST, sem-teto, indígenas e
quilombolas brasileiros, durante o 2º Encontro Mundial de Movimentos
Populares, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).
"Se é assim, insisto, digamos sem medo: queremos uma mudança, uma
mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta,
os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o
aguentam. E tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia são
Francisco", completou o papa no encontro, realizado no auditório da
Expocruz (feira agropecuária de Santa Cruz).
Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os
pobres, mas até a elite econômica quer mudanças: "Dentro dessa minoria
cada vez menor que acredita que se beneficia com este sistema reinam a
insatisfação e especialmente a tristeza. Muitos esperam uma mudança que
os libere dessa tristeza individualista que os escraviza."
Em outra dura crítica ao capitalismo, Francisco afirmou que, "atrás de
tanta dor, tanta morte e destruição está o fedor disso que [são] Basílio
de Cesareia (330-379) chamava de 'o esterco do Diabo' [dinheiro]".
Segundo ele, o capitalismo é uma "ditadura sutil".
O líder católico atacou também "a concentração monopólica dos meios de
comunicação social que pretende impor pautas alienantes de consumo e
certa uniformidade cultural". Para ele, trata-se de "colonialismo
ideológico".
Apesar da análise dura, Francisco advertiu contra o excesso de
pessimismo e exortou os movimentos sociais a protagonizar as mudanças:
"Eu me atrevo a dizer-lhes que o futuro da humanidade está, em grande
medida, em suas mãos", afirmou. "Vocês são os semeadores das mudanças."
Em seguida, o pontífice propôs a realização de três tarefas aos
movimentos sociais. A primeira é a "colocar a economia a serviço dos
povos": A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas "a
administração correta da casa comum". O objetivo, diz, é assegurar os
"três Ts: trabalho, teto e terra".
"A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é
mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, a tarefa é ainda
mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e aos povos
o que lhes pertence."
A segunda tarefa, segundo o pontífice, é "unir nossos povos no caminho
da paz e da justiça". Ele defendeu o conceito de "pátria grande", usado
por movimentos de esquerda para pregar a união latino-americana.
Francisco afirmou que problemas como a violência não podem ser
resolvidos sem cooperação entre os países e atacou o "novo
colonialismo": "Interação não é sinônimo de imposição", afirmou.
"Colocar a periferia em função do centro lhe nega o direito a um
desenvolvimento integral. Isso é iniquidade, e a iniquidade gera tal
violência que não haverá recursos policiais, militares ou de
inteligência capazes de deter."
Por último, o líder católico pediu a preservação da "Mãe Terra", tema de
sua encíclica mais recente: "Não se pode permitir que certos interesses
– que são globais, mas não universais – se imponham, submetam os
Estados e organismos internacionais e continuem destruindo a criação".
3ª GUERRA EM PARCELAS
O papa também condenou o assassinato de católicos pelo grupo terrorista
Estado Islâmico e disse que o mundo vive "uma Terceira Guerra Mundial em
parcelas".
"Isto também deve ser denunciado: dentro desta Terceira Guerra Mundial
em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em marcha, e ele
deve cessar", declarou o pontífice.
Visitando um país de maioria indígena, Francisco pediu desculpas pelo
atuação da Igreja Católica durante a colonização – momento do discurso
em que ele foi mais aplaudido pelos fiéis.
"Digo-lhes com pesar: foram cometidos muitos e graves pecados contra os
povos originários da América em nome de Deus", disse. "E quero
dizer-lhes, quero ser muito claro, como foi são João Paulo 2°: peço
humildemente perdão, não apenas pelas ofensas da própria igreja como
pelo crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da
América."
Ao final do discurso, disse: "Digamos juntos de coração: nenhuma família
sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos,
nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança
sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem velhice
digna. Sigam a sua luta e, por favor, cuidem muito da Mãe Terra."
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