Os contratos milionários assinados
entre o ex-presidente Lula e a empreiteira Odebrecht — R$ 4 milhões pelo
lobby — No papel, dinheiro para “palestras”. Na prática, dinheiro para
alavancar os negócios da empreiteira no exterior
No final da manhã de quinta-feira, 15 de outubro, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva estava bem-humorado. Por iniciativa própria,
prestava um depoimento reservado ao Ministério Público Federal, em
Brasília, para explicar sua atuação ao lado da empreiteira Odebrecht. Em
vez de ir ao prédio da instituição, Lula foi ouvido em uma casa no Lago
Sul, de forma discreta. Foi seu único pedido ao procurador, para
escapar ao assédio de jornalistas. Ao seu estilo sedutor, Lula fez
piadas com o procurador da República Ivan Cláudio Marx, ao dizer que o
Corinthians, seu time, será campeão brasileiro. Na hora de falar sério,
disse que não fez lobby, mas sim palestras no exterior com a missão de
explicar a receita brasileira de sucesso em países da África e da
América Latina. Procurou defender-se na investigação que apura se ele
praticou tráfico de influência internacional em favor da empreiteira
Odebrecht. Lula disse que não é lobista, que recebeu “convites de muitas
empresas e países para ser consultor”, mas não aceitou porque “não
nasceu para isso”. Num termo de declaração de quatro páginas, ele
sustenta que todos os eventos para os quais foi contratado estão
contabilizados em sua empresa L.I.L.S. — um acrônimo de seu nome. Foi
por meio dela que Lula ficou milionário desde que deixou o Palácio do
Planalto, em 2011.
AMIGOS — Lula com Alexandrino Alencar, da Odebrecht (de barba, atrás),
no Peru. Alexandrino era o responsável pelas palestras de Lula no exterior e viajava com ele |
A reportagem obteve cópia dos contratos privados, notas fiscais e
descrições das relações entre o ex-presidente e sua principal
contratante. Nomeado projeto “Rumo ao Caribe”, as viagens de Lula
bancadas pela Odebrecht inauguraram um padrão de relacionamento do
ex-presidente, poucos meses após deixar o Planalto, com a
empreiteira-chave da Lava Jato. Ao longo dos últimos quatro anos, a
L.I.L.S. foi acionada para que Lula desse 47 palestras no exterior,
muitas a convite de instituições. Sua maior cliente é, de longe, a
Odebrecht.
Contratos assinados entre Lula e Odebrecht |
A construtora que lidera a lista das patrocinadoras de Lula pagou quase
R$ 4 milhões para o ex-presidente fazer dez palestras. Além disso,
bancou os custos das viagens para países em que possui obras financiadas
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como
Angola e Venezuela. Esses gastos de R$ 3 milhões, ao câmbio da época,
incluem transporte e hospedagem em hotéis “5 estrelas ou superior”, com
dormitório com cama king size, sofás, frutas, pães, queijos, frios,
castanhas, água, refrigerantes normais e do tipo “zero” e, em alguns
casos, fora do contrato, bebidas alcoólicas. As contratantes eram
responsáveis por fretar aeronaves particulares. Ter Lula como
palestrante custava caro. Mas, na maioria das vezes, valia muito a pena.
O “Palestrante” Lula (grafado desse jeito pela própria empresa em seus
papéis internos) passou a ser mobilizado para atuar em locais onde a
Odebrecht enfrentava pepinos em seus contratos. Em 1º de maio de 2011,
Lula se comprometeu, por R$ 330 mil, a desembarcar na Venezuela no
início de junho para falar sobre os “Avanços alcançados até agora pelo
Brasil”. A descrição das atividades que constam da cláusula 1.1 do
contrato dizia que o “Palestrante” não participaria de qualquer outro
evento além daqueles descritos “exaustivamente” no anexo 1. O tal anexo,
no entanto, possui duas linhas que mencionam apenas que o ex-presidente
ficaria hospedado no Hotel Marriott de Caracas. Quando superposto aos
documentos do Instituto Lula sobre o mesmo evento, vê-se que Lula se
encontrou com o empresário Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht,
hoje preso em Curitiba, e com o então presidente venezuelano, Hugo
Chávez, morto em 2013. Era um momento de tensão entre o governo
venezuelano e a empreiteira, que cobrava uma dívida de US$ 1,2 bilhão.
Telegramas sigilosos do Itamaraty sugerem que Lula e Chávez trataram
sobre a dívida. A Odebrecht construía, desde 2009, a linha II do Metrô
de Los Teques e a linha 5 do Metrô de Caracas. Fruto de uma negociação
entre Lula e Chávez, o projeto foi irrigado com US$ 747 milhões (R$ 1,2
bilhão, em valores da época) em empréstimos do BNDES. A pressão de Lula
surtiu efeito. Quatro dias após a visita do ex-presidente a Caracas,
Chávez se encontrou com a presidente Dilma em Brasília. Naquele momento,
a dívida com a Odebrecht já estava acertada. As duas obras são
investigadas pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas
da União. A principal suspeita é que os recursos tenham sido utilizados
de forma irregular e de maneira antecipada sem o avanço do projeto — o
dinheiro chegou, mas a obra não andou.
Em alguns casos, as viagens de Lula eram sucedidas por concessões de
empréstimos do BNDES para obras de infraestrutura no país. Angola é um
exemplo disso. Desde 2011, a Odebrecht foi a que mais recebeu
financiamentos do BNDES no país africano, que está no topo da lista de
recursos destinados pelo banco para exportação. Entre abril de 2011 e
abril de 2014, foram liberados US$ 3,1 bilhões dos cofres do BNDES para a
Odebrecht. Nos dias 30 de junho e 1º de julho de 2011, Lula foi
contratado pela Odebrecht para dar uma palestra na Assembleia Nacional
em Luanda, capital da Angola, sobre “O desenvolvimento do Brasil —
modelo possível para a África”. Em seguida, Lula se reuniu por 40
minutos com o presidente do país, José Eduardo dos Santos. Após a
conversa, Lula se encontrou com Emílio Odebrecht e com diretores das
empreiteiras Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Lula
aterrissou em São Paulo no dia 2 de julho, à 0h30. No dia 28 de julho de
2011, o BNDES liberou um empréstimo de US$ 281 milhões (R$ 455 milhões,
em valores da época), tão aguardado pela Odebrecht, para a construção
de 3 mil unidades habitacionais e desenvolvimento de infraestrutura para
20 mil residências em Angola.
No dia 6 de maio de 2014, Lula e Emílio Odebrecht voltaram a se
encontrar em Angola. O ex-presidente viajou, numa aeronave cedida pelo
governo angolano, de Luanda para a província de Malanje, onde visitou a
usina de açúcar e etanol Biocom, sociedade entre a Odebrecht Angola e a
Sonangol. Em depoimento de sua delação premiada, o lobista Fernando
Soares, o Baiano, disse que se associou ao empresário José Carlos
Bumlai, amigo de Lula, para viabilizar a palestra do ex-presidente em
Angola. Baiano atendia a um pedido de um general angolano, interessado
no negócio. Lula estava a todo momento acompanhado por Emílio Odebrecht,
pela ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes e pelo
ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, além de autoridades angolanas. Na
manhã do dia seguinte, o ex-presidente teve uma reunião de cerca de uma
hora com o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Nesse
encontro, discutiram, entre outros assuntos, a linha de crédito do BNDES
para a construção da hidrelétrica de Laúca, segundo telegramas do
Itamaraty. Em dezembro do ano passado, sete meses após a visita de Lula,
o ministro de finanças de Angola, Armando Manuel, assinou o acordo de
financiamento com o BNDES. Em maio deste ano, o presidente do banco,
Luciano Coutinho, deu o último aval para a liberação de um empréstimo
que pode chegar a US$ 500 milhões (R$ 1,5 bilhão). Questionado pelo
Ministério Público, Lula disse que “nada foi referido sobre o
financiamento do BNDES para a construção da hidrelétrica de Laúca e que o
presidente José Eduardo nunca tratou desses temas”, embora documentos
oficiais do Itamaraty mostrem uma versão diferente. “Não passa de uma
ilação, porque o comunicante (do Itamaraty) não teria participado da
reunião”, disse Lula.
EFICIENTE — Lula com Hugo Chávez em Caracas, em 2011, e trechos de seus
contratos com a Odebrecht (abaixo). Após uma palestra de Lula, o governo venezuelano pagou uma dívida com a Odebrecht |
Em suas viagens pela América Latina e pela África, Lula era acompanhado
de perto pelo diretor de relações institucionais da Odebrecht,
Alexandrino Alencar, apontado como o lobista da construtora na Operação
Lava Jato. Após quatro meses preso, o executivo foi libertado na
sexta-feira (16.out.2015) por decisão do ministro do Supremo Tribunal
Federal, Teori Zavascki, após quatro meses preso em Curitiba, no Paraná.
O contrato original, que selou a parceria da Odebrecht com Lula, leva a
assinatura de Alexandrino e de Paulo Okamotto, braço direito do
ex-presidente. Lula e Alexandrino se conhecem desde os tempos de Lula no
Planalto. A proximidade entre eles era tão grande que se cumprimentavam
com um beijo no rosto. Essa intimidade se intensificou após 2011,
quando Lula passou a defender, ao lado de Alexandrino, os interesses da
Odebrecht no exterior. Um relatório de perícia do MPF sobre os
movimentos migratórios de Lula e o ex-funcionário da Odebrecht aponta
que os dois companheiros compartilharam ao menos cinco voos juntos nos
últimos quatro anos, de acordo com dados extraídos do sistema de tráfego
internacional da Polícia Federal. Nesta semana passada, no depoimento
ao Ministério Público, Lula manteve uma distância olímpica do amigo ao
dizer que “Alexandrino era representante da Odebrecht, não sabendo
precisar o cargo; que só tinha relação profissional com Alexandrino”.
Um dos destinos da dupla foi uma caravana para Cuba e República
Dominicana entre 28 de janeiro e 3 de fevereiro de 2013. Lula recebeu R$
373 mil pelas palestras. Naquela ocasião, Lula visitou o Porto de
Mariel, parceria entre a Odebrecht e o governo cubano. Ao todo, a obra
recebeu US$ 832 milhões do BNDES com um prazo para pagamento de 25 anos —
e com uma parte das garantias atreladas à produção de fumo na ilha.
Quatro meses após a passagem de Lula por Cuba, o banco estatal
brasileiro liberou a quinta parcela do financiamento do projeto, de US$
229,9 milhões (R$ 482,7 milhões), que estava represada devido ao atraso
nos pagamentos e à falta de garantias para a operação. Em 31 de janeiro,
Lula desembarcou na República Dominicana, onde se encontrou com o
presidente Danilo Medina. E lá foi o líder petista visitar, novamente,
outro canteiro de obras da Odebrecht. Seis meses depois, a Odebrecht
conseguiu mais US$ 114 milhões (R$ 228 milhões) do BNDES para
desenvolver o corredor Viário Norte-Sul no país.
Em seu depoimento ao Ministério Público, Lula disse que não é lobista e “não nasceu” para ser consultor
Procurada, a Odebrecht afirma por meio de nota que mantém “uma relação
institucional e transparente com o ex-presidente Lula. O ex-presidente
foi convidado pela empresa para fazer palestras para empresários,
investidores e líderes políticos sobre as potencialidades do Brasil e de
suas empresas, exatamente o que têm feito presidentes e ex-presidentes
de outros países, como Estados Unidos, França e Espanha”. A Odebrecht
nega que Lula tenha feito lobby em seu favor junto a governos
estrangeiros. O depoimento de Lula pode ter sido agradável, mas o
Ministério Público Federal no Distrito Federal estuda formar uma
força-tarefa de procuradores para investigar as suspeitas de tráfico de
influência. Pediu até o compartilhamento de provas da Operação Lava Jato
que mencionem o ex-presidente, a Odebrecht e o BNDES.
Nenhum comentário:
Postar um comentário