Estados Unidos têm ao menos 125
padres casados; são ex-anglicanos que se converteram ao catolicismo e
não precisaram largar a família — no Brasil, o Bispo do Xingu, D. Erwin
Krautler, pediu ao papa que abrisse uma exceção e permitisse a ordenação
de padres casados para atender os fiéis de sua diocese, pois a região
enfrenta escassez de padres; o Pontífice solicitou ao bispo que
apresentasse propostas concretas
Padre Paul Sullins e a mulher, Mary Patricia, têm um filho biológico e dois adotivos |
Todos os domingos, o padre Paul Sullins celebra a missa das 9 horas na
igreja São Marcos, nos arredores de Washington. A poucos metros do
altar, os músicos que participam da cerimônia são comandados por sua
mulher, Mary Patricia. Ambos levam na mão esquerda a aliança que
simboliza o casamento que os uniu há quase 30 anos, período no qual
tiveram três filhos (um filho biológico e dois adotivos) e dois netos.
Apesar de não ter feito o voto de celibato, Sullins desempenha as mesmas
atribuições que qualquer um dos cerca de 40 mil padres católicos dos
Estados Unidos. Além dele, existem ao menos outros 124 religiosos
casados no grupo, quase todos ex-anglicanos que se converteram ao
Catolicismo graças a uma decisão adotada pelo papa João Paulo II em
1980.
Com a mudança, eles puderam entrar na Igreja sem precisar abandonar suas
famílias. Até então, os que faziam esse caminho tinham de se separar de
suas mulheres. Sullins começou seus estudos no seminário episcopal em
1980 e se tornou pastor em 1984, um ano antes de se casar com Mary
Patricia.
Na década seguinte, ele começou a duvidar de sua fé anglicana e a se
sentir desconfortável em uma igreja de posições cada vez mais liberais
em relação ao aborto e ao casamento gay. “Meu problema dizia respeito à
autoridade. Quem deveria decidir essas questões?”, disse a reportagem no
domingo (25.out.2015), depois de rezar a missa na São Marcos.
Apesar de parecer um rebelde por sua conversão e condição minoritária
entre os católicos, Sullins está longe de ser um liberal: ele é contra o
casamento entre pessoas do mesmo sexo e vê o divórcio e o aborto como
pecado.
Outro fator determinante para a conversão foi sua identificação com a
visão católica de que Cristo está presente na Eucaristia. “Quando
percebi isso, não tinha escolha a não ser me tornar católico.”
Apesar de ser casado, Sullins é cauteloso em relação ao fim do celibato e
acredita que a Igreja Católica ainda tem de digerir muitas das
transformações implementadas nos últimos 50 anos — em sua avaliação,
elas superaram todas as realizadas no período histórico precedente.
“Como sou casado, não creio que tenha isenção para dizer se a Igreja
deveria mudar a questão do celibato. De qualquer maneira, não escolheria
fazer isso neste momento”, disse.
Livro. Sullins dedicou grande parte dos últimos sete anos a entrevistar
70 padres casados convertidos da Igreja Episcopal (como a Igreja
Anglicana é chamada nos EUA) ao Catolicismo. Também conversou com muitas
de suas mulheres e fiéis que pertencem a paróquias comandadas por
padres casados.
O resultado é o livro Keeping the Vow: the Untold Story of Married
Catholic Priests (Mantendo o Voto: a História Não Contada de Padres
Católicos, em tradução livre). A obra acaba de ser lançada pela Oxford
University Press e traz na capa um homem com colarinho clerical, uma
Bíblia nas mãos e aliança no dedo anular esquerdo. Formado em Filosofia e
Estudos Religiosos e com doutorado em Sociologia, Sullins é professor
da Universidade Católica em Washington desde 1998. Foi lá que ele
garantiu o sustento de sua família nos quatro anos em que se preparou
para sua ordenação como padre, em 2002.
Conclusão. Uma das mais importantes conclusões do livro é a de que a
justificativa do celibato pela necessidade de dedicação exclusiva à
Igreja não se sustenta no mundo real. “Os padres casados tendem a ser
mais dedicados ao cuidado da paróquia. E a principal razão para isso são
suas mulheres.” Elas costumam lembrá-los de rezar o breviário e os
estimulam a atender demandas dos fiéis.
Mas, apesar de desempenharem um papel relevante no trabalho de seus
maridos, elas são as que mais sofrem no processo de conversão, ressaltou
Sullins. Segundo o padre, a mudança de igreja é resultado de uma
reflexão interior dos religiosos, que provoca nas mulheres um sentimento
de que estão à margem e isoladas. “Na Igreja Episcopal há muitas
mulheres de pastores, que formam grupos e desempenham atividades. Mas na
Igreja Católica não há mulheres de padres e elas têm dificuldade em
definir sua identidade.”
‘Eles entendem os desafios do casamento’. Quando Paul Sullins se tornou
padre na Igreja que frequenta há 20 anos, Marylove Moy reagiu com
desconfiança. Educada em uma família católica tradicional, ela só havia
conhecido religiosos celibatários. Mas as homilias “realistas” do
ex-anglicano, sua compreensão dos problemas cotidianos enfrentados pelos
fiéis e a dedicação de sua mulher, Mary Patricia, acabaram conquistando
Marylove.
“Eu recorro ao padre Paul quando preciso de compaixão. O fato de ele ser
casado ajuda, porque lhe dá uma compreensão dos desafios do dia a dia
apresentados pelos filhos e o casamento”, disse a católica ao Estado.
Ainda assim, foram necessários cinco anos para que Marylove superasse a
resistência.
Divórcio. Wilbur Turner e sua mulher, Donna Chacko, frequentam a igreja
São Marcos há cinco anos e nunca tiveram problema com o fato de Sullins
ser casado. “A igreja tem uma visão idealista do matrimônio e a
realidade que nós vivemos é diferente”, observou Turner, que se
divorciou em 2002, anulou seu casamento religioso em 2005 e se casou com
Donna em 2006.
O que a perturba não é o fato de Sullins ser casado, mas a convicção do
religioso de que o divórcio é pecado. “Realmente não entendo isso.”
As entrevistas que Sullins fez para escrever seu livro revelaram ampla
aceitação de padres casados pelos fiéis. “A maioria diz ‘eu acho que
todos os padres deveriam ser casados’.”
Perguntada se era a favor do fim do celibato, Marylove deu um suspiro
profundo, revelador de um debate interior sobre o assunto. “Por que
não?”, respondeu, depois de alguns segundos. Turner vê com simpatia o
fim do celibato, mas ressalta que é uma decisão que deve ser tomada
pelos religiosos.
Na avaliação de Sullins, a existência de 17 mil diáconos nos Estados Unidos, a
maioria dos quais casados, familiarizou a comunidade católica do país
com clérigos que não professam o celibato. Os diáconos podem desempenhar
muitas das atribuições dos padres, como fazer batismos e casamentos,
mas são proibidos de ouvir confissões, celebrar a Eucaristia e
administrar a extrema-unção.
Brasil. Bispo do Xingu quer que papa abra exceção sobre padres casados.
Responsável por uma região que enfrenta escassez de padres, o bispo da
Prelazia do Xingu, D. Erwin Krautler, pediu no ano passado ao papa que
abrisse uma exceção e permitisse a ordenação de padres casados para
atender os fiéis de sua diocese. Em vez de rejeitar a proposta, o
pontífice pediu que Krautler apresentasse propostas concretas.
O padre Thomas Reese, analista sênior do jornal National Catholic
Reporter, acredita que Francisco analisará os pedidos com simpatia, mas
não tomará a iniciativa. “Ele não anunciará na Praça São Pedro que a
Igreja começará a ordenar homens casados. Os pedidos terão de vir da
base, dos bispos”, disse.
“O papa quer mudar algo”, concordou Massimo Faggioli, professor de
Teologia da Universidade St. Thomas, em Minnesota. “Ele pode estar
aberto a isso.”
D. Erwin Krautler pediu ao papa que abrisse uma exceção e permitisse a ordenação de padres casados para atender os fiéis de sua diocese |
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