Número de superdotados cresce 17 vezes
em 14 anos nas escolas do país
A dona de casa Simone Machado, 36, lembra-se da primeira vez em que seu
filho reconheceu as vogais. "Ele estava no banco do carro, quando
apontou a placa do veículo da frente e disse: U, O".
Seria um momento de alegria para qualquer mãe, mas a reação que Simone
teve foi de espanto. Isso porque Enzo tinha um ano de idade.
Atualmente com seis anos, o menino é um dos 13.308 alunos identificados
como superdotados pelo censo escolar de 2014, número 17 vezes maior do
que o do ano 2000.
A identificação é feita em escolas públicas e privadas de educação
básica — da creche ao ensino médio —, a partir de testes específicos
realizados por psicólogos.
Segundo o MEC (Ministério da Educação), superdotados têm características
como avançado pensamento lógico, facilidade de aprendizado e senso de
justiça. Além disso, possuem talento em uma ou mais áreas, desde a
acadêmica até a esportiva.
"Mas não são necessariamente gênios", diz Sônia Simão, coordenadora
pedagógica do Instituto Rogério Steinberg, voltado para educação de
superdotados de baixa renda, no Rio.
O instituto é um dos que oferecem ensino específico, complementando o da
escola comum. Segundo o MEC, não há no país colégios exclusivos para
esses alunos.
Mantido por empresas privadas, o instituto carioca seleciona 80 alunos
anualmente após realizar testes psicológicos e de lógica em cerca de
3.000 crianças.
FORA DA CURVA
Foi o caso de Enzo, escolhido aos cinco anos de idade. Ele divide uma
sala com outras três crianças com diferentes talentos, no contraturno da
escola.
Sua colega, Isaura Morais, possui a chamada superdotação social. "Ela
revela capacidade de liderança e tem sociabilidade expressiva para a
idade", diz Sônia.
"Já Miguel [Alves] é fera no xadrez. João [Carvalho], nas artes
plásticas. O Enzo sobressai, é realmente um ponto fora da curva", diz.
A precocidade do menino se manteve desde o episódio no carro: aprendeu a
ler e a escrever sozinho aos três anos e possui interesses incomuns
para a idade, outra forte característica de quem possui superdotação.
Os diferentes interesses e a facilidade de aprendizado, no entanto,
também têm efeitos negativos. Enzo, segundo sua mãe, tem dificuldade de
fazer amigos e, na escola, é considerado bagunceiro.
"As crianças o acham chato. Enquanto querem falar de Homem-Aranha, ele
quer falar de hidráulica. Na escola [regular], só quer fazer bagunça,
pois não tem interesse nas aulas por já saber do assunto", conta a mãe.
ESTÍMULO
A identificação de superdotados no Brasil vem crescendo neste século. O
MEC atribui isso ao "investimento feito na formação de professores" e ao
trabalho dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação,
criados em 2005 e presentes em todos os Estados.
Além de preparar os professores para identificar e educar os
superdotados, os núcleos auxiliam na criação de salas de recursos
multifuncionais para alunos com necessidades especiais nas escolas
públicas — que abrigam 85% dos estudantes superdotados identificados no
país.
Desde 2007, os Estados e municípios passaram a ter também um estímulo
financeiro para identificar os superdotados: cada um desses alunos
passou a contar como uma matrícula dupla na rede pública, em razão do
atendimento educacional especializado que recebem.
"Assim, há empenho dos governos em identificar esses alunos, pois há
verba envolvida", afirma Susana Péres, presidente do Conselho Brasileiro
para Superdotação.
Ela considera insuficiente o salto no número de alunos identificados.
"Muitos superdotados são perdidos porque há falta de profissionais aptos
para o reconhecimento", afirma Susana.
"A Organização Mundial da Saúde estima em 5% da população de um país o
número de superdotados. Estamos falando de milhões, mas o MEC ainda está
na casa dos milhares. É muito talento desperdiçado", diz.
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