Na linguagem de lobistas, “abanar o
rabo” era pagar propina — Relatório da Polícia Federal diz que
investigados na Operação Zelotes condicionaram a aprovação de emendas de
parlamentares, a serem incluídas no texto original de medidas
provisórias (MPs), ao pagamento de suborno por montadoras de veículos
No jargão dos envolvidos, pagar
propina era “abanar o rabo”.
A suposta menção a acertos financeiros aparece em e-mails trocados por
Alexandre Paes dos Santos, o APS, um dos lobistas presos por suspeita de
envolvimento na “compra” de MPs, e representantes da indústria
automotiva.
Numa das mensagens, de 16 de dezembro de 2009, o então gerente de
Relações Institucionais da Associação dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), Alberto Alves, parabeniza APS pela aprovação, na
Câmara, da MP 471, que prorrogava incentivos fiscais de montadoras do
Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A medida havia sido editada no mês
anterior pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Alves pergunta a APS se seria possível escalar algum senador para
incluir no texto em tramitação mais regras de interesse das empresas:
“Como ela (a MP) foi aprovada (na Câmara) sem emendas, vai dar para
‘intrujar’ aquela que vocês fizeram?” O lobista responde: “Para aquela
emenda ter entrado era necessário que alguém ‘abanasse o rabo’, e
ninguém de mexeu, portanto é muito difícil uma emenda no Senado”.
No relatório em que justifica os pedidos de prisão, a PF sustenta que
“abanar o rabo” era o mesmo que fazer pagamentos ao grupo de lobistas
escalados pelas montadoras. A regra a ser incluída na MP 471 era de
interesse da CAOA, que monta veículos da Hyundai em Goiás. “Como esta
não sinalizou que queria ou iria pagar, isto é, como a CAOA não ‘abanou o
rabo’, eles (os lobistas), não se movimentaram para consegui-la”,
interpretam os investigadores.
O relatório diz que a montadora não vinha pagando os valores acertados, o
que levou os lobistas, inclusive, a alertarem seus executivos da “má
vontade” e da quebra de confiança” que surgiria nas “pessoas de
Brasília” por conta do descumprimento de acordos.
O então senador Gim Argello (PTB-DF) chegou a apresentar emenda
ampliando os benefícios da CAOA, como mostra o relatório. Contudo, o
Congresso aprovou o texto original, sem alterações. Outras mudanças de
interesse de empresas do setor foram incluídas na MP 512, editada pelo
governo em 2010, também sob suspeita de ter sido encomendada.
Um dos escalados para cuidar dos interesses das montadoras no Congresso
era o assessor Fernando César de Moreira Mesquita, porta-voz do
ex-presidente José Sarney. Ligado a APS, ele é acusado de receber
propina de R$ 78 mil para “auxiliar nas demandas dos lobistas” no
Senado.
Acertos. Para os investigadores, um dos indicativos mais forte do
envolvimento de parlamentares no esquema é outro e-mail, de 29 de
dezembro, no qual os investigados mencionam “prestação de contas com os
devidos acertos” a serem feitos com parlamentares.
Na mensagem, o advogado José Ricardo da Silva, sócio de APS, orienta um
de seus parceiros, Eduardo Valadão, a pedir “paciência” aos
congressistas. Os dois também foram presos na segunda-feira
(26.out.2015).
“É importante que eles entendam que não é conveniente que os acertos
sejam feitos sempre de imediato. As receitas e as retiradas devem
obedecer a um fluxo normal, pertinente com as atividades do escritório.
Se não for assim, as prestações de serviços serão de difícil
justificativa, entende? Veja se você consegue explicar essa situação
para eles”, escreveu José Ricardo.
Para a PF, a “mensagem é reveladora e dá testemunho do modo furtivo e
sórdido de operar que estava sendo implementado” pelos lobistas.
A DEFESA
A defesa de APS, o ex-senador Gim Argello e Fernando Mesquita não
atenderam aos contatos da reportagem. A Anfavea informou, em nota,
desconhecer as tratativas do então gerente de Relações Institucionais.
“Alberto Alves foi funcionário da entidade, mas há muito tempo não faz
mais parte do nosso quadro de colaboradores”, acrescentou.
A CAOA nega envolvimento em esquema de lobby e corrupção para aprovar
medidas provisórias. Segundo a montadora, a MP 471 beneficiou várias
indústrias instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, não sendo
direcionada.
A palavra do criminalista que representa CAOA — O criminalista José
Roberto Batochio declarou que seu cliente, o empresário Carlos Alberto
de Oliveira Andrade, o CAOA, ‘foi ouvido como testemunha e esclareceu
todos os pontos abordados pela Polícia Federal’.
“Havia sim um mandado de condução coercitiva para CAOA, mas nem precisou
ser executado. Meu cliente compareceu espontaneamente até porque tem o
máximo interesse em que tudo isso seja esclarecido”, anotou Batochio.
Segundo o advogado, a PF indagou de CAOA se ele teve casos submetidos ao
CARF. “Sim”, respondeu o empresário. Como foram resolvidos esses
processos?, insistiu a PF. “Perdi os dois recursos.”
A PF indagou de CAOA se ele conhece as empresas do filho do
ex-presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva. “CAOA conhece sim, já
patrocinou futebol americano com uma pequena verba, coisa de R$ 200 mil
ou R$ 300 mil”, disse José Roberto Batochio.
Segundo o criminalista, a Operação Zelotes identificou ‘e-mails trocados
entre lobistas que dizem que o CAOA é um unha-de-fome que não quer
gastar de jeito algum’.
Sobre a Medida Provisória 471, o empresário foi taxativo. “Ela favorece
indústrias automobilísticas e todas as outras que se estabeleceram no
Nordeste e no Centro Oeste. Essas MPs não são direcionadas a empresa A, B
ou C, mas a todas as indústrias.”
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