sábado, 10 de outubro de 2015


Egiptólogos discutem se já 'achamos' Nefertiti sem saber — Teoria diz que ela está oculta na tumba de Tutancâmon

A tumba de Tutancâmon passará por investigação com sondas e radares
para verificar se há passagens ocultas

Encontrar, em um só lugar, os restos mortais do faraó Tutancâmon e os da rainha Nefertiti — dois dos nomes mais incensados do Egito Antigo — seria o sonho de qualquer arqueólogo. A ideia, que daria uma bela ficção, ganhou uma forte evidência a seu favor. Ao analisar imagens de escaneamento em 3D das paredes da tumba de Tutancâmon, o egiptólogo britânico Nicholas Reeves encontrou, em duas delas, ranhuras que indicam a existência de câmaras escondidas no local. A hipótese é de que o gesso que forma essas paredes tenha sido colocado muito tempo depois da construção do mausoléu, de forma a ocultar outras duas salas. Segundo Reeves, é provável que uma delas seja apenas uma câmara de armazenamento, com documentos e peças daquela época. A outra, por sua vez, seria a tão procurada câmara com a múmia de Nefertiti.
Busto da rainha Nefertite, hoje em exposição
no Museu Neues, em Berlim
A rainha, cuja beleza foi imortalizada num busto hoje em exposição em um museu de Berlim, viveu no século XIV a.C.. Nefertiti era mulher do faraó Aquenáton, tido ora como pai, ora como tio de Tutancâmon. Assim, ela pode ter sido tanto sua mãe, madrasta ou tia — pelo casamento. As relações de parentesco, assim como tudo o que ocorreu nesse período, estão entre os grandes mistérios da História do Egito.
Descoberta em 1922, a tumba de Tutancâmon é o menor mausoléu faraônico já encontrado e, em contrapartida, é o único intacto. Foi por isso que o faraó menino, que morreu aos 19 anos, ganhou tanta notoriedade no mundo moderno. Entretanto, as pequenas dimensões do lugar sempre chamaram a atenção dos especialistas, o que reforça a tese de que alguns espaços foram encobertos. Parte dos desenhos nas paredes também retratam uma figura de aparência feminina, com seios, pescoço alongado e outras características distantes das do jovem faraó. Para Reeves e outros estudiosos ao redor do mundo, isso sugere que aquele espaço teria sido inicialmente pensado para abrigar apenas o corpo de Nefertiti, e, mais tarde, com a morte prematura de Tutancâmon, o lugar foi adaptado para ele.
Enquanto alguns egiptólogos consideram precipitada a tese de que a rainha estaria oculta ali, outros veem um raciocínio lógico nesse pensamento.
— Há o consenso de que cerca de 70% do material presente na tumba de Tutancâmon não foi feito para ele — explica Antonio Brancaglion Junior, coordenador do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional, no Rio. — Em alguns locais, o nome dele foi colocado depois. E o gesso dessas duas paredes, que é diferente do usado no restante da construção, é o mesmo que serviu para lacrar a tumba. Além disso, o teto da tumba tem trincas que indicam que há um possível corredor ali. Eu acho plausível consideramos que Nefertiti possa mesmo ser encontrada nessa tumba.
A teoria surgiu depois que um grupo de especialistas em arte e preservação da Espanha foi contratado, no ano passado, para criar uma cópia da tumba. A intenção do governo egípcio é replicar o complexo mortuário do Vale dos Reis — onde os faraós eram enterrados — em um lugar próximo, para que os visitantes possam ter acesso às construções sem danificar o reduto original. Para isso, os técnicos espanhóis escanearam todos os detalhes da tumba de Tutancâmon, usando um radar de tecnologia avançada. Ao analisar o material, já este ano, o egiptólogo Nicholas Reeves identificou marcas que só puderam ser percebidas porque a técnica em 3D mostra as paredes sem a interferência dos desenhos sobre elas. Essas marcas, para ele, indicam nada menos do que duas entradas ocultas.
— Se eu estiver errado, estou errado. Mas, se estiver certo, as perspectivas são, francamente, surpreendentes. O mundo pode se transformar em um lugar muito mais interessante, pelo menos para os egiptólogos — afirmou Reeves.
O sarcófago com a múmia de Tutancâmon
foi descoberto em 1922, com cerca de 5 mil
objetos valiosos, mas sem qualquer pairo
ou documento que ajudasse especialistas
a entenderem melhor aquela época

FUNDADOR DE UMA RELIGIÃO
A expectativa é de que, mesmo que os despojos de Nefertiti não estejam ali, possam ser encontrados documentos históricos que ajudem os especialistas a conhecer mais o chamado Período Amarniano — uma referência à cidade de Amarna, fundada pelo faraó Aquenáton. Junto do sarcófago de Tutancâmon, foram encontrados cerca de cinco mil valiosos objetos, mas sequer um papiro que pudesse explicar melhor essa fase da História egípcia.
O mistério que envolve a vida de Aquenáton e sua família se deve à revolta que ele provocou com seu reinado, o que fez com que os que vieram depois dele tentassem de tudo para “apagar” sua história. O grande incômodo foi o fato de o faraó ter fundado uma nova religião. Ele havia destituído do poder o até então tradicional deus Amon e passou a venerar o deus Aton — de onde se origina seu próprio nome. A idolatria a Aton foi tão grande que diminuiu o espaço dos outros deuses dentro da cultura egípcia, o que leva alguns especialistas a classificarem esse período como monoteísta. Ou, pelo menos, de uma monolatria, em que há adoração a um só ser, mas não impede que haja outros, menores. O próprio Tutancâmon nasceu, na verdade, Tutancaton, em homenagem ao deus. Após a morte de Aquenáton, o rei menino mudou seu nome como prova de repúdio às inovações trazidas pelo antigo faraó.
— Tutancâmon renegou o tio, ou pai. Ele foi considerado uma espécie de herege por ter sido contra a multiplicidade de deuses. Com a morte de Aquenáton, a adoração a Amon e aos outros deuses voltou, como era antes de seu reinado, e a cidade de Amarna foi quebrada e muitos documentos, destruídos. Por isso é tão difícil termos uma reconstrução exata dos acontecimentos que envolvem essa família real — diz Nely Feitoza Arrais, doutora em História Antiga pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Também doutora pela UFF, Gisela Chapot confirma que são grandes as chances de existirem câmaras secretas no mausoléu onde Tutancâmon foi encontrado, mas é reticente quanto à teoria de que Nefertiti estaria em uma delas.
— É claro que tudo é possível, mas eu acho essa teoria precipitada porque tem argumentos pouco sólidos. Afirmar que Nefertiti pode estar ali é como dar um tiro no escuro — compara.
‘JOGADA’ DE MARKETING? Assim como Nely, ela acredita que a divulgação dessa tese pode ser uma estratégia para estimular a indústria de turismo no Egito, país que vem passando atualmente por uma crise política e econômica.
— Essa ideia controversa pode ter sido tão alardeada para acelerar o processo de investigação da tumba e para atrair turistas — acredita Gisela.
Na última semana, o ministro egípcio de Antiguidades, Mamdouh el-Damaty, prometeu ação rápida para inspecionar o lugar. Nicholas Reeves e uma equipe financiada pelo canal de televisão japonês Tokyo Broadcasting System foram autorizados a usar no local radar e tecnologia de imagem termal dentro de um a três meses. Essas técnicas são não-invasivas, para não danificar as paredes.
Depois disso, caso os especialistas consigam indícios de que existe algo que valha a pena por trás das paredes, será necessário fazer pequenos furos pelos quais serão passadas sondas que permitirão enxergar um pouco do que está escondido. Somente após isso será possível uma autorização para remover as paredes.
— É um trabalho difícil e demorado porque é preciso muito cuidado antes de abrir a tumba. Seria terrível se a danificassem em vão — explica o egiptólogo Antonio Brancaglion Junior.


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