Lobistas suspeitos de “comprar”
medidas provisórias (MPs) tinham elos no Planalto e em dois ministérios —
Relatório da Polícia Federal lista 'contatos' de alvos da Operação
Zelotes, entre eles o número 2 do Planejamento e Erenice Guerra, e
aponta 'canal do lobby' de montadoras para aprovação de medidas
provisórias benéficas ao setor automotivo
Relatório da Polícia Federal (PF) diz que lobistas investigados por
“comprar” medidas provisórias (MPs), entre elas a MP 471/2009, tinham
contatos no Palácio do Planalto e ao menos dois ministérios para,
supostamente, negociar benefícios fiscais de interesse de montadoras de
veículos. A análise da MP 471 passou pelos ministérios do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, na época comandado pelo
ministro Miguel Jorge; Fazenda (Guido Mantega), Ciência e Tecnologia
(Sérgio Machado Rezende), além da Casa Civil da Presidência (Dilma
Rousseff).
O relatório cita como possíveis contatos dos lobistas Erenice Guerra,
secretária-executiva da Casa Civil entre 2005 e abril de 2010; e Dyogo
Henrique de Oliveira, então secretário-adjunto da Secretaria de Política
Econômica, ligada ao Ministério da Fazenda, e hoje secretário-executivo
do Planejamento.
Erenice Guerra foi citada em relatório da PF |
Além deles, os investigadores mencionam o ex-ministro Gilberto Carvalho,
chefe de gabinete do ex-presidente Lula entre 2003 e 2010 e titular da
Secretaria-Geral da Presidência entre 2011 e 2014, na gestão Dilma;
Nelson Machado, ex-secretário-executivo da Fazenda; e Lytha Battiston
Spíndola, ex-secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior
(Camex), ligada ao Desenvolvimento. Também é citado no relatório Helder
Chaves, outro servidor que chefiou a Camex.
Na Casa Civil, de acordo com a investigação, “é certo” que os lobistas
Alexandre Paes dos Santos, o APS, e José Ricardo da Silva tinham “acesso
direto” a Erenice Guerra. “Erenice era frequentadora do escritório de
José Ricardo, nas palavras de Hugo Rodrigues Borges (ex-funcionário de
José Ricardo), o que nos parece ser verdade, tendo em vista que os
mesmos, inclusive, possuem parceria de trabalho na defesa de interesse
da empresa Huawei do Brasil Telecomunicações junto ao Carf (Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais)”, registra a PF.
Para a PF, outra pessoa que “possivelmente” manteve contato com os
lobistas foi “Dyogo Henrique de Oliveira”, que na época estava no
Ministério da Fazenda. Ele é citado numa agenda na qual APS registrava
dados sobre a negociação das MPs. Num dos trechos, o lobista anotou
“Diogo/José Ricardo”, seguido de “Secretaria de Política Econômica” e
“SPE”.
No Ministério do Desenvolvimento, o relatório da PF indica ainda a
participação de Lytha Spíndola nas prorrogações dos incentivos de 2010 a
2015 e de 2015 a 2020 como “o canal de lobby naquele órgão”. Auditora
fiscal aposentada em 2012, ela é mãe de Vladimir Spíndola Silva,
descrito como “parceiro de empreitada” de um dos sócios da SGR
Consultoria, Edison Pereira Rodrigues.
Mãe e filho são suspeitos de receber dinheiro do esquema. Eles foram
conduzidos pela PF a prestar depoimento na última segunda-feira
(26.out.2015). Também houve buscas nas residências e escritórios de
ambos. “Importa ressaltar a existência de pagamentos pela Marcondes e
Mautoni (empresa investigada) para as contas do escritório dos filhos de
Lytha, Vladimir e Camilo, que recebeu R$ 506.790 mil líquidos em 2010, e
da empresa de consultoria deles, a Green Century Consultoria
Empresarial e Participações, que recebeu R$ 913.301,85 entre 2011 e
2012″, sustenta o documento.
Chope. A PF aponta ainda “outra pessoa que pode ter sido usada para
influenciar o processo de elaboração da medida provisória”: Helder
Chaves, servidor que chefiou a Camex em 2010. Em e-mails daquele ano,
José Ricardo diz ter colaborado para que Helder fosse nomeado para o
cargo. Num deles, os dois combinam um chope.
Ele chega a trocar mensagem com o servidor em maio daquele ano,
consultando-o sobre a possível ampliação, por meio de “emendas
parlamentares”, dos benefícios previstos na 471. “As emendas permitiriam
que novos empreendimentos pudessem, também, se beneficiar dos
incentivos. (…) Qual sua opinião técnica sobre isso?”, questiona o
lobista. Novos incentivos foram concedidos em novembro pela MP 512, após
passar pelo Desenvolvimento. A norma também está sob suspeita de ter
sido encomendada.
“Amigo”. O ex-ministro Gilberto Carvalho prestou depoimento na
segunda-feira (26.out.2015) sobre sua ligação com o empresário Mauro
Marcondes Machado, da Marcondes e Mautoni. A PF vê suposto “conluio” do
ex-ministro com o lobista na defesa de interesses do setor
automobilístico. O relatório diz que os dois têm relação de intimidade.
Em 2007, ao pedir que o então chefe de gabinete entregasse um documento
de grandes empresas ao então presidente Lula, o lobista escreveu: “Estou
recorrendo mais uma vez ao amigo para cumprir mais uma vez esta
incumbência daquela forma informal e low profile que só você consegue
fazer, sem as formalidades e no momento oportuno”.
Na agenda de APS, além de citação a Gilberto Carvalho, é mencionado
“Nelson Machado”. “Tudo indica ser o número 2 do Ministério da Fazenda”,
registra a PF.
O outro lado. Erenice Guerra informou que não falaria a respeito. Dyogo
não atendeu a telefonema da reportagem. Ele foi procurado por meio da
assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento, mas não respondeu.
O ex-ministro Gilberto Carvalho nega conluio ou participação em
qualquer negociata com os lobistas.
Em nota, Lytha Spíndola afirmou ter sido surpreendida com a divulgação
de graves acusações contra si. Ela sustentou que sempre exerceu cargos
públicos com “empenho e retidão” e adiantou que prestará os devidos
esclarecimentos à Justiça. “Não recebi pagamentos diretos ou indiretos e
não tive qualquer participação na edição de medidas provisórias para o
setor automotivo”, disse. Procurado, o filho de Lytha não ligou de
volta.
A reportagem não localizou Nelson Machado e Helder Chaves.
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