Manuscrito de doleiro traz nome de Dilma ligado a valores — estranhamente se mantinha incógnito até agora —
Dilma Rousseff e Alberto Youssef |
Um bilhete escrito pelo doleiro Alberto Youssef de próprio punho,
entregue à Polícia Federal em 2014, traz o nome da presidente Dilma
Rousseff próximo de valores financeiros. O manuscrito traz a referência a
Dilma como o segundo item abaixo do registro "1.000.000 Bsb" (um milhão
Brasília). Ao lado do nome da presidente aparece o número 17, a palavra
"viagem" e, ao que parece, um horário (16h30). No primeiro item,
imediatamente abaixo do número, aparece o termo "novo embaixador".
Youssef é um dos pivôs do escândalo de desvio de recursos da Petrobras, investigado na Operação Lava Jato.
O bilhete é um dos documentos recolhidos pela contadora de Youssef, Meire Poza, e entregue aos investigadores da Lava Jato.
O documento foi entregue pela contadora do doleiro à PF em abril de
2014, às vésperas da campanha eleitoral, e que estranhamente se mantinha
incógnito até agora.
No dia 29 de abril de 2014, quando começou a atuar como informante da
Polícia Federal, a contadora de Alberto Youssef, Meire Poza, forneceu à
Lava Jato uma série de documentos recolhidos por ela nos escritórios do
doleiro. Um deles, se divulgado à época, poderia ter efeito devastador
sobre a campanha à reeleição de Dilma Rousseff. Trata-se de um bilhete
escrito de próprio punho pelo doleiro em que ele menciona a presidente.
No alfarrábio, o nome de Dilma aparece próximo a valores.
Guardado a sete chaves pela Lava Jato, o manuscrito de Alberto Youssef
atravessou a campanha presidencial incógnito e assim permaneceu até
agora. Na atual circunstância política, — com a presidente cada vez mais
isolada e impassível diante da crise e das denúncias envolvendo sua
campanha, — a anotação do doleiro renova o seu potencial explosivo.
É a primeira vez que surge uma prova ligando Dilma ao doleiro.
Para a secretária do doleiro, profunda conhecedora dos submundos do
Petrolão, uma das explicações para o apontamento de Youssef seria “algum
pagamento que deveria ser feito à Dilma”.
De acordo com relato da contadora Meire Poza, ao receber o papel, em
abril de 2014 na Superintendência da PF na Lapa, em São Paulo, o
delegado Márcio Anselmo, da força-tarefa da Lava Jato, vibrou: “Que
coisa maravilhosa”, teria dito. Ao presenciar a cena, Meire pensou na
hora: “Dilma estava no esquema”. Anselmo estava acompanhado do agente
Rodrigo Prado. Tanto o manuscrito citando Dilma como os demais
documentos entregues por Meire foram acondicionados no porta-malas de
uma Range Rover Evoque, apreendida pela Lava Jato e agora a serviço da
PF.
No dia seguinte, o agente Prado enviou um email à contadora de Youssef:
“Nossa conversa foi muito boa. Vamos mantendo contato por aqui”.
Começava ali o trabalho de Meire Poza como uma espécie de agente
infiltrada da PF. Ao longo de mais de um ano, até meados de setembro de
2015, a contadora municiou os policiais federais com uma série de
informações relevantes. A maioria delas foi considerada pelos
integrantes da Lava Jato na hora de produzir provas contra envolvidos no
esquema de desvios na Petrobras.
Os relatos se revelaram cruciais para a deflagração de operações que
vieram a seguir. Estranhamente, o bilhete em que o doleiro menciona a
presidente teve outro destino. Nunca foi incorporado às provas da Lava
Jato. Além de não aparecer no e-Proc, sistema de consulta dos processos
da força-tarefa, a reportagem apurou que o documento nunca foi
encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) — caminho
obrigatório e formal de qualquer indício ou prova envolvendo um
presidente da República. “Esse manuscrito nunca apareceu por aqui”,
assegurou na semana passada à reportagem um alto integrante da PGR que
se debruçou sobre o material relativo ao doleiro Alberto Youssef.
Meire Poza, contadora do doleiro |
O episódio é um claro indicativo de que possa ter havido pressão do
Planalto para abafar o caso. É uma indicação forte de que houve uma
tentativa de proteger Dilma. Hoje, no momento de maior fragilidade da
presidente, desde a posse, em que as discussões sobre o impeachment
ganham força e vigor, tanto a revelação do bilhete, escrito pelo
doleiro, como as suspeitas de mais uma interferência do Planalto na Lava
Jato contribuem para tornar a situação da petista ainda mais delicada.
Quando o manuscrito em que o doleiro menciona a presidente chegou às
mãos da PF, em 29 de abril de 2014, o País encontrava-se às vésperas da
campanha eleitoral. Em 17 de março daquele ano, Alberto Youssef fora
preso, acusado de ser um dos operadores do Petrolão. Em setembro, o
doleiro iniciaria os seus depoimentos à PF. Perguntado, em uma das
sessões, sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de
corrupção na Petrobras, o doleiro afirmou: “O Planalto sabia de tudo”.
Questionado pelo delegado que colhia o depoimento a quem ele se referia,
Youssef respondeu: “Lula e Dilma”.
A afirmação se tornou pública na sexta-feira 24 de outubro, antevéspera
do segundo turno das eleições. No dia seguinte, o doleiro era internado.
Imediatamente, surgiram versões de que ele teria sido alvo de atentado
ou queima de arquivo. Oficialmente tratou-se de um infarto. O resto da
história, todos sabem: Dilma reeleita por uma margem estreita de votos
em relação ao senador Aécio Neves (PSDB). Difícil prever se o surgimento
desse novo elemento — no caso, o bilhete de Youssef — seria capaz de
mudar os rumos da eleição. É certo, no entanto, que o Planalto, tinha
total interesse em manter o documento incógnito em meio ao calor da
campanha. Seu vazamento era totalmente inconveniente a Dilma àquela
altura.
O doleiro Alberto Youssef no hospital |
A contadora Meire Poza, traz outra revelação importante e intrigante.
Segundo Meire, a Lava Jato poderia ter sido deflagrada dois anos antes,
em 2012, quando ela se dirigiu pessoalmente à sede da PF em São Paulo e
se dispôs a colaborar com informações sobre o esquema operado por
Alberto Youssef. Quem a recebeu foi o delegado Otávio Margonari Russo,
lotado na Lapa de Baixo, bairro da zona oeste de São Paulo. Ela diz ter
levado tudo o que tinha de indícios de Youssef associados ao PT.
O delegado prometeu investigar, mas não tomou seu depoimento. Duas
semanas depois, quando Meire telefonou cobrando uma posição, o delegado,
de acordo com a contadora, primeiro disse não se lembrar dela. Depois,
recomendou a Meire que não ligasse mais. “Se eu estiver precisando de
alguma coisa, quem liga pra você sou eu”. A ligação nunca veio. Em 26 de
maio de 2014, Meire relatou esse episódio em reunião com as estrelas da
promotoria da Lava Jato: Deltan Dallagnol, Andrey Borges, Carlos
Fernando e Roberson Pozzebon. Também participaram do encontro Márcio
Anselmo, com quem Meire costumava conversar pelo whatsapp, e Rodrigo
Prado. “Minha história começou em março de 2012, quando denunciei
Alberto Youssef à Polícia Federal de São Paulo e não aconteceu nada”,
disse.
Silêncio sepulcral. O primeiro a falar teria sido Dallagnol.
“Como assim? Você sabia disso, Márcio?”. Ao que o delegado respondeu:
“É, eu sabia. Ela esteve lá com um colega nosso, mas, putz, ele estava
cheio de trabalho e não levou isso pra frente”. Anselmo foi procurado
pela reportagem desde a terça-feira 08.mar.2016, mas não retornou até o
fechamento desta edição. A reportagem também tentou uma audiência com a
direção da PF em Brasília para tratar do tema. Sem sucesso. Numa
conversa mantida em Curitiba com o agente Prado, com o qual mantinha uma
relação próxima, Meire ouviu do próprio policial que, em sua avaliação,
Otávio Russo, ao não investigar a denúncia formulada por ela em 2012,
havia incorrido num crime: o de prevaricação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário