terça-feira, 29 de março de 2016


Impeachment de Dilma se arrasta até outubro

Os fatos indicam que o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff parece inevitável. O senso comum em Brasília é que tudo agora seria muito rápido e inexorável. Mas as regras legislativas e a disposição da Presidenta da República para resistir até o final podem levar a um processo mais longo do que se desejaria.
Se todos os prazos legais forem respeitados e usados até o seu limite, o julgamento do impeachment só estará concluído no início da 2ª quinzena de outubro. Isso sem considerar atrasos imponderáveis, como ações na Justiça ou protelamentos com base nos regimentos da Câmara e do Senado.
Nesse cenário, o Brasil terá durante 6 meses, de maio a outubro, um presidente da República interino. É que o vice-presidente ocupará a principal cadeira do Palácio do Planalto apenas de maneira provisória até que o Senado defina se vai mesmo destituir a Presidenta Dilma Rousseff.
O que está em jogo agora é apenas o impedimento (o “impeachment”, no termo em inglês popularizado no Brasil), não a cassação. Primeiro, a Presidenta seria afastada do cargo por até 6 meses para ser julgada pelo Senado. Nesse período, abriria-se um vácuo de poder — o Palácio do Planalto ficaria ocupado apenas por um presidente provisório.
O consenso em todos os meios políticos é que o processo se torne irreversível a partir do afastamento provisório: uma vez aprovado o impeachment, é praticamente impossível a Presidenta Dilma Rousseff voltar a presidir o país. Ainda assim, durante a transição, dá-se um período de inescapável instabilidade.
É impossível prever qual será a data exata do desfecho do impeachment por duas razões. Primeiro, trata-se de um processo político (portanto sujeito a fatos imponderáveis, intangíveis). Segundo, o início da tramitação no Senado carece de regras claras a respeito de prazos — o que torna tudo ainda mais imprevisível.

Temos abaixo o que pode ser um cronograma possível do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, embora ainda sujeito a alterações ao longo dos meses, segundo especialistas nos regimentos da Câmara e do Senado:

Como se observa nesse “cronograma possível”, até o final de abril é possível que a Câmara finalize a sua parte do impeachment. Mas ... é muito incomum haver sessões de 2ª a 6ª, de maneira contínua ... podem ser apresentados recursos eventuais pedindo mais prazos na comissão de 65 deputados que analisa o impedimento ... pode ser aberto um pedido de vista para o relatório final. Tampouco está descartada alguma ação na Justiça por parte do governo. Embora seja improvável que tudo seja paralisado, algum atraso não seria incomum.

O DESFECHO DA ATUAL CRISE POLÍTICA
Em 1992, quando Fernando Collor foi alvo de um processo de impeachment, assumiu o então vice-presidente, Itamar Franco (falecido em 2011 — aos  81 anos). O impedimento foi votado pela Câmara em 29.set.1992. Itamar virou presidente interino em seguida. Mas o Senado só julgou o caso de maneira definitiva em 30.dez.1992.
Ou seja, mesmo Fernando Collor sendo um presidente fragilizado, sem nenhum apoio relevante na sociedade — e tendo contra si todos os principais partidos, do PT ao PSDB —, foram necessários 3 meses para o Senado finalizar o processo.
Collor, na realidade, acabou renunciando em 29.dez.1992, antes da votação definitiva. Queria evitar o impeachment. O ato foi desconsiderado pelo Senado e até tornou politicamente mais inevitável a cassação.
Itamar Franco rapidamente construiu um certo consenso político ao assumir o Planalto, ainda de forma interina. Mas o então presidente provisório só conseguiu deslanchar a partir de janeiro de 1993, quando se tornou o titular efetivo no Palácio do Planalto.
O cenário de 2016 é diferente do de 1992.
Uma parte das atuais forças políticas — ainda que minoritária — está ao lado de Dilma Rousseff. A própria Presidenta não dá sinais de que vá se entregar sem oferecer resistência.
Petistas e movimentos sociais organizados que orbitam em torno do governo federal estão seguros do seguinte:
  • Dilma não renuncia: a presidente fica na cadeira e resiste até o último dia, mesmo que seja inevitável o impeachment (afastamento do cargo) e a destituição (no julgamento pelo Senado).
  • Resistência na Câmara: o Planalto tentará obstruir a votação ou obter alguma decisão favorável no STF para pausar o processo.
  • Resistência no Senado: como não existe uma regra definida sobre os prazos iniciais de tramitação no Senado, Dilma pretende atrasar o quanto possível a votação da admissibilidade do processo. Enquanto os senadores não apreciarem o assunto em plenário, a petista não pode ser afastada.
  • Defesa pós-impeachment: mesmo se for afastada, Dilma quer utilizar todos os 180 dias (prazo máximo) para sua defesa no Senado. Com essa estratégia, espera dificultar o governo interino de Michel Temer, que ficaria fragilizado pela crise econômica e sem condições de oferecer segurança sobre planos futuros para o establishment.
  • Protestos nas ruas: se o impeachment for aprovado, o PT e a presidente acham que as manifestações de classe média que pedem “fora Dilma” vão arrefecer, pois é raro ver alguém mostrando um cartaz “entra Michel Temer”. Ao mesmo tempo, sindicatos, MST, MTST e outras organizações sociais devem continuar a protestar de maneira mais intensa — sobretudo por causa do agravamento do desemprego, resultado da recessão econômica. Greves, invasões de propriedades e outros atos são aguardados como forma de elevar a tensão sobre o governo interino de Michel Temer. No Congresso, a bancada petista trabalhará para obstruir os trabalhos e impedir a votação de reformas.
  • Mais Lava Jato: o PT sabe que é um dos alvos mais vistosos da investigação, mas acha que as delações premiadas de grandes empreiteiras mostrarão corrupção generalizada em todos os principais partidos — carregando junto para o abismo alguns líderes da oposição. Com o jogo embolado, a aprovação do impeachment perderia força no Congresso.
  • Julgamento no TSE: se a saída da presidente se tornar incontornável, o PT deve passar a pressionar para acelerar na Justiça Eleitoral o processo contra a chapa completa de 2014. A delação de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez traz provas materiais sobre dinheiro ilegal irrigando a reeleição da dupla Dilma Rousseff e Michel Temer.
  • Impeachment de Michel Temer: com Dilma eventualmente afastada e se o processo no TSE não andar, o PT usará as provas apuradas pela Lava Jato para tentar abrir um processo de cassação de Michel Temer.
  • Fisiologia anti-impeachment: enquanto houver esperança, o Planalto não vai abdicar de amarrar votos contra o pedido de impeachment. Haverá farta de distribuição de cargos e liberação de emendas ao Orçamento propostas por deputados. Há 5 partidos na mira: PSD, PTB, PR, PDT e PP. Essas siglas juntas têm 160 cadeiras na Câmara e comandam um orçamento somado de R$ 49,4 bilhões em seus ministérios.
  • Eleições municipais: deputados e senadores têm interesse nas disputas de prefeitos e vereadores de outubro. As eleições em mais de 5.600 cidades determinam quais serão os apoios disponíveis em 2018, quando haverá renovação do Congresso. O governo argumentará que o impeachment não estará resolvido até outubro. Para congressistas, em teoria, valeria mais a pena ficar em seus cargos federais, apoiando Dilma contra o impeachment, e assim ter o poder da máquina pública ao seu lado nas  eleições municipais de 2016.
Entre as esperanças do Planalto uma que deve ser levada em conta é a capacidade de resistência de Dilma e do PT em não entregar os pontos. Se um Collor fraco teve um processo com 3 meses de duração no Senado, por que um presidente petista seria cassada com mais rapidez?




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