Braskem usa gás de xisto para depender menos
da Petrobrás
da Petrobrás
Importação: Porto de Aratu (BA) será reformado para receber gás dos Estados Unidos |
Após anos de disputa com a petroleira para fechar acordo sobre o
fornecimento de seu principal insumo, a nafta, matéria-prima do
plástico, empresa vai importar ‘shale gas’ dos Estados Unidos.
Por 34 meses, a Braskem viveu uma queda de braço com a Petrobrás, sua
principal fornecedora e segunda maior acionista. A petroquímica tentava a
todo custo costurar com a estatal um acordo de longo prazo para o
fornecimento de nafta — derivado de petróleo que é a principal
matéria-prima para o eteno, produto básico da cadeia do plástico. A
batalha terminou em dezembro, mas com um acordo só para cinco anos.
Para reduzir sua dependência do insumo — e, consequentemente, da própria
Petrobrás, que fornece 70% de toda a demanda da petroquímica —, a
Braskem decidiu diversificar: acaba de fechar um acordo para importar
dos Estados Unidos o shale gas, o chamado gás de xisto, que revolucionou
a indústria global por derrubar os custos de produção.
O projeto exigirá um investimento de R$ 380 milhões e o produto será
fornecido pela Enterprise Products, a mesma distribuidora que atende as
fábricas da petroquímica brasileira nos Estados Unidos. O gás importado
vai abastecer até 15% da fábrica de Camaçari, que se tornará uma unidade
“flex”, capaz de utilizar gás ou nafta na produção.
A definição sobre o insumo usado em uma indústria petroquímica é um tema
sensível. Cerca de 75% do custo de produção do eteno, petroquímico que é
a base da cadeia do plástico, vem da nafta. “A nafta perdeu
competitividade em relação ao gás. Mas esperamos períodos de
volatilidade no preço do insumo, e a fábrica de Camaçari terá
flexibilidade para aproveitar esses momentos”, afirmou o vice-presidente
da unidade de petroquímicos básicos da Braskem, Marcelo Cerqueira.
Hoje, dos quatro polos produtivos da Braskem no Brasil, três são movidos
a nafta. O único que utiliza gás é o de Duque de Caxias, no Rio, que
responde por 15% da produção brasileira. A fábrica é abastecida com gás
nacional e não opera a 100% da capacidade justamente pela falta de
insumo brasileiro, explica Cerqueira. Com a parte da fábrica de Camaçari
que será flex, a representação do gás poderá subir para 20% da produção
nacional da Braskem.
Para o analista do Citi, Nuno Pinto, mais que reduzir custos com a troca
de insumos básicos, a importação de gás poderá ser, no futuro, um
instrumento de barganha entre a Braskem e a Petrobrás. “Ninguém quer
estar na mão da Petrobrás. Se amanhã eles decidirem aumentar o preço da
nafta, como já fizeram, a rentabilidade da Braskem pode cair de forma
significativa.”
O vice-presidente da Braskem, no entanto, diz que a importação de gás
não reduzirá o volume de nafta comprado da Petrobrás. “Vamos substituir a
nafta importada.”
Competitividade — A revolução do shale gas americano mudou a
indústria petroquímica global. Nos sete primeiros anos da década de
2000, produzir eteno com nafta custava até 30% menos do que usar o gás,
apontam dados da consultoria IHS, que consideram o cenário nos Estados
Unidos. A partir de 2006, a relação se inverteu e o gás chegou a custar
até 75% mais barato do que a nafta. A diferença de custos começou a cair
a partir de 2014, com a queda no preço do barril de petróleo. Ainda
assim, até hoje, o gás sai na vantagem em relação à nafta.
O governo americano utilizou os benefícios do gás de xisto para fomentar
a recuperação do país após a crise do subprime, em 2008. As regras
proibiam a exportação do insumo, em uma tentativa de atrair novas
indústrias para os Estados Unidos. Com o crescimento da produção, que
tornou os Estados Unidos o maior produtor de gás do mundo, o governo
flexibilizou as regras para evitar um excesso de oferta. Desde então,
distribuidoras investiram em terminais de liquefação de gás, para
viabilizar a sua exportação. A primeira remessa de gás exportado dos
Estados Unidos saiu do país em dezembro do ano passado. “A exportação do
gás de xisto é uma festa que vai começar. Temos de estar nesse jogo”,
disse o vice-presidente da Braskem.
Estimativas de mercado apontam que mesmo com o custo do frete marítimo, o
gás importado americano custaria, em média, 50% menos que a nafta no
Brasil nos últimos dois anos. Além da Braskem, a própria Petrobrás
também anunciou que vai importar gás dos Estados Unidos. O produto será
usado para abastecer as usinas termoelétricas da estatal.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, há
uma tendência mundial de aumento da oferta de gás natural que deve
manter os preços do produto em baixa, puxada por novas descobertas e por
mais investimentos em liquefação de gás, que viabilizará a exportação
aos mercados consumidores. “Vamos viver a era do gás natural. As
petroquímicas que mantêm uma matriz de produção focada em nafta, como é o
caso da Braskem hoje, vão perder competitividade internacional se não
migrarem para o gás”, afirmou.
Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química
(Abiquim), Fernando Figueiredo, a competitividade da Braskem é
fundamental para toda a cadeia. “Ela está na base da pirâmide. Se o
custo dela é acima do mercado internacional, toda indústria química
sente. O resultado é déficit da balança comercial de químicos.”
Investimentos — Para receber o gás importado, a Braskem terá de
fazer investimentos no seu terminal no Porto de Aratu (BA), em um
trajeto de 30 km de dutos que ligam o porto à fábrica, e criar um
sistema de regaseificação na unidade. As obras na fábrica serão feitas
em outubro, quando está programada uma parada para manutenção, mas o
porto só estará apto para receber o gás americano em outubro de 2017.
Segundo Cerqueira, há possibilidade de transformar até 30% da planta em
um sistema “flex”. A obra para dobrar essa capacidade deve ocorrer só em
2019. A adaptação de outras unidades da Braskem no Brasil para receber o
gás importado é tecnicamente mais difícil, pois elas estão mais
distantes do mar.
Lava Jato atinge sócios — Depois de muita briga, que chegou a
contar com a ameaça da petroquímica de suspender a produção, Braskem e
Petrobrás chegaram a um acordo de cinco anos no fim de dezembro, que
prevê um preço de até 102,1% da cotação internacional da nafta.
Além de fornecedora, a Petrobrás é a segunda maior acionista da Braskem,
com 36% da empresa. Segundo apurou a reportagem, o fechamento do
contrato de nafta era um impasse para a venda da fatia da Petrobrás na
Braskem, que deve ser retomada neste ano.
O controlador da empresa é o grupo Odebrecht. A investigação dos dois
maiores acionistas pela Operação Lava Jato trouxe volatilidade às ações
da petroquímica em 2015. “A Lava Jato é um risco que vai continuar por
algum tempo. Mas acho que o investidor se acostumou e hoje olha mais
para os negócios da empresa”, disse o analista do Citi, Nuno Pinto. A
empresa lucrou R$ 2,9 bilhões em 2015, no maior ganho de sua história.
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