Crise anestesiou o Brasil
O brasileiro pode estar se acostumando com seu drama. No Brasil de
hoje, basta abrir um jornal, uma janela, uma geladeira ou qualquer
fresta para dar de cara com a crise. A Lava Jato exibe o pus no fim
do túnel. A recessão congestiona a trilha rumo ao olho da rua. E a
inflação faz sobrar mês no fim do salário. Porém …
É como se o país estivesse na UTI, mas anestesiado. A vida cotidiana
numa nação submetida à perversão perpétua acaba ganhando contornos
de anormal normalidade. As ruas voltaram para casa. Estão sendo
intimadas a roncar novamente no dia 13 de março. Mas parecem
hesitar. Os primeiros atos de impaciência não surtiram efeito.
Quando soube que o heroi da resistência da oposição era Eduardo
Cunha, o asfalto foi dormir. Acordou sem culpa, virou o rosto e foi
cuidar do seu feijão com arroz.
Nunca antes na história do país uma crise foi tão televisionada. A
roubalheira, o desemprego e a carestia não transcorrem num cofre
remoto, numa empresa desconhecida ou num supermercado distante. Os
fenômenos acontecem, em cores vivas, na sala de estar de todos os
brasileiros que escolhem não virar o rosto. O descalabro virou mais
uma novela. A diferença é que é mais difícil distinguir mocinhos de
bandidos.
A novela atual tem um roteiro de terror. Mas é, essencialmente, um
reencontro do brasileiro com a vocação da política para o mal —
agora em versão revista e ampliada. Durante anos o país assiste, em
capítulos diários, entre comerciais de sabão e inseticida, à mistura
da roubalheira com a ineficiência. A propaganda é enganosa. A mancha
não sai. E os insetos se multiplicam.
A longo prazo, estaremos todos mortos. A curto prazo, se você
consegue manter a cabeça no lugar, provavelmente já virou o rosto.
Terceirizou a reação ao juiz Sérgio Moro e à força-tarefa da Lava
Jato. E foi cuidar do seu feijão com arroz. Muitos ainda tentam ver
o lado bom das coisas. Mesmo que seja preciso procurar um pouco.
Não dá para imaginar os executivos da OAS e da Odebrecht, pés sobre
a mesa, copo de uísque na mão, charuto entre os dedos, calculando
quanto da rapina na Petrobras caberia ao Lula.
A maioria dos brasileiros acha que houve toma-lá-dá-cá.
Os governos do PT azeitaram negócios para as construtoras e, em troca, essas empresas beneficiaram Lula com reformas no tríplex do Guarujá
e no sítio de Atibaia.
A maioria dos brasileiros acha que houve toma-lá-dá-cá.
Os governos do PT azeitaram negócios para as construtoras e, em troca, essas empresas beneficiaram Lula com reformas no tríplex do Guarujá
e no sítio de Atibaia.
Luís Inácio é um homem convencido de sua missão divina e dos
privilégios que ela lhe concede. Os empreiteiros e o primeiro-amigo
José Carlos Bumlai são apenas escudeiros providenciais, versões
pós-modernas de Sancho Pança. Todos com as algibeiras recheadas com
verbas do BNDES e dos cofres de estatais. O papel dos escudeiros é o
de livrar Lula dos cuidados banais, como a conta das reformas do
sítio e do tríplex, a montagem das cozinhas planejadas, a troca do
assoalho, a instalação do elevador privativo …
Na festa de aniversário do PT, Lula disse que anda de “saco cheio”
com os inimigos, com a imprensa e com os procuradores e magistrados
que se curvam para as manchetes. Natural que Lula se sinta
injustiçado, acossado não pela indignação moral da sociedade, mas
pela mesquinhez das pessoas, pela incapacidade geral de reconhecer
que tudo que lhe caía no colo, viesse de onde viesse, não era mais
do que o merecido. Que diabos, ele saiu de Garanhuns para dar
dinheiro do BNDES aos ricos e dignidade aos pobres! Isso já o
distinguia como um cidadão especial, portanto merecedor de favores
excepcionais.
No STF, a defesa de Lula pediu a suspensão das investigações sobre o
tríplex e o sítio. Os advogados reiteraram que o apartamento não
pertence a Lula. Quanto ao sítio, registrado em nome de dois sócios
de Lulinha, alega-se que foi comprado por iniciativa de um velho
amigo, Jacó Bittar, para que o ex-presidente da República pudesse
“acomodar” os objetos que ganhou do “povo brasileiro”. Como as
instalações eram precárias, o primeiro-amigo Bumlai ofereceu-se para
reformá-lo. Ouvido, o advogado de Bumlai levou o pé atrás: “Só se a
Odebrecht for propriedade de Bumlai, o que não me consta.''
Seja como for, julgar Lula pela generosidade com que foi tratado por
amigos e congêneres seria julgá-lo como um presidente qualquer. E
Lula foi eleito duas vezes com a promessa de que não seria um
presidente qualquer. Lula passaria pelo Planalto como a “alma viva
mais honesta” que Lula já conheceu. Tem todo o direito de estar de
“saco cheio”. Seus eleitores votaram nele porque queriam a
diferença. Agora, reclamam da diferença. Dizem que a OAS, a
Odebrecht, o Bumlai, o Jacó Bittar, os sócios do Lulinha não faziam
parte da diferença. Queriam um Messias. Mas com horário comercial e
limite de saque.
Lula seria um espertalhão que engana todo mundo? Os amigos
comercializam sua influência no governo, enriquecem à base de
propinas e dividem o proveito com o ex-presidente?
Lula, reivindica para si um figurino de idealista incompreendido.
Vira protagonista de inquéritos graças às más-companhias e à
campanha de perseguição. Um final realista? A autoestima nacional
resistiria a um enredo simplório, em que que tudo não passasse de
uma vigarice banal?
Tornou-se muito fácil identificar um petista numa roda de políticos.
Ele será sempre o que estiver falando mal de Dilma com maior estridência. Reunido no Rio de Janeiro, o diretório nacional do PT caprichou no oportunismo. Criticou duramente a ruína em que se encontra assentada a administração Dilma. E pregou a ressurreição da política econômica de Lula. Esqueceu um detalhes: o PT ajudou a produzir os escombros.
O partido fez o pior o melhor que pôde.
Ele será sempre o que estiver falando mal de Dilma com maior estridência. Reunido no Rio de Janeiro, o diretório nacional do PT caprichou no oportunismo. Criticou duramente a ruína em que se encontra assentada a administração Dilma. E pregou a ressurreição da política econômica de Lula. Esqueceu um detalhes: o PT ajudou a produzir os escombros.
O partido fez o pior o melhor que pôde.
O petismo tem saudades da era Lula porque foi no reinado dele que o
PT tornou-se uma máquina coletora de dinheiro público. Foi uma fase
em que o velho lema do ‘rouba mas faz’, piscando num letreiro
invisível ao fundo, fornecia a imunidade preventiva para um sistema
de conveniências em que o suposto proveito substituía a ética. Hoje,
a roubalheira exposta pela Lava Jato fulminou a ética. E a
estagflação fez sumir a falsa noção de proveito.
É nesse contexto que o PT traz à luz o seu Plano Nacional de
Emergência, um programa econômico desconectado da realidade.
Aprovado sob aplausos generalizados, o texto sugere que os juros
sejam reduzidos na marra, propõe o escancaramento das arcas já
falidas e prega o uso das reservas cambiais para financiar obras
públicas.
O PT informa que, neste ano de eleições municipais, a coisa terá que
ir na base do vai ou racha. Com o apoio de Lula, o partido critica o
ajuste fiscal que não deixou Joaquim Levy executar. E ignora que
Lula inaugurou o seu reinado, em 2003, produzindo superávits de
caixa de dar inveja nos liberais tucanos. Coisas do passado.
Hoje, reduzido à condição de organização partidária com fins
lucrativos, o Partido dos Trabalhadores, 100% financiado pelo
déficit público, virou a principal evidência de que o poder longevo
pode levar qualquer agremiação a atingir a perfeição da ineficiência
impudente. Com os ideais dissolvidos em corrupção, o PT dedica-se a
desfazer o que ele mesmo fez. É um caso raro de autodissolução.
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