‘Há evidências’ de que Lula recebeu dinheiro desviado da Petrobrás, diz
Procuradoria — Investigadores apontam pelo menos R$ 4,5 milhões usados
na compra e reforma do sítio em Atibaia e no tríplex do Guarujá, e
coloca movimentação de dinheiro em Instituto Lula sob suspeita
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva |
A força-tarefa da Operação Lava Jato, que levou o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, alvo central da Operação Aletheia, 24ª fase, para
depor coercitivamente na manhã desta sexta-feira, 04.mar.2016, diz ter
“evidências” de que ele recebeu valores desviados da Petrobrás.
“Há evidências de que o ex-presidente Lula recebeu valores oriundos do
esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento
tríiplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois
imóveis e da armazenagem de bens por transportadora. Também são
apurados pagamentos ao ex-presidente, feitos por empresas investigadas
na Lava Jato, a título de supostas doações e palestras”, informa a
força-tarefa da Lava Jato.”
São pelo menos R$ 4,5 milhões em lavagem por meio do Sítio Santa Bárbara em Atibaia e por meio do tríplex 164-A.
Leia a íntegra da nota do MPF:
“Estão sendo cumpridos, nesta data, mandados de busca e apreensão e de
condução coercitiva para aprofundar a investigação de possíveis crimes
de corrupção e lavagem de dinheiro oriundo de desvios da Petrobras,
praticados por meio de pagamentos dissimulados feitos por José Carlos
Bumlai e pelas construtoras OAS e Odebrecht ao exPresidente da
República Luis Inácio Lula da Silva e pessoas associadas.”
Ao longo das 23 fases anteriores da Lava Jato, avolumaram-se evidências
muito consistentes de que o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras
beneficiava empresas, que enriqueciam às custas dos cofres da estatal,
funcionários da Petrobras, que vendiam favores, lavadores de dinheiro
profissional, os quais providenciavam a entrega da propina, e os
políticos e partidos que proviam sustentação aos funcionários da
Petrobras e em troca recebiam a maior parte da propina, a qual os
enriquecia e financiava campanhas. Esse grande esquema era coordenado a
partir das cúpulas e lideranças dos partidos políticos que compunham a
base do governo federal, especialmente o Partido dos Trabalhadores, o
Partido Progressista e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
O ex-presidente Lula, além de líder partidário, era o responsável final
pela decisão de quem seriam os diretores da Petrobras e foi um dos
principais beneficiários dos delitos. De fato, surgiram evidências de
que os crimes o enriqueceram e financiaram campanhas eleitorais e o
caixa de sua agremiação política. Mais recentemente, ainda, surgiram, na
investigação, referências ao nome do ex-presidente Lula como pessoa
cuja atuação foi relevante para o sucesso da atividade criminosa, tanto
no tocante à quitação do empréstimo obtido pelo Partido dos
Trabalhadores junto ao Banco Schahin, por meio do direcionamento ilícito
de contrato da Petrobras ao grupo Schahin, a pedido de José Carlos
Bumlai, como para que um negócio entre OSX e Sete Brasil se efetivasse.
No último caso, há notícia de pagamento de propina que seria destinada,
segundo Bumlai teria informado, para parente do ex-presidente.
O avanço das investigações revelou, também, evidências de que o
ex-presidente recebeu, em 2014, pelo menos R$ 1 milhão sem aparente
justificativa econômica lícita da OAS, por meio de reformas e móveis de
luxo implantados no apartamento tipo triplex, número 164-A, do
Condomínio Solaris, em Guarujá.
Embora o ex-presidente tenha alegado que o apartamento não é seu, por
estar em nome da empreiteira, várias provas dizem o contrário, como
depoimentos de zelador, porteira, síndico, dois engenheiros da OAS, bem
como dirigentes e empregado da empresa contratada para a reforma, os
quais apontam o envolvimento de seu núcleo familiar em visitas e
tratativas sobre a reforma do apartamento.
Há evidências de que a OAS pagou despesas elevadas para reformar o
imóvel (mais de R$ 750 mil), arcou com móveis de luxo para cozinha e
dormitórios (cerca de R$ 320 mil), bem como de que tudo isso aconteceu
de modo não usual (foi o único apartamento que sofreu tal intervenção) e
com o envolvimento do próprio presidente da OAS, Léo Pinheiro.
A suspeita é de que a reforma e os móveis constituem propinas
decorrentes do favorecimento ilícito da OAS no esquema da Petrobrás,
empresa essa cujos executivos já foram condenados por corrupção e
lavagem na Lava Jato. Além disso, há fortes evidências de que outros
líderes e integrantes do Partido dos Trabalhadores foram agraciados com
propinas decorrentes de contratos da Petrobrás, inclusive por meio de
reformas e após deixarem o cargo público, como no caso de José Dirceu, o
que já ensejou acusação criminal formal contra este.
As apurações apontam também para o fato de que o ex-presidente Lula, em
2010, adquiriu dois sítios em Atibaia mediante interpostas pessoas,
pelo valor de R$ 1.539.200,00, havendo ainda fortes indícios de que,
entre 2010 e 2014, recebeu pelo menos R$ 770 mil sem justificativa
econômica lícita de José Carlos Bumlai e das empresas Odebrecht e OAS,
todos beneficiados pela corrupção no esquema Petrobrás.
De fato, dois sítios contíguos, um colocado em nome de Jonas Suassuna e
outro em nome de Fernando Bittar, foram adquiridos na mesma data, em
29/10/2010. Tanto Jonas como Fernando são sócios de Fábio Luís Lula da
Silva como foram representados na compra por Roberto Teixeira,
notoriamente vinculado ao ex-presidente Lula e responsável por minutar
as escrituras e recolher as assinaturas.
Encontrou-se, ainda, mensagem eletrônica que aponta o uso dos adquirentes nominais como interpostas pessoas.
Ademais, o ex-presidente determinou que parte de sua própria mudança,
quando do fim do exercício da presidência, fosse entregue na sede dos
sítios, para onde foi, com expressiva frequência, ao longo dos últimos
anos.
Para além da suspeita sobre a ocultação de propriedade em nome de
terceiros, há fortes indícios, consistentes na palavra de diversas
testemunhas e notas fiscais de compras de produtos, de que reformas e
móveis no valor de pelo menos R$ 770 mil foram pagos, sem razão
econômica lícita, por Bumlai e pelas empreiteiras Odebrecht e OAS, todos
favorecidos no esquema Petrobras.
Bumlai e a Odebrecht se encarregaram da reforma. A OAS adquiriu móveis
no valor de aproximadamente R$ 170 mil para a cozinha, comprada no mesmo
estabelecimento em que aquela empresa adquiriu móveis para o triplex
164A, o que também indica que o imóvel pertencia ao ex-presidente.
Foram encontradas mensagens, ainda, no celular de Léo Pinhero, indicando
que os beneficiários da cozinha eram o ex-presidente e sua esposa,
ex-primeira-dama. A suspeita, aqui novamente, é que os valores com que o
ex-presidente foi agraciado constituem propinas pagas a título de
contraprestação pelos favores ilícitos obtidos no esquema Petrobrás.
Surgiram, ainda, fortes indícios de pagamentos dissimulados de
aproximadamente R$ 1,3 milhão pela empresa OAS em favor do
ex-presidente, de 01/01/2011 a 01/2016, para a armazenagem de itens
retirados do Palácio do Planalto quando do fim do mandato. Apesar de a
negociação do armazenamento ter sido feita por Paulo Okamotto, que foi
um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, presidente do Instituto
Lula desde o fim de 2011 e sócio do ex-presidente na LILS Palestras
desde sua constituição em março de 2011, o contrato foi feito entre a
OAS e a empresa armazenadora. Nesse contrato, seu real objeto foi
escondido, falsificandose o documento para dele constar que se tratava
de “armazenagem de materiais de escritório e mobiliário corporativo de
propriedade da construtora OAS Ltda.”
Paulo Okamotto assinou ainda, em 12 de janeiro de 2016, procuração autorizando a retirada dos bens.
Por fim, investigam se pagamentos vultosos feitos por construtoras
beneficiadas no esquema Petrobrás em favor do Instituto Lula e da LILS
Palestras, em razão de suspeitas levantadas pelos ingressos e saídas dos
valores. De fato, a maior parte do dinheiro que ingressou em ambas as
empresas, ao longo de 2011 a 2014, proveio de empresas do esquema
Petrobras: Camargo Correa, OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz
Galvão e UTC.
No Instituto Lula, foram 20,7 dentre 35 milhões que ingressaram. Na
LILS, foram 10 dentre 21 milhões. Quanto às saídas de recursos, além de
beneficiarem pessoas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores — cumprindo
recordar que o esquema da Petrobras era partidário , elas beneficiaram
parentes próximos do ex-presidente, por meio de pagamentos a empresas
de que são sócios. Além de tudo isso, a própria presidência do Instituto
foi ocupada, em dado momento, por ex-tesoureiro de sua campanha que é
apontado por colaboradores como recebedor de propinas que somaram
aproximadamente R$ 3 milhões, decorrentes de contratos com a Petrobras, o
que, mais uma vez, mostra o vínculo de pessoas muito próximas ao
ex-presidente com os crimes e indica possível ligação das próprias
empresas ao esquema ilícito e partidário que vitimou a Petrobrás.
Todos esses fatos estão sendo investigados no âmbito da Lava Jato porque
eles se relacionam com o destino de verbas desviadas da Petrobras por
empresas e pessoas participantes do megaesquema criminoso. Os fatos são
de competência federal não só por se relacionarem com crimes financeiros
e de lavagem de dinheiro transnacional, mas também por haver fatos
praticados quando o ex-presidente estava no exercício de mandato no
âmbito da União Federal, onde possivelmente sua influência foi usada,
antes e depois do mandato — o que é objeto de investigação —, para que o
esquema existisse e se perpetuasse.
Ressalta a Força Tarefa do Ministério Público Federal que a investigação
sobre o ex-Presidente não constitui juízo de valor sobre quem ele é ou
sobre o significado histórico dessa personalidade, mas sim um juízo de
investigação sobre fatos e atos determinados, que estão sob suspeita.
Dentro de uma república, mesmo pessoas ilustres e poderosas devem estar
sujeitas ao escrutínio judicial quando houver fundada suspeita de
atividade criminosa, a qual se apoia, neste caso, em dezenas de
depoimentos e ampla prova documental. Conforme colocou a decisão
judicial, “embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da
dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a
qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação, já
que presentes justificativas para tanto.”
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