Órgãos federais menos regulados são alvo de desvios milionários — citados por Sérgio Machado, BNB, Funasa, Dnit, Dnocs, Docas e FNDE acumulam escândalos
Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro |
Alvos constantes de disputas políticas, os seis órgãos federais citados
na delação de Sérgio Machado acumulam escândalos de corrupção e
denúncias de irregularidades em suas gestões. Estariam em situação bem
pior que a Petrobras, segundo ele, “a madame mais honesta dos cabarés do
Brasil”. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), o
ex-presidente da Transpetro surpreendeu ao afirmar que a petrolífera,
cujo rombo estimado pela Polícia Federal é de R$ 42 bilhões, era um
organismo “bastante regulamentado e disciplinado”. Ele acrescentou que
outras unidades do governo têm práticas “menos ortodoxas”.
Um das instituições citadas por Machado foi o Banco do Nordeste (BNB).
Investigações dos ministérios públicos Federal e Estadual do Ceará, onde
fica a sede da instituição, apontam irregularidades nas concessões de
empréstimos, favorecimento de empresas e desvio de recursos para
financiar campanhas políticas. Um relatório do Tribunal de Contas da
União (TCU) concluiu que apenas o esquema de fraudes nos empréstimos
gerou prejuízo de R$ 683 milhões.
— Uma verdadeira quadrilha se instalou dentro do Banco do Nordeste.
Verbas foram loteadas para fins eleitoreiros e se praticou todo tipo de
falcatrua em valores altíssimos dentro da instituição — acusa o promotor
Ricardo Rocha, do Ministério Público Estadual, que deu início às
apurações após ser procurado por um funcionário que denunciou as
irregularidades.
De acordo com Rocha, as investigações comprovaram que os balanços de
empresas eram maquiados para permitir a concessão dos empréstimos com a
anuência de diretores que “recebiam comissões”. As fraudes beneficiavam
companhias que estavam perto de falir e até uma das empresas do esquema
de lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, condenado na
Lava-Jato. Também haveria corrupção na classificação das notas de
créditos das empresas. Segundo o promotor, elas eram ameaçadas de ter as
notas reduzidas, o que diminuiria as margens para empréstimos, se não
pagassem propina.
— O que apareceu até agora é só a ponta do iceberg. O esquema da
Lava-Jato operava aqui no Banco do Nordeste também — afirma o procurador
Oscar Costa Filho, do Ministério Público Federal (MPF), que não tem
conseguido levar suas investigações adiante.
Até agora, cinco ações penais e cinco de improbidade administrativa não
avançaram por causa de habeas corpus ou recusa de juízes de primeira
instância. O MPF apresentou recursos ao Tribunal Regional Federal da 5ª
Região.
Para o promotor Ricardo Rocha, os problemas do BNB estão relacionados à influência política.
— Todos os diretores do Banco do Nordeste são indicados por políticos — afirma.
Entre 2003 e 2011, quando tiveram início as irregularidades, segundo o
Ministério Público, o BNB foi presidido por Roberto Smith, indicado pelo
deputado federal José Guimarães (PT-CE), ex-líder do governo Dilma
Rousseff na Câmara. Smith chegou a ser denunciado pelo MPF por omissão
na recuperação de créditos. A ação foi trancada pelo TRF5.
— Isso não é crime. Só indiquei o presidente do banco — admite o
deputado, negando ter influência sobre toda a gestão da instituição.
Guimarães disse que não se sente responsável por eventuais
irregularidades que tenham ocorrido na gestão de seu indicado. O petista
ainda destacou que, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o
comando do banco era indicado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e
que o atual presidente, Marco Costa Holanda, nomeado em 2015, é
apadrinhado pelo líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).
Bruno Queiroz, advogado de Roberto Smith, garantiu que a Justiça
comprovou que o cliente não tinha participação nas irregularidades:
— Embora tenha sido presidente, ele não pode ser responsabilizado por
tudo o que acontece no banco. Não existe nada formalmente contra ele.
Não existe ação penal em que ele seja réu e nenhum inquérito em que
tenha sido indiciado.
O BNB informou que instaurou “processos administrativos disciplinares” e fez cobranças judiciais para reaver os prejuízos.
O escândalo mais recente envolvendo as outras “madames do cabaré” foi
revelado em maio e tem como alvo a Superintendência da Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) de Santa Catarina. A Polícia Federal (PF) investiga
um esquema montado por servidores federais, prefeituras e empreiteiras
que teria movimentado cerca de R$ 2 milhões em propinas. Embora os
valores desviados não sejam tão altos como aqueles apurados na
Petrobras, a fraude se repete em várias regiões do país, segundo
investigadores.
Nos últimos cinco anos, a PF investigou esquemas similares em Amapá,
Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rondônia e
Tocantins. Responsável por obras de esgoto e saneamento básico, a
fundação tem orçamento de R$ 3,2 bilhões, maior que o dos ministérios da
Cultura e do Meio Ambiente.
Em Santa Catarina, as empresas investigadas receberam dinheiro de obras
de saneamento básico mesmo sem ter feito todo o serviço. A PF chegou a
prender o superintendente Adenor Piovesan, filiado ao PMDB e presidente
da Fundação Ulysses Guimarães no estado. Piovesan já está solto, e seu
advogado não foi localizado. Segundo a Funasa, as irregularidades
apontadas como de responsabilidade dos funcionários da fundação “terão
todas as providências administrativas internas adotadas”.
Reduto do PR, o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit)
foi palco de um escândalo que levou à demissão de 20 pessoas e à queda
do então ministro Alfredo Nascimento. Segundo as denúncias, empresas
pagavam 4% de propina ao PR para ganhar licitações e aditivos. Até
agora, ninguém foi preso. No Rio Grande do Norte, o MPF descobriu
desvios de R$ 13,9 milhões na duplicação da BR-101 e denunciou 25
pessoas no ano passado. O Dnit não respondeu.
Ligado ao Ministério da Integração Nacional e dominado nos últimos anos
por PMDB e PP, o Departamento Nacional de Obras Contra Seca (Dnocs) foi
alvo de duas investigações recentes. Em março de 2013, a Operação Cactus
apurou supostos desvios em contratos distribuídos por 20 municípios do
Ceará. A investigação teve início com um relatório da
Controladoria-Geral da União (CGU) apontando suspeita de fraudes que
chegavam a R$ 200 milhões. Os policiais apuram a participação de
parlamentares no esquema, por meio de emendas ao Orçamento da União.
Dois anos depois, foi desarticulado um suposto esquema de fraudes em
licitações no Rio Grande do Norte. O Dnocs informou que “todos os
diretores envolvidos nas denúncias foram afastados dos cargos de direção
e encontram-se respondendo a processos administrativos”.
Também foram citadas na delação de Machado as companhias Docas, que
administram portos federais. Em 2012, o MPF denunciou o
ex-diretor-presidente da Companhia Docas do Espírito Santo, Hugo Merçon,
sob a acusação de favorecer a contratação de uma empresa por dispensar a
licitação. O processo ainda está em andamento. Merçon não foi
localizado.
Outro órgão que sofreu com influência política na gestão foi o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem orçamento anual
de R$ 60 bilhões e cuida de programas como o fornecimento de merenda. Em
abril, às vésperas da votação do impeachment na Câmara, Dilma nomeou
para o órgão Gastão Vieira, do nanico PROS, ex-ministro do Turismo, na
tentativa de ganhar o apoio da legenda. Em 2013, o então presidente,
José Carlos Wanderley Dias de Freitas, foi flagrado em um grampo da PF
alertando o reitor da UFPR sobre uma investigação contra a instituição. A
PF informou que o caso já foi concluído, mas não poderia dizer se foi
constatada alguma irregularidade. O FNDE afirmou que não se pronunciaria
sobre um caso ocorrido na gestão anterior.
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