Nova lei permite criação de peixes não nativos nos rios da Amazônia — governo do Amazonas sancionou texto sem consulta a órgãos federais — especialistas falam em risco incalculável ao meio ambiente
Encontro do Rio Negro com o Rio Solimões, próximo a Manaus fauna local seria afetada com nova autorização |
Milhares de espécies de peixes que habitam os rios amazônicos podem
estar com seus dias contados. Sem realizar consultas a órgãos federais,
instituições ligadas ao meio ambiente ou mesmo à população, o governo do
Amazonas decidiu sancionar uma lei que permite a criação de peixes não
nativos em rios que cortam o Estado do Amazonas.
Pelo texto da lei ordinária 79/2016, sancionada na segunda-feira,
30.maio.2016, pelo governador José Melo (PROS), fica liberado o cultivo
de espécies exóticas nos rios da região, bastando uma autorização do
órgão estadual competente. A lei permite ainda o barramento de igarapés e
a autorização de empreendimento de criação em áreas de preservação
permanente, “quando de interesse público”.
O risco é incalculável, segundo especialistas. Toda a literatura
científica e ambiental que trata do tema alerta para os riscos de
introdução de peixes não nativos em áreas de extrema riqueza em sua
ictiofauna, como é o caso da Amazônia.
O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), Rômulo Mello, disse que só soube há pouco da lei e que tomará
medidas cabíveis contra a proposta. “Vamos ter que tomar as providências
jurídicas cabíveis. A Amazônia tem centenas de espécies da ictiofauna.
Essa lei significa prejudicar uma das maiores riquezas que a gente tem”,
disse Rômulo.
"O governo federal como um todo também deve questionar, porque isso mexe
com atribuições da Secretaria de Pesca e do Ministério do Meio
Ambiente, além do ICMBio. É um impacto enorme. A introdução de espécies
exóticas pode ser a destruição dos peixes nessa região.”
Segundo Nurti Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto
Socioambiental (ISA), trata-se de uma lei de consequências graves e
irreversíveis. “Isso é uma coisa sem volta. O resultado da introdução de
espécies, como a tilápia, por exemplo, é deslocar outras espécies, que
simplesmente desaparecem. São problemas incalculáveis, que podem
comprometer profundamente a biodiversidade. As coisas estão
interligadas. É simplesmente chocante.”
Moção de repúdio — Representantes de diversos órgãos públicos e
instituições ligadas ao meio ambiente enviaram uma moção de repúdio ao
Ministério Público Federal no Amazonas, para que o órgão pressione o
governo estadual revogue a lei e abra discussões sobre o assunto.
O documento é assinado por especialistas e técnicos do ICMBio, Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), WCS, Universidade Federal do
Amazonas (Ufam), Ibama, Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e GSA
Consultoria e Meio Ambiente.
Enviado ao procurador do MPF Rafael da Silva Rocha, o texto lembra que,
às vésperas do dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o governo
do Amazonas protagoniza “mais um episódio de retrocesso, sem embasamento
técnico e com pouco ou nenhum conhecimento dos impactos e problemas
ambientais” que a lei pode causar.
“Atualmente, deveríamos valorizar o fato da Amazônia ainda estar livre
de espécies exóticas de peixes com populações estabelecidas, o que
ocorre em todos os demais biomas do País (e em boa parte do mundo) há
bastante tempo, sem a possibilidade de reversão ou envolvendo custos
para controle e erradicação das mesmas”, afirma o documento.
Em outro trecho, alerta que “a introdução de espécies não nativas é
processo que tem induzido a um complexo processo de degradação dos
ecossistemas, de forma comprovada, com vários exemplos ao redor do
mundo”.
Os especialistas ressaltam ainda que o Brasil tem atuado em parceria com
países vizinho para, justamente, combater a introdução de peixes
exóticos na região amazônica.
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