De real em real, milhares de servidores bancaram propinas a grupo de Paulo Bernardo — funcionários públicos que tomaram empréstimos consignados pagaram taxa quatro vezes maior à que deveria ser descontada em folha
O ex-ministro Paulo Bernardo sendo preso na Operação Custo Brasil |
Milhares de servidores públicos que usaram o crédito consignado, entre
2010 e 2015, em contratos ligados ao Ministério do Planejamento,
“bancaram propina” ao grupo do ex-ministro Paulo Bernardo, que comandou a
Pasta até 2011. Os funcionários que tomaram empréstimo deveriam ter
pago no máximo R$ 0,30, mensalmente, por um serviço de gerenciamento e
controle feito pela empresa Consist Software Limitada, mas acabaram
arcando com R$ 1,25, valor quatro vezes maior ao que deveria ser
descontado em folha.
“O dinheiro começa do servidor público que fez o empréstimo consignado
para a mão dessa organização criminosa que usava esse dinheiro da
corrupção”, destaca o superintendente-adjunto da área de Fiscalização da
Receita Federal em São Paulo, Fábio Ejchel.
O crédito consignado, empréstimo popular entre os servidores públicos,
entrou no centro da Operação Custo Brasil, desdobramento da Lava Jato. A
ação que prendeu o ex-ministro Paulo Bernardo, marido da senadora
Gleisi Hoffmann (PT/PR), investiga contratos da Consist Software
Limitada vinculados ao Ministério do Planejamento. O petista liderou a
Pasta de março de 2005 a janeiro de 2011 no governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff
foi ministro das Comunicações.
Sob o comando de Bernardo, o Ministério do Planejamento assinou acordo
com o Sindicato Nacional das Entidades Abertas de Previdência
Complementar (SINAPP) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC). Essas
entidades contrataram a empresa Consist Software Limitada para
desenvolver o sistema de gerenciamento e controle dos créditos
consignados.
A taxa de juros do crédito consignado é mais baixa, por ser um
empréstimo mais seguro. O funcionário pega o valor e é descontado
diretamente no contracheque mensal.
“A fraude ocorreu no gerenciamento e no controle de créditos consignados
para servidores públicos federais. Na área federal, até 2009,
verificou-se que não existia um controle e um gerenciamento bom desses
créditos consignados. No final daquele ano, se optou em contratar uma
empresa de tecnologia privada para fazer esse controle e esse
gerenciamento. Essa contratação foi direcionada, feita com outros
interesses que não apenas de fazer aquele trabalho”, afirmou Fábio
Ejchel.
Segundo Ejchel, a Consist cobrava um valor muito maior do que aquele que
realmente deveria ser cobrado pelo serviço. De 2010 até 2015, afirma o
superintendente, durante cinco anos, para cada parcela mensal que
‘dezenas de milhares’ servidores pagavam por créditos consignados que
eles fizeram, existia o pagamento de R$ 1,25 para o serviço de controle e
gerenciamento.
“Esse R$ 1, somando dessas milhões de pessoas, uma boa parte disso era
desviada para agentes públicos, agentes políticos e partícipes dessa
organização criminosa. Esses valores foram desviados e aumentaram o
Custo Brasil. Um controle que deveria custar R$ 0,30, no máximo, dando
lucro para a empresa, acabou custando para as pessoas que usaram esse
crédito consignado mais de R$ 1 real por mês. A fraude acabou chegando,
durante esses 5 anos, a mais de R$ 100 milhões distribuídos para esses
agentes públicos, políticos e parceiros do esquema de forma ilegítima”,
destacou.
Paulo Bernardo é suspeito de receber ao menos R$ 7 milhões em propinas sobre contratos da Consist, vinculados ao Planejamento.
“O dinheiro saiu da conta dos servidores”, disse o procurador da
República Andrey Borges de Mendonça, que integra a força-tarefa da Custo
Brasil.
A investigação revela que o ex-ministro de Lula e Dilma teria sido
contemplado com porcentuais que oscilaram ao longo dos anos em que foi
uma figura importante no governo petista. Quando ministro do
Planejamento a parte que lhe cabia, segundo os investigadores, era
equivalente a 9,6% sobre os 70% que a Consist separava de sua parte no
contrato para destinar aos envolvidos na trama. A parte de Bernardo caiu
para 4,5% quando ele deixou o Planejamento e chegou a 2,3% quando ele
migrou para o Ministério das Comunicações do governo Dilma.
“Todas as pessoas que fizeram empréstimos consignados ao longo desse
período através do governo federal foram lesadas”, declarou o delegado
Rodrigo de Campos Costa, da Delegacia Regional de Combate e Investigação
contra o Crime Organizado da Polícia Federal em São Paulo.
O superintendente-adjunto da Receita, Fábio Ejchel, enfatizou. “O que a
gente pode afirmar é que são dezenas de milhares de funcionários
públicos que durante esses anos foram lesados.”
O procurador Andrey Borges lembrou que entre os servidores lesados estão
‘pensionistas endividados, isso tem que causar indignação’.
A Operação Custo Brasil verificou que o esquema dos consignados alcançou
‘tanto o primeiro, como o segundo a o terceiro escalões do Ministério
do Planejamento’.
“Primeiro escalão, obviamente, o ministro Paulo Bernardo”, informou a PF.
O segundo escalão, diz a PF, era representado por Walter Correia, hoje
secretário da gestão Fernando Hadadd, na Prefeitura de São Paulo.
O terceiro era constituído por três secretarias vinculadas ao Ministério do Planejamento — Recursos Humanos, Adjunto e Gestão.
“Durante o período de contratação da Consist identificamos participação
dessas três secretarias que, na verdade, são o bojo, o corpo do
Ministério. Havia uma concatenação de ideias e de vontade no sentido de
manter a contratação da Consist desde que ela abrisse mão do faturamento
total. Assim os 70% eram direcionados para pagamento de propinas
através de empresas fictícias e contratos fictícios”, anotou o
procurador Andrey.
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