quarta-feira, 29 de junho de 2016

Operação Boca Livre: Houve falha de fiscalização por parte do Ministério da Cultura






Integrantes do Ministério da Cultura podem ter facilitado o esquema de fraudes à Lei Rouanet, segundo a Polícia Federal. A Operação Boca Livre, que investiga o desvio de R$ 180 milhões de recursos federais em projetos culturais, foi deflagrada na manhã de terça-feira (28.jun.2016).
"Houve no mínimo uma falha de fiscalização por parte do MinC", disse Rodrigo de Campos Costa, delegado regional de combate ao crime crime organizado, durante coletiva realizada na manhã de terça-feira (28.jun.2016) na Superintendência da Lapa da Polícia Federal, na zona oeste de São Paulo.
Policiais federais e servidores da Controladoria Geral da União cumprem 14 mandados de prisão temporária e 37 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal. Eles foram expedidos pela 3ª Vara Federal Criminal em São Paulo.
Entre os alvos de busca está o Grupo Bellini Cultural, que atua há 20 anos no mercado e aparece como o principal operador do esquema.
De acordo com investigadores, Antonio Carlos Belini Amorim usou recursos públicos para fins pessoas, entre eles o de para pagar despesas do casamento de um familiar. A festa de luxo aconteceu na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ele e a mulher foram detidos na operação, que também apreendeu uma BMW na casa do casal.
Também são citados o escritório de advocacia Demarest e as empresas Scania, KPMG, Roldão, Intermédica, Laboratório Cristalia, Lojas Cem, Cecil e Nycomed Produtos Farmacêuticos — essas empresas teriam sido as patrocinadoras dos projetos que são investigados no esquema comandado pela Bellini.
Segundo a Polícia Federal, o grupo fraudava a Rouanet desde 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Na época, o ministro era Francisco Weffort. Desde então, a pasta foi ocupada por outros cinco nomes: Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Marcelo Calero
Todos os 14 mandados de prisão expedidos na manhã de terça-feira (28.jun.2016) foram feitos contra integrantes do grupo Bellini. Já os 37 mandados de busca e apreensão de documentos abarcaram também o Ministério da Cultura.
Com a investigação sob sigilo, a Polícia Federal sequer citou os nomes dos envolvidos no esquema ou das empresas durante a coletiva de imprensa. Quando questionado sobre qual projeto cultural embasou o casamento, por exemplo, o delegado disse que não poderia informar.

COMO O GRUPO ATUAVA — Segundo as investigações da Polícia Federal, o grupo Bellini Cultural propunha projetos culturais junto ao Ministério da Cultura e, com a autorização para captar recursos, procurava a iniciativa privada. As fraudes, então, ocorriam de diversas maneiras, como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras".
A investigação constatou que eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais, além do casamento, foram custeados com recursos públicos.
O grupo teria chegado a produzir, por exemplo, livros com duas capas diferentes (uma para o patrocinador e outra para a prestação de contas), entre outros desvios.
Boa parte dos projetos que receberam autorização do MinC para captar recursos tinha valor muito aquém do que o efetivamente prestado em notas fiscais. Já as empresas patrocinadoras ganhavam duplamente: com a dedução fiscal e com eventuais contrapartidas oferecidas pelo grupo Bellini.
Segundo a Polícia Federal, as investigações prosseguirão para apurar a suposta participação de membros do Ministério da Cultura, além de outros delitos que possam ter sido cometidos dentro desse mesmo esquema.
Pouco antes da coletiva de imprensa, o ministro da Justiça do governo interino, Alexandre de Moraes, que estava no local para falar de novo laboratório da PF, se disse indignado com o esquema.
"Não é possível que tanto dinheiro assim num largo tempo no país tenha sido desviado sem que os mecanismos internos tivessem detectado isso."

SEM FISCALIZAÇÃO — A Polícia Federal investiga fraudes em 250 contratos sobre a Lei Rouanet que não passaram pela fiscalização do Ministério da Cultura.
A Operação Boca Livre mostra que até dinheiro liberado oficialmente para eventos infantis e difusão de atividades indígenas foi desviado para custear gastos com a contratação de orquestras para festas de fim de ano de empresas.
“Essas distorções foram identificadas ao longo da investigação, isso está muito bem materializado nos autos”, declarou o delegado Rodrigo de Campos Costa, da Delegacia Regional da PF de Combate e Investigação contra o Crime Organizado.
A PF identificou fraudes ‘grosseiras’ — projetos duplicados, copiados. “Beira mais de 250 projetos maculados por irregularidades”, disse o delegado. “A investigação mostrou que eles não foram fiscalizados. A razão vamos determinar nessa segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos.”
A Operação Boca Livre indica que o grupo que supostamente promovia os eventos captava os recursos ‘com facilitações’ no âmbito do Ministério da Cultura.
“O Ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, esclareceu a procuradora da República Karen Lousie Kahn, que integra a força-tarefa da Operação Boca Livre.
A procuradora reiterou que as empresas ‘se beneficiavam com a isenção, além do superfaturamento’.

GRUPO BELLINI — Principal alvo da operação Boca Livre, deflagrada na manhã de terça-feira (28.jun.2016) pela Polícia Federal, o Grupo Bellini Cultural já captou R$ 80,6 milhões via Lei Rouanet. A ação investiga desvio de R$ 180 milhões de recursos federais em projetos culturais aprovados junto ao Ministério da Cultura com benefícios de isenção fiscal.
A reportagem teve acesso a uma lista parcial com 88 projetos que a Polícia Federal deve analisar. Desses, 23 foram feitos pelas cinco empresas do grupo. Os valores captados somam R$ 11,9 milhões.
Irregularidades nos projetos realizados pelas empresas de Antônio Carlos Bellini Amorim já eram conhecidas pelo MinC há cinco anos, de acordo com despacho do MinC, datado de 30 de julho de 2015.
Em 2011, segundo o documento, o Ministério Público Federal encaminhou ao ministério denúncias de uso irregular de verba pública contra o empresário. A partir disso, o MinC constatou que, entre as práticas irregulares, estão a apresentação de fotos e documentos fraudados para comprovar realização de evento ou produção de livro. Em 2013, o ministério inabilitou as empresas, que não mais poderiam captar pela Lei Rouanet.
Bellini tentou acordo com o MinC entre fevereiro e abril de 2015: propôs realizar os projetos para os quais recebeu valores da Rouanet e, em contrapartida, poderia voltar a receber verbas de isenção fiscal.
Em julho do ano passado, a Advocacia-Geral da União sugeriu o indeferimento do acordo. O MinC acatou esta decisão.

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PROJETOS DA ROUANET — O Ministério da Cultura precisará de pouco menos de 19 anos para terminar a análise de prestações de contas de projetos aprovados na Rouanet apenas nos 20 primeiros anos de existência da lei.
É o que sugere um relatório de gestão do MinC preparado na véspera da saída do então ministro Juca Ferreira, em maio. De acordo com o documento interno a que a reportagem teve acesso, há 12.109 projetos no passivo da Rouanet.
São propostas aprovadas pelo MinC entre 1992 e 2011 e que não tiveram suas contas examinadas naquele período. Do total, 8.007 (66,12%) ainda não foram analisadas, enquanto outras 2.642 (21,82%) seguem em análise, sem conclusão até o momento.
O problema do passivo foi constatado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em 2011. O órgão apontou, entre outras falhas, volume de aprovação de projetos incompatível com a capacidade do ministério e alto estoque de processos sem análise conclusiva. Por isso, determinou que fosse criada uma força-tarefa para eliminar o passivo.
O MinC, em 2013, contratou temporariamente 114 servidores para analisar os documentos. Segundo os cálculos do ministério na época, eles seriam capazes de concluir 3.660 processos por ano. Entretanto, o documento mostra que, nos 132 primeiros dias de 2016, somente 156 dos 8.163 projetos que fecharam 2015 sem fiscalização mudaram de status para "em análise" ou "arquivados".
Isso significa, em média, condução ou conclusão de 1,18 prestação de conta por dia. Em anos anteriores, as médias diárias foram de 0,49 processo (2013), 1,4 processo (2014) e 2,3 processos (2015).
Na toada atual, serão necessários 18 anos e sete meses para encerrar o trabalho.
Segundo o Salic (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura, gerido pelo MinC), no período a que se refere o passivo — entre os anos de 1992 e 2011 —, foram aprovados na Lei Rouanet 34.521 projetos, cujos valores de captação somados totalizam R$ 11,7 bilhões.
O MinC não respondeu a reportagem sobre o valor do passivo em reais. Por meio de sua assessoria, afirmou apenas que "o número de processos analisados não reflete o rendimento da equipe de pareceristas, pois processos que já estavam arquivados podem ser reabertos, caso solicitado pelos órgãos de controle ou por outros motivos que ensejem uma nova análise dos autos".
Em nota da assessoria, o MinC ressaltou ainda que uma portaria publicada neste ano atualizou o sistema de prestação de contas dos projetos incentivados, "sem prejuízo da transparência e do rigor da fiscalização exercido pelos órgãos de controle e pelo próprio Ministério da Cultura".
A portaria em questão amplia o limite de dispensa de análise de prestações de contas estabelecida por outra, publicada dois anos antes.
Na portaria de 2014, instituiu-se que, para facilitar o trabalho, projetos com captação até R$ 350 mil estavam dispensados de análise financeira, desde que não existisse indício de aplicação irregular de verbas por parte dos proponentes, demanda do controle externo ou interno, ou denúncia junto ao MinC.
Em 2016, a nova portaria ampliou o limite da dispensa para R$ 600 mil, além de instituir análise simplificada de prestações de contas de projetos com captação entre R$ 600 mil e R$ 2 milhões.
A reportagem questionou o MinC sobre quantos projetos se beneficiariam com o aumento no teto do valor de dispensa, bem como os critérios da análise simplificada. O ministério não respondeu à solicitação.

O CASAMENTO INVESTIGADO — Uma festa luxuosa para 120 convidados, na badalada praia de Jurerê Internacional (SC), com show de sertanejo famoso foi paga com recursos públicos da Lei Rouanet, segundo aponta investigação da Polícia Federal.
O casamento de Felipe Amorim e Caroline Monteiro, apurado na operação Boca Livre, deflagrada na terça-feira (28.jun.2016), aconteceu à beira-mar em 22 de abril no 300 Cosmo Beach Club, que, na internet, é descrito como uma "balada chique em ambiente contemporâneo com cozinha fina". O local cobra em média R$ 300 por convidado no aluguel para festas.
A atração musical foi o sertanejo Leo Rodriguez, que interpreta hits como "Bara Bará Bere Berê", "Vai No Cavalinho" e "Gordinho da Saveiro". Ele cobra entre R$ 50 mil e R$ 70 mil para cantar nesse tipo de evento. O empresário do músico afirmou que não tinha conhecimento sobre a forma como a festa foi financiada, e que o contrato foi firmado como em qualquer outro evento.
Imagens publicadas por convidados em redes sociais mostram comemorações que antecederam a festa e as preparações dos noivos e padrinhos para o matrimônio.
De acordo com a investigação da PF, o casal, que mora em São Paulo, tem parentesco com Antonio Carlos Bellini Amorim, detido na operação Boca Livre, que investiga desvio de R$ 180 milhões de recursos federais em projetos culturais aprovados junto ao Ministério da Cultura com benefícios de isenção fiscal, previstos na Lei Rouanet.
Um vídeo do casamento foi anexado ao inquérito. A polícia não detalhou como o recurso da Lei Rouanet foi usado para pagar a festa.


ENTENDA A LEI ROUANET — O que é: Sancionada pelo presidente Fernando Collor em 23 de dezembro de 1991, a lei 8.313 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, que implementou mecanismos de captação de recursos para o setor cultural. Um deles é o incentivo à cultura, ou mecenato (que popularmente ficou conhecido como Lei Rouanet).
Como funciona: O governo federal permite que empresas e pessoas físicas descontem do Imposto de Renda valores diretamente repassados a iniciativas culturais, como produção de livros, preservação de patrimônios históricos, festivais de música, peças de teatro, espetáculos de circo, programas audiovisuais etc. Ou seja, em vez de pagar o imposto da totalidade, você reverte parte dele a um projeto cultural.

OUTRO LADO
O MINISTÉRIO DA CULTURA:
“As investigações para apuração de utilização fraudulenta da Lei Rouanet têm o apoio integral do Ministério da Cultura (MinC), que se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do País.”
O ESCRITÓRIO DEMAREST:
"O escritório Demarest Advogados vem a público prestar esclarecimento sobre a “Operação Boca Livre” da Polícia Federal, que esteve em seu escritório em São Paulo.
O objetivo da visita foi a solicitação de documentos e informações relacionados a empresas de marketing de eventos que prestaram serviços ao escritório no âmbito da Lei Rouanet. Tais empresas são alvo da operação. O escritório enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade, e informa que colaborou e continuará a colaborar com a investigação."
A KPMG:
“A KPMG no Brasil informa que não é objeto de investigação na denominada Operação Boca Livre conduzida pela Polícia Federal. O fato da PF comparecer ao nosso escritório se deu pelo cumprimento de diligência para coletar documentos referentes a contratos com empresas de publicidade e propaganda (alvos da investigação) e que prestaram serviços para a KPMG no apoio a projetos culturais.
A KPMG, certa de que não cometeu qualquer ato ilícito, está e continuará a contribuir com as autoridades de maneira transparente para o fornecimento das informações necessárias.”
A SCANIA:
Nota à imprensa A Scania informa que tomou conhecimento hoje pela manhã da operação Boca Livre deflagrada pela Polícia Federal. Esclarece que não tem mais informações, mas está colaborando integralmente com a investigação e à disposição das autoridades.
O LABORATÓRIO CRISTÁLIA:
“O Laboratório Cristália informa aos seus clientes, colaboradores e à população em geral que recebeu com surpresa a busca em suas dependências de documentação de agente cultural que lhe prestou serviço de fomento à cultura por meio da Lei Rouanet. Salienta ainda que todos os projetos inscritos na Lei Rouanet foram apresentados na forma da lei pelos agentes culturais como aprovados pelo Ministério da Cultura. A Companhia reforça que está colaborando com a investigação, bem como executa as melhores práticas de governança e ética em suas operações administrativas e comerciais.”
A INTERMÉDICA:
Nota à imprensa
O Grupo NotreDame Intermédica vem a público prestar esclarecimento sobre a “Operação Boca Livre” da Polícia Federal (PF), que nesta manhã esteve em sua Sede, em São Paulo.
O comparecimento da PF se deu pelo cumprimento de diligência para coleta de documentos e informações relacionados a empresas terceiras de marketing de eventos (alvos da investigação) que prestaram serviços ao Grupo NotreDame Intermédica no âmbito da Lei Rouanet.
O Grupo NotreDame Intermédica informa que não é objeto de investigação na denominada “Operação Boca Livre” conduzida pela Polícia Federal e enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade. Certa de que não cometeu qualquer ato ilícito, informa, ainda, que colaborou e continuará a contribuir com as autoridades na investigação.
AS LOJAS CEM:
"A Polícia Federal esteve na Lojas CEM solicitando documentos e informações sobre empresas que lhe prestaram serviços no âmbito da Lei Rouanet.
Prontamente a empresa deu todo o apoio ao bom andamento da diligência e comprometeu-se a prestar toda a colaboração necessária para o esclarecimento dos fatos.
Informamos que os projetos culturais nos quais investimos foram feitos, de nossa parte, dentro da mais absoluta regularidade. Como sempre, a postura da Lojas CEM com todas as pessoas e instituições com as quais se relaciona é de total transparência e completa lisura."
A ROLDÃO:
Nota oficial
A companhia esclarece que contratou a Bellini Eventos Culturais para a realização de dois projetos culturais e que, na manhã de hoje, foi requerida pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Boca Livre, a apresentar a documentação referente a esses serviços. A empresa informa que não é alvo da operação e que já entregou à força-tarefa todos os documentos solicitados. Por fim, reforça que está colaborando com a investigação, à disposição de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos e que não admite qualquer tipo de irregularidade ou ilegalidade em suas atuações.




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