Respeito e autoridade
Lya Luft |
Certa vez, eu ia dar uma palestra sobre educação. Ainda no hotel,
conversei com alguns jornalistas. O primeiro deles a falar, um rapaz
simpático, perguntou qual seria o tema da minha apresentação.
Respondi: “Educação e autoridade”. Ele piscou os claros olhos e
disse, espontaneamente: “Autoridade? Aquilo que diz isso pode, isso
não pode?”. Achei graça e confirmei: “Isso mesmo”.
O assunto me voltou à lembrança nestes dias em que tanto se
fragilizam o conceito e a instituição “autoridade” no país varado de
manifestações e greves. Não quero analisar se elas são justas:
geralmente têm sido. Há miséria, omissão, desencanto e injustiça
demais por aqui.
Mas eu falo na questão da autoridade: quando se baseia no respeito,
encontra eco. Quando mal fundamentada, vem a confusão, como nesta
fase em que a inquietação pipoca em tantos pontos e momentos, em
toda sorte de protesto.
Um juiz manda que grevistas voltem ao trabalho, ninguém dá bola.
Decretam uma greve ilegal, ninguém se impressiona. Ameaçam com
demissões, alguns voltam ao posto de trabalho, ou tudo piora. Assim,
os grupos de manifestantes de várias categorias, ou juntos, atiçados
por partidos políticos ou simplesmente indignados (muito justamente)
com sua condição de trabalho e vida, assustados, ou finalmente
encontrando sua voz, parecem não se intimidar.
Isso é bom, é ruim? Sinceramente: em outros tempos eu diria que é
mau presságio. Neste momento, não me sinto com cacife para
responder. Muitos dos movimentos parecem legítimos. Para atrapalhar,
há o contraponto: milhões de pessoas prejudicadas por algumas
centenas, é justo?
Não sou do tipo severo, não sou rigorosa demais, porém me preocupa
esse singular sentimento de mal-estar, expresso por tanta gente
quando diz: “Tem algo esquisito no Brasil, algo estranho paira no
ar, não consigo definir bem”.
Muitas coisas inquietantes acontecem, talvez tantas que não se
possam qualificar com uma expressão só. Mas um dos fatores dessa
situação é a quebra da autoridade, e de seu irmão, o respeito: isso
se conquista. Respeito é essencial para que qualquer coisa funcione:
tem a ver com hierarquia, com cuidados, como na família –
organização em que tudo começa.
Quem ama cuida e, em certos momentos, precisa exercer autoridade,
sobretudo com relação a crianças e adolescentes. Pois, se os adultos
não conseguem ter, e impor, um mínimo de ordem no ambiente familiar,
na compostura dos filhos (e de si próprios), não haverá uma família,
mas um grupo desordenado, possivelmente belicoso, confuso e de pouca
ajuda na preparação para os embates da vida lá fora.
Talvez, nesse território pessoal, fosse bom deixar um pouco de lado
os psicologismos (não falo da verdadeira psicologia, que pode ajudar
a minimizar graves problemas individuais ou de convivência), que nos
sugerem exercer quase zero de autoridade, e nada de severidade,
tentando sempre “o diálogo”.
Nem sempre é possível dialogar com uma criança enfurecida ou um
adolescente confuso, e uma dose amorosa de rigor pode pôr as coisas
de novo em ordem, aliviando a situação.
No âmbito do que está acontecendo e do que está por vir no Brasil,
me assombra e me assusta, entre outras questões, a do autoritarismo
– jamais a autoridade conquistada com competência, sabedoria e
honradez, cuidando de cada um de seus membros, acima e além de
qualquer ânsia de poder, assim promovendo também a justiça
verdadeira.
Se não somos iguais – nem devemos ser, pois cada indivíduo é único,
cada grupo, região, país e cultura são únicos -, o essencial é que
todos tenham a máxima dignidade para se sentir respeitados, e as
melhores condições para que possam se desenvolver.
Segurança, tranquilidade, educação, saúde, moradia, transporte
deveriam ser bens óbvios de cada pessoa. Copa ou não Copa, é bom
rever nossos valores em todos os níveis. Pois, se continuar a
generalizada inquietação social cada dia mais grave, desmoronam as
instituições que nos orientam, amparam e nos tornam (ainda) uma
democracia.
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