TSE não fará teste público das urnas eletrônicas antes das eleições
Especialistas condenam a atitude e criticam falta de transparência
Estudantes de Computação da Universidade de Brasília fizeram testes públicos em 2009 |
Apesar de reconhecer que “os testes de segurança das urnas eletrônicas
fazem parte do conjunto de atividades que garantem a melhoria contínua
deste projeto”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não fará nenhum
antes das eleições de outubro. Desde 2012, aliás, quando uma equipe de
técnicos da Universidade de Brasília (UnB) simulou uma eleição com 475
votos na urna eletrônica e conseguiu colocá-los na ordem em que foram
digitados, o tribunal não expõe seus sistemas e aparelhos à prova de
técnicos independentes. Mesmo assim, continua a afirmar que eles são
seguros e invioláveis.
Para especialistas em computação, o TSE se arrisca ao dispensar as
contribuições e os ajustes que poderiam florescer em testes públicos
independentes e erra ao adotar uma postura de extrema confiança em
relação a seus sistemas de registro, transmissão e contagem de votos.
Muitos lembram que, recentemente, até mesmo as comunicações da
presidente Dilma Rousseff foram rastreadas pela Agência de Segurança
Nacional (NSA) americana.
— Eu aguardava ansiosamente os testes de 2014 para verificar pelo menos
se os problemas de segurança que descobrimos (em 2012) haviam sido
corrigidos — disse o professor de computação Diego Aranha, hoje
trabalhando na Unicamp. — Mas isso não vai acontecer e lamento por isso.
Eu realmente acredito que as urnas eletrônicas brasileiras seriam
viradas pelo avesso se pudéssemos fazer testes realistas e sem
restrições nelas. Mas o TSE nos impede.
Em 2012, Diego e três técnicos da UnB se cadastraram no TSE para
participar de um teste público das urnas e, segundo contam, conseguiram
provar a vulnerabilidade delas sem precisar abri-las.
— No teste, o TSE abriu o código de programação do software da urna e
nos deu cinco horas para analisar mais de 10 milhões de linhas de
programação. Em menos de uma hora descobrimos a equação usada pelas
urnas para embaralhar os votos que ela registra e, para provar isso,
simulamos uma eleição com 475 votos e, em seguida, ordenamos os votos
que foram registrados nela. Resumindo: achamos um erro banal do sistema —
afirmou Aranha.
Desde então o TSE não realiza testes desse tipo. E afirma, via assessoria de imprensa, que não tem previsão para fazê-los.
— A ausência de testes públicos, livres, sem controle sobre o que será
testado, per se, já é um dano. Independentemente de eventuais riscos
técnicos — o professor da FGV Direito Rio, Pablo Cerdeira. — É direito
nosso, de todos os cidadãos, não apenas saber dos resultados mas também
como foi todo o processo para se chegar a ele. Imagine se a apuração de
uma eleição feita em papel fosse realizada a portas fechadas, de forma
secreta, sem que ninguém pudesse acompanhar. O sistema não seria
confiável. É a mesma coisa com a votação eletrônica. Se a sociedade não
puder acompanhar, sem restrições, como funcionam as urnas, podemos dizer
que temos dois danos: não estão respeitando nosso direito à
transparência e estamos corremos o risco de ter alguma falha no sistema
que permita a violação das eleições.
Cerdeira lembra que a presença de erros em computadores é algo “muito
comum” e que recentemente foram descobertas duas “falhas catastróficas”
em sistemas utilizados por empresas do mundo todo:
— O OpenSSL, com a falha conhecida como Heartbleed, responsável pela
comunicação criptografada de bancos, e-mails e redes sociais, por
exemplo, afetou dois terços de todos os computadores do mundo. Falha
descoberta no Internet Explorer, da Microsoft, permitia a violação de
segurança de todos os computadores com Windows e Internet Explorer. Tão
séria a ponto de o Governo Norte-americano sugerir que as pessoas não
usassem esse navegador. Imaginar que nosso sistema de urnas eletrônicas é
mais seguro do que os sistemas desenvolvidos por milhares ou mesmo
milhões de programadores, como é o caso do Internet Explorer e do
OpenSSL, não parece razoável.
Para tentar contornar essa questão, em fevereiro o TSE lançou uma
portaria convocando um “grupo de segurança” para testar os aparelhos e
sistemas usados nas eleições. A equipe de 12 pessoas tem, no entanto,
apenas um membro “independente”. Oito são oriundos de tribunais
regionais eleitorais e três do próprio TSE.
Segundo o tribunal, o “grupo de segurança” tem por objetivo completar
quatro trabalhos — sem data fixada para sua conclusão. Ele deve “mapear
requisitos de segurança das diversas fases do processo eleitoral
brasileiro, elaborar um plano nacional de segurança do voto
informatizado, propor um modelo ágil de auditoria da votação e
totalização dos votos e estudar, propor e validar modelos de execução do
teste de segurança”.
Diante da informação oficial o professor Diego Aranha retruca:
— Mas isso não deveria já ter sido feito há muito tempo?
E, sobre a composição do grupo, o professor Pablo Cerdeira comenta:
— A escolha de tanta gente de dentro dos tribunais é uma decisão
política — diz ele. — Mas o importante é observar que há dois problemas
aqui: a baixa representação independente (apenas um) e, depois, a dúvida
sobre o que uma única pessoa conseguirá auditar. Na prática, quase
nada. É preciso não apenas que outros atores auditem o sistema, mas que
eles realizem testes em ambientes não controlados pelo TSE. Imagine que
um novo modelo de carro só possa ter sua segurança testada no
laboratório, dentro das condições que os desenvolvedores definirem. É
claro que na prática ele vai enfrentar situações que muitas vezes podem
não ter sido previstas pelos desenvolvedores. É por isso que é preciso
testes no ambiente real.
Professor titular da Faculdade de Ciência da Informação e diretor do
Centro de Pesquisa em Arquitetura da Informação da UnB, Mamede
Lima-Marques integra o “grupo de segurança”. É, na verdade, o único
membro “independente”. Lima-Marques conta que a equipe já fez uma
reunião presencial em Brasília, mas que mantém contato virtual. Em sua
meta estão a preparação de um Plano Nacional de Segurança, para que as
decisões tomadas pelo TSE cheguem de forma mais transparente e rápida
aos TREs, e a “instrumentalização da auditoria do sistema eleitoral”,
que busca facilitar a rechecagem do sistema.
— Estamos trabalhando para a criação de uma agenda de trabalho para o
grupo, mas agimos de forma completamente independente ao calendário das
eleições — ressalta ele.
Lima-Marques reconhece que os testes públicos são de “suma importância”.
Ele, inclusive, coordenou o de 2012, mas diz que essas provas não
precisam ser realizadas todos os anos.
— As urnas que vamos usar em outubro são da mesma geração das usadas em
2012, e as fragilidades detectadas no último teste já foram sanadas —
explica. — Fazer esses testes é algo caro, complicado e demorado. E a
vulnerabilidade das urnas não depende do tempo de vida delas. Está muito
mais vinculado às condições técnicas.
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