terça-feira, 29 de julho de 2014


Fórmula de reajuste do salário mínimo no Brasil é insustentável
Na avaliação do diretor de pesquisa global da OCDE, Carl Dahlman, atual fórmula do salário mínimo eleva o custo real da mão de obra muito rápido

Carl  Dahlman
O Brasil não está fazendo o suficiente para melhorar a produtividade e assim elevar o crescimento potencial, afirma o diretor de pesquisa global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na opinião do pesquisador, um dos principais autores do estudo Perspectivas do Desenvolvimento Global, os ganhos reais dos salários observados nos últimos anos e a fórmula de reajuste do salário mínimo terão de ser revistos. Além de investir mais e melhor em educação, o País deveria aproveitar os recursos obtidos com as exportações de commodities para diversificar e agregar valor a sua produção. Também será preciso promover uma grande reforma no sistema previdenciário, que custa demais aos cofres públicos e acaba desviando investimentos que poderiam ser mais bem empregados. O especialista também aponta que medidas protecionistas podem ter gerado dependência em alguns setores e deveriam ser revistas.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Por que a produtividade brasileira tem crescido tão pouco nos últimos anos?
Uma das surpresas que tivemos no nosso estudo é que, apesar do forte crescimento na última década, a produtividade da mão de obra e a produtividade total dos fatores (PTF) são muito baixas. A melhora na produtividade brasileira tem sido menor do que em outros países, o que é reflexo de diversos fatores. O sistema educacional não está produzindo os profissionais de que o mercado precisa, e o País não tem aproveitado suficientemente os conhecimentos globais, com a importação de bens de capital mais eficientes. Os investimentos estrangeiros têm ido para a exploração de matérias-primas, o que é importante, mas isso também cria um desequilíbrio na economia porque o boom de commodities impulsionou as exportações e, com isso, a taxa de câmbio ficou sobrevalorizada, tornando mais difíceis as exportações do setor industrial. É preciso ter mais reformas no sistema educacional e na infraestrutura e reduzir o custo excessivo da burocracia.

Apesar dos fortes ganhos salariais reais, o mercado de trabalho continua apertado. Isso vai contra a teoria econômica clássica, de que os custos maiores para a empresas levariam a um aumento do desemprego. Como explicar essa situação?
Tem a ver com um descasamento entre o que está sendo produzido pelo sistema educacional e as necessidades da economia. Obviamente, existe um descasamento e as pessoas largam seus empregos porque conseguem trabalhos melhores, o que provoca uma pressão de alta nos salários. Isso reflete provavelmente um problema de oferta de profissionais de qualidade, que são necessários para o crescimento econômico do País.

A atual fórmula de reajuste do salário mínimo, que soma a inflação do ano anterior e o crescimento real do PIB de dois anos antes, terá de ser alterada após o prazo inicial, que termina em 2015? O ritmo de ganhos reais do mínimo, que chegam a 159% desde o lançamento do Plano Real, é sustentável?
Eu não analisei esse assunto com detalhes, mas é possível dizer que reajustar o salário mínimo pela inflação e o PIB de dois anos antes não parece ser sustentável no médio e longo prazos porque elevará o custo real da mão de obra muito rápido. Além disso, os aumentos salariais anuais, em geral, não deveriam ser maiores do que o crescimento médio anual na produtividade da mão de obra porque reduziriam a competitividade do Brasil.

O envelhecimento da população é um dos grandes desafios que o País terá enfrentar nos próximos anos?
Sim. O Brasil costumava ter um grande crescimento populacional, mas fez uma transição demográfica e agora começa a envelhecer muito rápido, com uma idade média muito maior que outros países emergentes. Numa sociedade com muitos idosos, o sistema previdenciário público tem um custo fiscal muito grande para o governo. Ou se encontra um jeito de a arrecadação ser capaz de pagar os benefícios, ou é preciso mudar para um sistema de previdência privada. Uma das coisas que chamam atenção no Brasil é que as aposentadorias dos servidores públicos são muito altas, o que tem um custo fiscal muito grande. Isso também teria o incentivo de as pessoas trabalharem por mais tempo, já que podem se aposentar com salário integral, o que prejudica a economia, que perde uma parte da força de trabalho. Outro fator, que não é exclusivo do Brasil, é que o sistema previdenciário foi criado quando a expectativa de vida era muito menor. Agora, com os avanços na área da saúde e a redução da mortalidade, as pessoas vivem muito mais. Elas se aposentam após 25 anos de trabalho e ficam recebendo o benefício por 30, 40 anos. Assim, ou se eleva a idade de aposentadoria ou se reduz o valor das aposentadorias e outros benefícios, como plano de saúde. Mas isso é uma coisa socialmente muito difícil de fazer. É um problema nos EUA, na Europa e também no Brasil.

Na avaliação da OCDE, o Brasil tem adotado medidas adequadas para melhorar a produtividade no longo prazo?
O Brasil ainda precisa avançar muito. Já é um País de renda média há quase 30 anos, mas não progrediu muito desde então, e um dos fatores é porque não foi capaz de impulsionar a produtividade, que leva a uma renda maior. O Brasil não tem sido muito eficiente em elevar a produtividade e ainda não se ajustou. Eu acredito que agora existe uma maior noção da importância de melhorar a qualidade da educação, uma maior noção da importância de investir em infraestrutura, mas ainda não está sendo feito o suficiente. A maior parte dos investimentos feitos para a Copa, por exemplo, foi para a área de esportes, o que é bom, mas talvez não fosse o uso mais eficiente desses recursos do ponto de vista econômico. Seria melhor aprimorar a infraestrutura de transportes, facilitando o transporte de produtos dentro do País e incentivando o comércio externo. Também não há investimento suficiente para melhorar a qualidade da educação e da saúde - isso precisa ser abordado. Os investimentos na saúde, por exemplo, levam a um trabalhador que falta menos, que é mais produtivo.

O estudo da OCDE diz que o governo brasileiro deveria retirar as exigências de conteúdo local em alguns setores. Em que áreas isso é mais visível?
Esse é um assunto muito complexo. Obviamente, quando se quer desenvolver um setor, pode-se dar algumas vantagens, como, por exemplo, a exigência de conteúdo local. A questão é se esse setor conseguirá produzir de maneira eficiente para que esse benefício temporário tenha resultados. Se os produtores esperam que essa vantagem seja mantida, eles não vão melhorar a produtividade, terão custos maiores do que no exterior e esse custo maior afetará negativamente a competitividade do país e as projeções de crescimento. Eu não estou dizendo que países como o Brasil não deveriam tentar desenvolver mecanismos para encorajar a produção doméstica, mas precisam ser cuidadosos para que essas medidas não criem um incentivo perverso de não melhorar a produtividade. No setor petroleiro, por exemplo, esses incentivos podem se tornar um problema: não vão gerar o tipo de retorno que deveria existir e os produtores não vão ser tão competitivos. A indústria automobilística também é um exemplo. O Brasil até exporta alguns veículos, mas se compararmos o preço doméstico com os preços nos EUA ou na China, no Brasil o produto é muito mais caro, em parte por conta das exigências de conteúdo local.

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