Fórmula de reajuste do salário mínimo no Brasil é insustentável
Na avaliação do diretor de pesquisa
global da OCDE, Carl Dahlman, atual fórmula do salário mínimo eleva o
custo real da mão de obra muito rápido
Carl Dahlman |
O Brasil não está fazendo o suficiente para melhorar a produtividade e
assim elevar o crescimento potencial, afirma o diretor de pesquisa
global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Na opinião do pesquisador, um dos principais autores do estudo
Perspectivas do Desenvolvimento Global, os ganhos reais dos salários
observados nos últimos anos e a fórmula de reajuste do salário mínimo
terão de ser revistos. Além de investir mais e melhor em educação, o
País deveria aproveitar os recursos obtidos com as exportações de
commodities para diversificar e agregar valor a sua produção. Também
será preciso promover uma grande reforma no sistema previdenciário, que
custa demais aos cofres públicos e acaba desviando investimentos que
poderiam ser mais bem empregados. O especialista também aponta que
medidas protecionistas podem ter gerado dependência em alguns setores e
deveriam ser revistas.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Por que a produtividade brasileira tem crescido tão pouco nos últimos anos?
Uma das surpresas que tivemos no nosso estudo é que, apesar do forte
crescimento na última década, a produtividade da mão de obra e a
produtividade total dos fatores (PTF) são muito baixas. A melhora na
produtividade brasileira tem sido menor do que em outros países, o que é
reflexo de diversos fatores. O sistema educacional não está produzindo
os profissionais de que o mercado precisa, e o País não tem aproveitado
suficientemente os conhecimentos globais, com a importação de bens de
capital mais eficientes. Os investimentos estrangeiros têm ido para a
exploração de matérias-primas, o que é importante, mas isso também cria
um desequilíbrio na economia porque o boom de commodities impulsionou as
exportações e, com isso, a taxa de câmbio ficou sobrevalorizada,
tornando mais difíceis as exportações do setor industrial. É preciso ter
mais reformas no sistema educacional e na infraestrutura e reduzir o
custo excessivo da burocracia.
Apesar dos fortes ganhos salariais reais, o
mercado de trabalho continua apertado. Isso vai contra a teoria
econômica clássica, de que os custos maiores para a empresas levariam a
um aumento do desemprego. Como explicar essa situação?
Tem a ver com um descasamento entre o que está sendo produzido pelo
sistema educacional e as necessidades da economia. Obviamente, existe um
descasamento e as pessoas largam seus empregos porque conseguem
trabalhos melhores, o que provoca uma pressão de alta nos salários. Isso
reflete provavelmente um problema de oferta de profissionais de
qualidade, que são necessários para o crescimento econômico do País.
A atual fórmula de reajuste do salário mínimo,
que soma a inflação do ano anterior e o crescimento real do PIB de dois
anos antes, terá de ser alterada após o prazo inicial, que termina em
2015? O ritmo de ganhos reais do mínimo, que chegam a 159% desde o
lançamento do Plano Real, é sustentável?
Eu não analisei esse assunto com detalhes, mas é possível dizer que
reajustar o salário mínimo pela inflação e o PIB de dois anos antes não
parece ser sustentável no médio e longo prazos porque elevará o custo
real da mão de obra muito rápido. Além disso, os aumentos salariais
anuais, em geral, não deveriam ser maiores do que o crescimento médio
anual na produtividade da mão de obra porque reduziriam a
competitividade do Brasil.
O envelhecimento da população é um dos grandes desafios que o País terá enfrentar nos próximos anos?
Sim. O Brasil costumava ter um grande crescimento populacional, mas fez
uma transição demográfica e agora começa a envelhecer muito rápido, com
uma idade média muito maior que outros países emergentes. Numa sociedade
com muitos idosos, o sistema previdenciário público tem um custo fiscal
muito grande para o governo. Ou se encontra um jeito de a arrecadação
ser capaz de pagar os benefícios, ou é preciso mudar para um sistema de
previdência privada. Uma das coisas que chamam atenção no Brasil é que
as aposentadorias dos servidores públicos são muito altas, o que tem um
custo fiscal muito grande. Isso também teria o incentivo de as pessoas
trabalharem por mais tempo, já que podem se aposentar com salário
integral, o que prejudica a economia, que perde uma parte da força de
trabalho. Outro fator, que não é exclusivo do Brasil, é que o sistema
previdenciário foi criado quando a expectativa de vida era muito menor.
Agora, com os avanços na área da saúde e a redução da mortalidade, as
pessoas vivem muito mais. Elas se aposentam após 25 anos de trabalho e
ficam recebendo o benefício por 30, 40 anos. Assim, ou se eleva a idade
de aposentadoria ou se reduz o valor das aposentadorias e outros
benefícios, como plano de saúde. Mas isso é uma coisa socialmente muito
difícil de fazer. É um problema nos EUA, na Europa e também no Brasil.
Na avaliação da OCDE, o Brasil tem adotado medidas adequadas para melhorar a produtividade no longo prazo?
O Brasil ainda precisa avançar muito. Já é um País de renda média há
quase 30 anos, mas não progrediu muito desde então, e um dos fatores é
porque não foi capaz de impulsionar a produtividade, que leva a uma
renda maior. O Brasil não tem sido muito eficiente em elevar a
produtividade e ainda não se ajustou. Eu acredito que agora existe uma
maior noção da importância de melhorar a qualidade da educação, uma
maior noção da importância de investir em infraestrutura, mas ainda não
está sendo feito o suficiente. A maior parte dos investimentos feitos
para a Copa, por exemplo, foi para a área de esportes, o que é bom, mas
talvez não fosse o uso mais eficiente desses recursos do ponto de vista
econômico. Seria melhor aprimorar a infraestrutura de transportes,
facilitando o transporte de produtos dentro do País e incentivando o
comércio externo. Também não há investimento suficiente para melhorar a
qualidade da educação e da saúde - isso precisa ser abordado. Os
investimentos na saúde, por exemplo, levam a um trabalhador que falta
menos, que é mais produtivo.
O estudo da OCDE diz que o governo brasileiro
deveria retirar as exigências de conteúdo local em alguns setores. Em
que áreas isso é mais visível?
Esse é um assunto muito complexo. Obviamente, quando se quer desenvolver
um setor, pode-se dar algumas vantagens, como, por exemplo, a exigência
de conteúdo local. A questão é se esse setor conseguirá produzir de
maneira eficiente para que esse benefício temporário tenha resultados.
Se os produtores esperam que essa vantagem seja mantida, eles não vão
melhorar a produtividade, terão custos maiores do que no exterior e esse
custo maior afetará negativamente a competitividade do país e as
projeções de crescimento. Eu não estou dizendo que países como o Brasil
não deveriam tentar desenvolver mecanismos para encorajar a produção
doméstica, mas precisam ser cuidadosos para que essas medidas não criem
um incentivo perverso de não melhorar a produtividade. No setor
petroleiro, por exemplo, esses incentivos podem se tornar um problema:
não vão gerar o tipo de retorno que deveria existir e os produtores não
vão ser tão competitivos. A indústria automobilística também é um
exemplo. O Brasil até exporta alguns veículos, mas se compararmos o
preço doméstico com os preços nos EUA ou na China, no Brasil o produto é
muito mais caro, em parte por conta das exigências de conteúdo local.
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