O valor da propina no Ministério dos Transportes dobrou
No início do governo Dilma, o PR cobrava
4% de comissão dos fornecedores do Ministério dos Transportes. Às
vésperas da eleição, extorsão subiu para 8%
César Borges e Dilma Rousseff |
Em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff reuniu alguns dos
principais integrantes da cúpula do Ministério dos Transportes no
Palácio do Planalto para passar-lhes uma descompostura daquelas de
fazer tremer o chão. Recém-acomodada no gabinete mais importante da
República, Dilma reclamou dos seguidos aumentos nos custos das obras
de rodovias e ferrovias tocadas pelo ministério e, fazendo jus à
fama de durona, soltou o verbo contra os responsáveis por gerenciar
os contratos — todos eles ligados ao PR, o Partido da República, que
ocupava a pasta na ocasião. “Vocês são inadministráveis e estão
inviabilizando o meu governo”, sentenciou. Era o primeiro ato da
chamada “faxina ética”, durante a qual a presidente demitiu seis
ministros acusados de corrupção. O então titular dos Transportes,
Alfredo Nascimento, inaugurou a lista após a imprensa mostrar que a
elevação dos custos das obras do ministério era, na verdade, uma
maneira de bancar um esquema clandestino de arrecadação de propina
controlado pelo PR: para conseguirem os contratos, os empreiteiros
superfaturavam as obras e repassavam 4% do que ganhavam ao partido.
Três anos depois da faxina, o mesmo PR, presidido pelo mesmo Alfredo
Nascimento enxotado lá atrás, segue firme e forte no comando do
mesmo Ministério dos Transportes e envolvido nas mesmas tramoias.
Diferente mesmo só a taxa de propina, que dobrou. Pouco antes de
deixar o comando dos Transportes, no mês passado, o ministro César
Borges recebeu em seu gabinete a visita do empreiteiro Djalma Diniz,
dono da Pavotec Pavimentação e Terraplenagem. A empresa, com sede em
Minas Gerais, tem contratos no Ministério dos Transportes que,
somados, chegam perto de 2 bilhões de reais. O empreiteiro foi ao
ministro reclamar que estava sofrendo pressão para repassar a
deputados do PR uma parte de seus ganhos — mais especificamente, dos
pagamentos relativos a dois contratos, um de 514 milhões e outro de
719 milhões, firmados no começo deste ano com a Valec, estatal
encarregada de construir estradas de ferro. Djalma Diniz relatou em
detalhes ao ministro o que classificava de achaque escancarado.
Parlamentares exigiam dele parte dos lucros sob pena de rescisão dos
contratos.
O autor da pressão, segundo o empreiteiro, era o deputado federal
baiano João Carlos Bacelar Filho, um dos mais conhecidos expoentes
da bancada do PR na Câmara dos Deputados. Foi o próprio ministro
César Borges quem relatou a queixa do empreiteiro. Primeiro, a
assessores e a políticos de sua confiança. “O dono da Pavotec me
procurou no ministério para dizer que o deputado João Bacelar está
cobrando dele uma participação nos contratos com a Valec”, disse a
um amigo. A cobrança, segundo o empreiteiro relatara ao ministro,
era explícita: em troca dos contratos firmados, o deputado exigia
uma participação nos pagamentos. Em outras palavras, propina. O
parlamentar dizia falar em nome do PR — e ainda explicava o motivo
da cobrança. Segundo ele, o partido ajudara a Pavotec a fechar os
contratos no governo e, por isso, o dono da empreiteira tinha de
repassar uma parte do valor. Era assim que funcionaria a partir
daquele instante. O empreiteiro procurou o ministro para saber se
Bacelar falava mesmo em nome do partido. Foi informado de que não, e
se recusou a fazer o pagamento. Caso aparentemente encerrado — mas
não para o deputado Bacelar e seu grupo no PR.
O deputado João Bacelar passou a desqualificar o empreiteiro Djalma Diniz e a conspirar contra o ministro César Borges.
Em privado, João Bacelar dizia que a Pavotec obtivera contratos com a
Valec graças à interferência do PR. E teria se comprometido a repassar à
legenda parte de seus ganhos. Mencionava cifras: “Era coisa de 90 a 100
milhões de reais”. Nessa versão, ao recusar-se a realizar os
pagamentos, o empreiteiro rompia um acordo.
Segundo o que a reportagem apurou, Djalma Diniz realmente reuniu-se com
parlamentares em Brasília. O deputado baiano era um de seus
interlocutores.
Ouvido, João Bacelar desancou o dono da Pavotec: “Esse Djalma é um
chantagista”. No dia seguinte, procurou a reportagem para se
reposicionar em cena: “Não posso dizer que o considero chantagista.
Apenas o qualifiquei conforme ouvi em muitos boatos.” Por meio de um
advogado, Bacelar ameaçou processar caso a reportagem fosse publicada.
Procurado, Djalma Diniz demorou uma semana para se pronunciar. Tentou
negar que tivesse procurado o ministro. Informado sobre os detalhes
colecionados pela reportagem, recorreu à desconversa: “Eu ando muito
esquecido. Estou até com medo de estar com Alzheimer.” Instado a
explicar seus encontros com o deputado Bacelar, o empreiteiro soou
assim: “Ele estava me propondo um negócio numa pedreira que ele tem numa
fazenda na Bahia.”
Cesar Borges mandou dizer, por meio de assessores, que não comentaria o
assunto. Em privado, deu a entender que informara o Palácio do Planalto
sobre o ocorrido.
Dilma também serviu-se de auxiliares para falar sobre o tema. Ela negou
ter tomado conhecimento da encrenca. Mandou dizer que, se um ministro
lhe relatasse algo parecido, mandaria encaminhar o caso à Polícia
Federal, ao Ministério Público e aos órgãos de controle.
Hoje, César Borges é ministro-chefe da Secretaria de Portos. Foi
desalojado dos Transportes por exigência do PR. Seguindo orientação do
mensaleiro preso Valdemar Costa Neto, seu maior cacique, a tribo do PR
condicionou o ingresso da legenda na coligação reeleitoral de Dilma à
saída de Borges do ministério. Em troca de 1min15s de tempo de
propaganda no rádio e na tevê, a presidente da República cedeu. Com
isso, Dilma ressuscitou o grupo político que havia sido varrido dos
Transportes na pseudofaxina de 2011.
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