domingo, 27 de julho de 2014


O valor da propina no Ministério dos Transportes dobrou
No início do governo Dilma, o PR cobrava 4% de comissão dos fornecedores do Ministério dos Transportes. Às vésperas da eleição, extorsão subiu para 8%

César  Borges  e  Dilma  Rousseff

Em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff reuniu alguns dos principais integrantes da cúpula do Ministério dos Transportes no Palácio do Planalto para passar-lhes uma descompostura daquelas de fazer tremer o chão. Re­cém-acomodada no gabinete mais importante da República, Dilma reclamou dos seguidos aumentos nos custos das obras de rodovias e ferrovias tocadas pelo ministério e, fazendo jus à fama de durona, soltou o verbo contra os responsáveis por gerenciar os contratos — todos eles ligados ao PR, o Partido da República, que ocupava a pasta na ocasião. “Vocês são inadministráveis e estão inviabilizando o meu governo”, sentenciou. Era o primeiro ato da chamada “faxina ética”, durante a qual a presidente demitiu seis ministros acusados de corrupção. O então titular dos Transportes, Alfredo Nascimento, inaugurou a lista após a imprensa mostrar que a elevação dos custos das obras do ministério era, na verdade, uma maneira de bancar um esquema clandestino de arrecadação de propina controlado pelo PR: para conseguirem os contratos, os empreiteiros superfaturavam as obras e repassavam 4% do que ganhavam ao partido.

Três anos depois da faxina, o mesmo PR, presidido pelo mesmo Alfredo Nascimento enxotado lá atrás, segue firme e forte no comando do mesmo Ministério dos Transportes e envolvido nas mesmas tramoias. Diferente mesmo só a taxa de propina, que dobrou. Pouco antes de deixar o comando dos Transportes, no mês passado, o ministro César Borges recebeu em seu gabinete a visita do empreiteiro Djalma Diniz, dono da Pavotec Pavimentação e Terraplenagem. A empresa, com sede em Minas Gerais, tem contratos no Ministério dos Transportes que, somados, chegam perto de 2 bilhões de reais. O empreiteiro foi ao ministro reclamar que estava sofrendo pressão para repassar a deputados do PR uma parte de seus ganhos — mais especificamente, dos pagamentos relativos a dois contratos, um de 514 milhões e outro de 719 milhões, firmados no começo deste ano com a Valec, estatal encarregada de construir estradas de ferro. Djalma Diniz relatou em detalhes ao ministro o que classificava de achaque escancarado. Parlamentares exigiam dele parte dos lucros sob pena de rescisão dos contratos.

O autor da pressão, segundo o empreiteiro, era o deputado federal baiano João Carlos Bacelar Filho, um dos mais conhecidos expoentes da bancada do PR na Câmara dos Deputados. Foi o próprio ministro César Borges quem relatou a queixa do empreiteiro. Primeiro, a assessores e a políticos de sua confiança. “O dono da Pavotec me procurou no ministério para dizer que o deputado João Bacelar está cobrando dele uma participação nos contratos com a Valec”, disse a um amigo. A cobrança, segundo o empreiteiro relatara ao ministro, era explícita: em troca dos contratos firmados, o deputado exigia uma participação nos pagamentos. Em outras palavras, propina. O parlamentar dizia falar em nome do PR — e ainda explicava o motivo da cobrança. Segundo ele, o partido ajudara a Pavotec a fechar os contratos no governo e, por isso, o dono da empreiteira tinha de repassar uma parte do valor. Era assim que funcionaria a partir daquele instante. O empreiteiro procurou o ministro para saber se Bacelar falava mesmo em nome do partido. Foi informado de que não, e se recusou a fazer o pagamento. Caso aparentemente encerrado — mas não para o deputado Bacelar e seu grupo no PR.

O deputado João Bacelar passou a desqualificar o empreiteiro Djalma Diniz e a conspirar contra o ministro César Borges.

Em privado, João Bacelar dizia que a Pavotec obtivera contratos com a Valec graças à interferência do PR. E teria se comprometido a repassar à legenda parte de seus ganhos. Mencionava cifras: “Era coisa de 90 a 100 milhões de reais”. Nessa versão, ao recusar-se a realizar os pagamentos, o empreiteiro rompia um acordo.

Segundo o que a reportagem apurou, Djalma Diniz realmente reuniu-se com parlamentares em Brasília. O deputado baiano era um de seus interlocutores.
Ouvido, João Bacelar desancou o dono da Pavotec: “Esse Djalma é um chantagista”. No dia seguinte, procurou a reportagem para se reposicionar em cena: “Não posso dizer que o considero chantagista. Apenas o qualifiquei conforme ouvi em muitos boatos.” Por meio de um advogado, Bacelar ameaçou processar caso a reportagem fosse publicada.

Procurado, Djalma Diniz demorou uma semana para se pronunciar. Tentou negar que tivesse procurado o ministro. Informado sobre os detalhes colecionados pela reportagem, recorreu à desconversa: “Eu ando muito esquecido. Estou até com medo de estar com Alzheimer.” Instado a explicar seus encontros com o deputado Bacelar, o empreiteiro soou assim: “Ele estava me propondo um negócio numa pedreira que ele tem numa fazenda na Bahia.”

Cesar Borges mandou dizer, por meio de assessores, que não comentaria o assunto. Em privado, deu a entender que informara o Palácio do Planalto sobre o ocorrido.

Dilma também serviu-se de auxiliares para falar sobre o tema. Ela negou ter tomado conhecimento da encrenca. Mandou dizer que, se um ministro lhe relatasse algo parecido, mandaria encaminhar o caso à Polícia Federal, ao Ministério Público e aos órgãos de controle.

Hoje, César Borges é ministro-chefe da Secretaria de Portos. Foi desalojado dos Transportes por exigência do PR. Seguindo orientação do mensaleiro preso Valdemar Costa Neto, seu maior cacique, a tribo do PR condicionou o ingresso da legenda na coligação reeleitoral de Dilma à saída de Borges do ministério. Em troca de 1min15s de tempo de propaganda no rádio e na tevê, a presidente da República cedeu. Com isso, Dilma ressuscitou o grupo político que havia sido varrido dos Transportes na pseudofaxina de 2011.

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