Cruz Vermelha desviou doação
Dinheiro, ao menos R$ 2,3 milhões, seria destinado a vítimas na Somália, no Japão e na região serrana do Rio
Recursos foram parar na conta de uma ONG que pertence à mãe do vice-presidente da instituição à época
Recursos foram parar na conta de uma ONG que pertence à mãe do vice-presidente da instituição à época
A Cruz Vermelha Brasileira desviou dinheiro arrecadado em campanhas
humanitárias, afirma auditoria encomendada pela Federação Internacional
das Sociedades da Cruz Vermelha, órgão com sede em Genebra (Suíça).
Segundo a investigação, foram desviadas doações feitas para socorrer
vítimas de crise na Somália, do tsunami no Japão e das enchentes na
região serrana do Rio.
Os valores -- R$ 212 mil nas duas primeiras campanhas e R$ 1,6 milhão,
na última -- foram repassados a uma ONG que pertence à mãe do
vice-presidente da Cruz Vermelha à época em que as transferências foram
feitas, Anderson Marcelo Choucino.
Outra parcela das doações, R$ 523 mil, foi parar em fundos de aplicação e, depois, teve destino desconhecido.
A auditoria na Cruz Vermelha Brasileira foi feita pela empresa Moore Stephens, consultoria independente com sede em Londres.
No Brasil, a instituição divide-se em Cruz Vermelha nacional (órgão
central) e dezenas de filiais estaduais e municipais. Pelo estatuto,
cada filial tem autonomia gerencial em relação ao órgão central, e este
em relação à federação internacional.
Todas as unidades, porém, fazem parte do mesmo guarda-chuva, por compartilharem uma marca internacional.
O Instituto Humanus fica em São Luís (MA) e está registrado em nome de
Alzira Quirino da Silva, mãe do ex-vice-presidente do órgão central.
Segundo a auditoria, o Humanus recebeu R$ 15,8 milhões da Cruz Vermelha
de 2010 a 2012, sem comprovação de que tenha prestado os serviços
correspondentes.
Por falta de documentos nas filiais analisadas -- dez, em todo o país
--, a auditoria não especificou a origem de todo o montante transferido
para o Instituto Humanus.
A maior parte das verbas administradas pelas várias filiais no país
advém de contratos com o poder público para gerenciar unidades de saúde.
Em 2012, revelou-se que R$ 100 mil recebidos pela filial no Rio Grande
do Sul tinham sido transferidos para o Humanus. O dinheiro deveria ter
sido empregado em um hospital em Balneário Camboriú (SC). Após a
reportagem, foi iniciada a auditoria, concluída em abril.
As transações bancárias de recursos provenientes das doações
humanitárias eram feitas com a assinatura eletrônica de Carmen Serra,
ex-presidente da filial da Cruz Vermelha no Maranhão.
Carmen é irmã de Walmir Serra Jr., presidente da Cruz Vermelha nacional durante o período auditado.
Em sua defesa, no âmbito da auditoria, Carmen afirmou que a filial
maranhense emprestou suas contas bancárias para a Cruz Vermelha nacional
fazer campanhas humanitárias porque o órgão central tem dívidas
trabalhistas.
Isso levaria a Justiça a confiscar o dinheiro das doações.
Carmen disse ainda que "desconhecidos" usaram sua senha bancária, porque
a filial maranhense nunca contratou o Instituto Humanus.
Em 2012, porém, os sites do Humanus e da Cruz Vermelha-MA tinham o mesmo número de telefone para contato.
Atual gestão vai mandar auditoria ao Judiciário
Federação na Suíça enviará controlador financeiro ao Brasil para dar apoio e evitar novos problemas
Presidente da Cruz Vermelha nacional desde 2013, Rosely Sampaio disse
que o relatório da auditoria que apontou desvio de doações será levado à
Justiça para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
"Temos todo o interesse de que as coisas sejam realmente apuradas, para
que a instituição possa, enfim, dar seguimento à sua missão."
A atual gestão do órgão central sucedeu a do ex-presidente Walmir Serra Jr. e do ex-vice-presidente Anderson Marcelo Choucino.
A Federação Internacional da Cruz Vermelha, que contratou a auditoria,
afirmou que providências, agora, "recaem sobre as instituições judiciais
brasileiras".
"Nosso controlador financeiro viajará ao Brasil para prestar apoio após a
apresentação dos resultados da auditoria", informou a instituição.
Entre as recomendações do relatório da auditoria está "solicitar a
devolução dos fundos aos indivíduos responsáveis e às organizações
envolvidas ou a comprovação do devido uso dos recursos".
A conclusão do documento é: "Os fundos arrecadados nas campanhas foram
usados em aplicações e transferidos ao Instituto Humanus, não havendo
comprovação de que foram enviados a Japão, Petrópolis ou Somália ou
usados com os fins previstos pelas campanhas".
Presidente do Humanus e mãe do ex-vice-presidente da Cruz Vermelha
nacional, Alzira Quirino da Silva afirmou, por e-mail, que desconhece a
auditoria e, por isso, não poderia comentá-la.
Disse ainda que, desde 2008, o instituto presta assessorias, organiza
eventos e tem ações voltadas à área da saúde, entre outras atividades.
Carmen Serra, ex-presidente da Cruz Vermelha do Maranhão, seu irmão,
Serra Jr., e Choucino não foram localizados. A mãe de Choucino disse que
não tinha autorização dele para fornecer seu número de telefone.
Só no Rio, fundo ajudaria sete cidades afetadas
As enchentes na região serrana do Rio, no início de 2011, mataram cerca de 900 pessoas e afetaram sete cidades. Ainda durante a tragédia, a Cruz Vermelha nacional iniciou a campanha para ajudar os desabrigados na área.
As enchentes na região serrana do Rio, no início de 2011, mataram cerca de 900 pessoas e afetaram sete cidades. Ainda durante a tragédia, a Cruz Vermelha nacional iniciou a campanha para ajudar os desabrigados na área.
Em março do mesmo ano, o Japão enfrentou o maior terremoto de sua
história. Ondas de até 12 metros devastaram o nordeste do país e
atingiram a usina de Fukushima. Houve mais de 19 mil mortos.
Logo em seguida, como parte de um movimento mundial, a Cruz Vermelha
Brasileira iniciou sua campanha para ajudar os sobreviventes japoneses.
A campanha contra a fome na Somália começou em agosto de 2011, quando o
país africano enfrentava forte seca. Um mês antes, a ONU declarara que o
país vivia uma crise de fome e que 250 mil pessoas corriam risco de
morrer.
A Cruz Vermelha Brasileira existe desde 1908.
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