sexta-feira, 4 de julho de 2014


Fora do xadrez, Dirceu encena um novo Dirceu

Josias  de  Souza
Bons tempos esses maus tempos. Protagonista da interminável peça brasileira, José Dirceu desempenha mais um de seus importantes papeis. Vive o papel de presidiário. Já passara pelo xadrez antes. Mas fora à garra por ideologia. Agora é por corrupção.
Existia uma grande curiosidade no público para saber como Dirceu se reposicionaria no palco quando o pano da cadeia se abrisse. Como se comportará no primeiro dia de trabalho fora do xilindró? Que poses fará? Que palavras pronunciará? As dúvidas eram justificáveis. Ninguém menos convencional do que do que Dirceu.
Homem de muitos séquitos, Dirceu cruzou sozinho o portão do Centro de Progressão Penitenciária, em Brasília. Vestia-se com apuro. Calça jeans, camisa azul claro e blazer azul escuro. Ton-sur-ton. Sua fina figura destoava da atmosfera suja. Rente ao meio-fio, Dirceu, outrora sempre tão esperado, teve de esperar. Súbito, o carrão chique, uma Hilux preta, veio resgatá-lo.
Na época em que o socialismo era a panaceia para todos os problemas, Dirceu julgava-se útil até em pensamento. Iludia-se achando que seu mal-estar com a tragédia humana minorava o sofrimento dos miseráveis. Hoje, submetido à morte das ilusões, Dirceu deve estar aliviado. Já não precisa carregar as culpas do mundo. Basta pagar pelas suas. E se não tem outro jeito, que seja com elegância.
Dirceu sempre se esbanjou. O bicho-carpinteiro da inquietação nunca o deixou em paz. Dirceu sempre perseguiu Dirceu, sua vítima favorita. Dividiu o mundo em duas partes radicais — uma que o exaltava, outra que o execrava. Mas o Dirceu que chegou para trabalhar no escritório do amigo José Gerardo Grossi era outro Dirceu, um personagem autocontido.
Os repórteres insistiram para que Dirceu falasse. Mas ele silenciou, como convém a um preso do regime semiaberto. Dirceu poderia ter entrado pela garagem. Mas aí seria preciso exigir um exame de DNA. Um Dirceu assim, invisível, não seria Dirceu. O condenado fez questão de ser visto. Levou à boca um riso apagado e cruzou 15 metros de câmeras e microfones. Mais magro, Dirceu carregava no rosto os vincos das noites da Papuda.
Dirceu se absteve de repetir a coreografia encenada no dia da prisão, em 15 de novembro de 2013. Nada de braço erguido. Nem sinal de punhos cerrados. Por um instante, teve-se a impressão de que a cadeia fez bem a José Dirceu. O personagem já deve ter descoberto que também está sujeito à condição humana. Ainda que tudo não passe de teatro, as cenas desta quinta-feira melhoraram a pantomima.


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