Fora do xadrez, Dirceu encena um novo Dirceu
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| Josias de Souza | 
Bons tempos esses maus tempos. Protagonista da interminável peça 
brasileira, José Dirceu desempenha mais um de seus importantes papeis. 
Vive o papel de presidiário. Já passara pelo xadrez antes. Mas fora à 
garra por ideologia. Agora é por corrupção.
Existia uma grande curiosidade no público para saber como Dirceu se 
reposicionaria no palco quando o pano da cadeia se abrisse. Como se 
comportará no primeiro dia de trabalho fora do xilindró? Que poses fará?
 Que palavras pronunciará? As dúvidas eram justificáveis. Ninguém menos 
convencional do que do que Dirceu.
Homem de muitos séquitos, Dirceu cruzou sozinho o portão do Centro de 
Progressão Penitenciária, em Brasília. Vestia-se com apuro. Calça jeans,
 camisa azul claro e blazer azul escuro. Ton-sur-ton. Sua fina figura 
destoava da atmosfera suja. Rente ao meio-fio, Dirceu, outrora sempre 
tão esperado, teve de esperar. Súbito, o carrão chique, uma Hilux preta,
 veio resgatá-lo.
Na época em que o socialismo era a panaceia para todos os problemas, 
Dirceu julgava-se útil até em pensamento. Iludia-se achando que seu 
mal-estar com a tragédia humana minorava o sofrimento dos miseráveis. 
Hoje, submetido à morte das ilusões, Dirceu deve estar aliviado. Já não 
precisa carregar as culpas do mundo. Basta pagar pelas suas. E se não 
tem outro jeito, que seja com elegância.
Dirceu sempre se esbanjou. O bicho-carpinteiro da inquietação nunca o 
deixou em paz. Dirceu sempre perseguiu Dirceu, sua vítima favorita. 
Dividiu o mundo em duas partes radicais — uma que o exaltava, outra que o
 execrava. Mas o Dirceu que chegou para trabalhar no escritório do amigo
 José Gerardo Grossi era outro Dirceu, um personagem autocontido.
Os repórteres insistiram para que Dirceu falasse. Mas ele silenciou, 
como convém a um preso do regime semiaberto. Dirceu poderia ter entrado 
pela garagem. Mas aí seria preciso exigir um exame de DNA. Um Dirceu 
assim, invisível, não seria Dirceu. O condenado fez questão de ser 
visto. Levou à boca um riso apagado e cruzou 15 metros de câmeras e 
microfones. Mais magro, Dirceu carregava no rosto os vincos das noites 
da Papuda.
Dirceu se absteve de repetir a coreografia encenada no dia da prisão, em
 15 de novembro de 2013. Nada de braço erguido. Nem sinal de punhos 
cerrados. Por um instante, teve-se a impressão de que a cadeia fez bem a
 José Dirceu. O personagem já deve ter descoberto que também está 
sujeito à condição humana. Ainda que tudo não passe de teatro, as cenas 
desta quinta-feira melhoraram a pantomima.

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