Império à deriva
José Casado |
Está à deriva um império financeiro, berço de uma dinastia de banqueiros
cujo código genético atravessou o último século e meio da história.
Erguido por José Maria Espírito Santo Silva (1850-1915) a partir de uma
porta na antiga Rua dos Paulistas, hoje Calçada do Combro, em Lisboa, o
Grupo Espírito Santo é caso singular de longevidade.
Em 1933 a casa bancária foi entregue a um dos herdeiros, Ricardo, cujo
maior ativo era um amigo íntimo no poder: o ditador Antonio Salazar,
descrito por diplomatas como camponês astuto, de hábitos monásticos, que
aprendera na política a “elogiar o espetáculo de marionetes do esforço
humano”.
Casado com uma Cohen, proeminente família judia, Ricardo transformou o
banco em procurador do Estado nazista e em ponto de conexão do tráfico
de ouro de Hitler (barras com a suástica gravada eram enviadas a
Portugal e créditos em moeda portuguesa eram abertos ao regime alemão.)
Churchill pôs o Grupo Espírito Santo numa lista de entidades proscritas.
Sete décadas depois os negócios da família estão sob devassa em Lisboa,
Genebra, Luxemburgo, Nova York, Cidade do Panamá, Rio e São Paulo. Suas
contas exibem um buraco avaliado em US$ 9,5 bilhões, equivalente a 5% do
Produto Interno Bruto de Portugal.
O contador do grupo, Francisco Machado da Cruz, denunciou uma sucessão
de fraudes, com reflexos em empresas em Portugal, Angola, no Panamá e no
Brasil. Em seguida, fugiu para uma cidade brasileira.
Semana passada o Panamá interveio numa sucursal bancária. Em Angola, o
presidente José Eduardo dos Santos decretou um subsídio de US$ 5,7
bilhões à filial do grupo.
O valor coincide com a soma de créditos dados como “desaparecidos” na
unidade angolana. O socorro com dinheiro público foi, na prática, ação
de autodefesa: a família Santos e assessores detêm 43% do Banco Espírito
Santo Angola (Besa).
No Brasil os acionistas da Oi/Portugal Telecom, entre eles o estatal
BNDES, temem perder US$ 900 milhões. O grupo português possui 10% do
controle da PT, mas conseguiu subtrair dos sócios um “empréstimo” em
valor equivalente a 40% do caixa da PT Telecom.
É longo o portfólio de confusões do Grupo Espírito Santo. Ele esteve,
por exemplo, no centro do episódio que detonou o caso do Mensalão.
Miguel Horta Costa, ex-presidente da PT Telecom e atual vice-presidente
do grupo, mantinha relações fluidas com o ex- chefe da Casa Civil do
governo Lula, José Dirceu, e o empresário Marcos Valério, o operador do
Mensalão.
Em outubro de 2004, Dirceu levou Costa a uma conversa com Lula. Na
época, o deputado Roberto Jefferson, líder do PTB, cobrava de Lula e
Dirceu US$ 10 milhões supostamente prometidos aos petebistas. Segundo
Jefferson, Dirceu o orientou a receber o dinheiro da PT Telecom, em
Portugal.
Na segunda-feira 24 de janeiro de 2005, o tesoureiro do PTB Emerson
Palmieri foi a Lisboa na companhia de Marcos Valério. Palmieri retornou
três depois, sem o dinheiro. Vinte semanas mais tarde, Jefferson foi à
tribuna da Câmara e denunciou o mensalão.
Essa sombria transação, talvez, um dia possa ser desvendada a partir dos arquivos do antigo império Espírito Santo.
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