sexta-feira, 18 de julho de 2014


A tragédia dos orfanatos do México

Assim vivem as crianças no orfanato La Gran Familia

Em uma tarde no início de março, Ardelia Martínez recebeu uma mensagem urgente: sua neta Ilse Michelle havia sido encontrada seis anos depois de ter desaparecido de um abrigo na Cidade do México.
Desde 2005, a menina, que hoje tem 15 anos, vivia por ordem judicial no abrigo Casitas del Sur, aonde a Procuradoria Geral de Justiça do Distrito Federal (PGJDF) costumava enviar menores que haviam sido vítimas de violência.
Mas as autoridades da capital mexicana não se preocuparam com destino de Ilse, nem de outros 26 menores que, como ela, desapareceram do local.
Na verdade, só souberam do problema quando, em 2008, Ardelia Martínez conseguiu a custódia de sua neta. Ao tentar buscá-la no abrigo, descobriu que a menina não estava lá e ninguém sabia de seu paradeiro.
Agora que o México vive a comoção do resgate de quase 500 crianças do orfanato La Gran Familia, na cidade de Zamora, muitos estão se lembrando da história de Casitas del Sur e outros casos parecidos que ocorreram nos últimos anos.
Segundo especialistas, o México não consegue atender apropriadamente crianças órfãs, que foram abandonadas ou vítimas de violência.
O problema é tão grave que não se sabe o número exato de menores em abrigos, nem quantos são vítimas de abusos.
"Ninguém acompanha os casos. As autoridades dizem: estou entregando eles e aqui ficarão, à sorte de Deus, sem saber quem cuidará deles ou como farão isso", disse Javier Sánchez Ramírez, da ONG Infancia Común.
"Isso permite que ocorram abusos e violações de direitos humanos dessas crianças."


Maltratos
O fundador da Casitas de Sur e alguns colaboradores mais próximos foram detidos, mas ainda não foram encontrados 11 menores que desapareceram quase ao mesmo tempo que Ilse.
Mas este não foi o único caso. Nos últimos anos, tornaram-se frequentes as denúncias contra abrigos por maus tratos contra menores.
Até agora, poucas queixas foram atendidas e, em alguns casos, como Casitas del Sur ou La Gran Familia Zamora, pode levar vários anos antes que as autoridades decidam agir.
Basicamente o que acontece é uma falta de regulação das autoridades em relação aos albergues de que recebem crianças vítimas de violência, insiste o especialista.
"As crianças são colocadas nesses abrigos sem terem seus direitos e necessidades de desenvolvimento atendidos", acrescenta.
A ideia é compartilhada pelo deputado Efraim López Morales, coautor de um projeto de lei sobre cuidados alternativos para crianças na capital do país.
"Há milhares de crianças sem cuidado dos pais, que vivem em instituições com pouca ou nenhuma supervisão", adverte. "Atualmente não há estatísticas sobre o número de abrigos em operação ou da população que vive lá."

Números
De acordo com o Censo Nacional de População, elaborado em 2010 pelo Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI, sigla em espanhol), o país tem cerca de 25 mil pessoas que vivem em abrigos, embora muitas façam parte da equipe que trabalha nesses locais.
Mas os dados internacionais são diferentes. A UNICEF afirma que existem pelo menos 1,6 milhões de órfãos no país, o segundo maior contingente da América Latina, atrás apenas do Brasil.
Cerca de 50 mil dessas crianças perderam seus pais devido à violência da guerra contra o narcotráfico, de acordo com a organização Ririki.
Além disso, o número exato de abrigos ou casas de acolhimento para essas crianças não é conhecido, e até mesmo a Câmara dos Deputados aprovou um acordo para criar um censo dessas instituições no país. A contagem não foi realizada.
Além dos números, o problema é a ausência de protocolos apropriados para cuidar de crianças órfãs ou abandonadas, reconheceu a deputada Carmen Lucía Pérez.
Os recursos públicos para ajudar os abrigos são escassos e a maioria vive de caridade.
Nesse contexto, é clara a ausência das autoridades no que diz respeito a órfãos e crianças abandonadas, diz Sánchez Ramírez. "Parece que o Estado quer se livrar deles."

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