A tragédia dos orfanatos do México
Assim vivem as crianças no orfanato La Gran Familia |
Em uma tarde no início de março, Ardelia Martínez recebeu uma mensagem
urgente: sua neta Ilse Michelle havia sido encontrada seis anos depois
de ter desaparecido de um abrigo na Cidade do México.
Desde 2005, a menina, que hoje tem 15 anos, vivia por ordem judicial no
abrigo Casitas del Sur, aonde a Procuradoria Geral de Justiça do
Distrito Federal (PGJDF) costumava enviar menores que haviam sido
vítimas de violência.
Mas as autoridades da capital mexicana não se preocuparam com destino de
Ilse, nem de outros 26 menores que, como ela, desapareceram do local.
Na verdade, só souberam do problema quando, em 2008, Ardelia Martínez
conseguiu a custódia de sua neta. Ao tentar buscá-la no abrigo,
descobriu que a menina não estava lá e ninguém sabia de seu paradeiro.
Agora que o México vive a comoção do resgate de quase 500 crianças do
orfanato La Gran Familia, na cidade de Zamora, muitos estão se lembrando
da história de Casitas del Sur e outros casos parecidos que ocorreram
nos últimos anos.
Segundo especialistas, o México não consegue atender apropriadamente
crianças órfãs, que foram abandonadas ou vítimas de violência.
O problema é tão grave que não se sabe o número exato de menores em abrigos, nem quantos são vítimas de abusos.
"Ninguém acompanha os casos. As autoridades dizem: estou entregando eles
e aqui ficarão, à sorte de Deus, sem saber quem cuidará deles ou como
farão isso", disse Javier Sánchez Ramírez, da ONG Infancia Común.
"Isso permite que ocorram abusos e violações de direitos humanos dessas crianças."
Maltratos
O fundador da Casitas de Sur e alguns colaboradores mais próximos foram
detidos, mas ainda não foram encontrados 11 menores que desapareceram
quase ao mesmo tempo que Ilse.
Mas este não foi o único caso. Nos últimos anos, tornaram-se frequentes
as denúncias contra abrigos por maus tratos contra menores.
Até agora, poucas queixas foram atendidas e, em alguns casos, como
Casitas del Sur ou La Gran Familia Zamora, pode levar vários anos antes
que as autoridades decidam agir.
Basicamente o que acontece é uma falta de regulação das autoridades em
relação aos albergues de que recebem crianças vítimas de violência,
insiste o especialista.
"As crianças são colocadas nesses abrigos sem terem seus direitos e necessidades de desenvolvimento atendidos", acrescenta.
A ideia é compartilhada pelo deputado Efraim López Morales, coautor de
um projeto de lei sobre cuidados alternativos para crianças na capital
do país.
"Há milhares de crianças sem cuidado dos pais, que vivem em instituições
com pouca ou nenhuma supervisão", adverte. "Atualmente não há
estatísticas sobre o número de abrigos em operação ou da população que
vive lá."
Números
De acordo com o Censo Nacional de População, elaborado em 2010 pelo
Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI, sigla em
espanhol), o país tem cerca de 25 mil pessoas que vivem em abrigos,
embora muitas façam parte da equipe que trabalha nesses locais.
Mas os dados internacionais são diferentes. A UNICEF afirma que existem
pelo menos 1,6 milhões de órfãos no país, o segundo maior contingente da
América Latina, atrás apenas do Brasil.
Cerca de 50 mil dessas crianças perderam seus pais devido à violência da
guerra contra o narcotráfico, de acordo com a organização Ririki.
Além disso, o número exato de abrigos ou casas de acolhimento para essas
crianças não é conhecido, e até mesmo a Câmara dos Deputados aprovou um
acordo para criar um censo dessas instituições no país. A contagem não
foi realizada.
Além dos números, o problema é a ausência de protocolos apropriados para
cuidar de crianças órfãs ou abandonadas, reconheceu a deputada Carmen
Lucía Pérez.
Os recursos públicos para ajudar os abrigos são escassos e a maioria vive de caridade.
Nesse contexto, é clara a ausência das autoridades no que diz respeito a
órfãos e crianças abandonadas, diz Sánchez Ramírez. "Parece que o
Estado quer se livrar deles."
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