segunda-feira, 27 de junho de 2011

Na Câmara, desperdício de R$ 151 milhões vira ‘economia’.

A Câmara federal está prestes a votar uma mágica. Em dois movimentos, um desperdício de R$ 151,2 milhões será transformado em “economia” de gastos.
O ilusionismo consta de uma resolução editada pela Mesa diretora presidida pelo deputado Marco Maia (PT-RS). Leva o número 50/2011.

No primeiro ato, a peça cria 57 novas vagas do tipo CNE (Cargos de Natureza Especial). A coisa é “especial” porque as nomeações se dão sem concurso.
Os novos contratados vão reforçar o time de assessores das lideranças dos partidos. Uma equipe que, pelo regimento, deveria ser reduzida.
A novidade foi orçada em R$ 3,6 milhões por mês. Custo anual: R$ 43,2 milhões. Até o final da atual legislatura (mais três anos e meio): R$ 151,2 milhões.
No segundo ato, a resolução extingue 90 cargos de setores administrativos da Câmara. Anuncia-se uma “economia” de R$ 3,6 milhões mensais.
Como o corte é idêntico à despesa nova, a Câmara vende a tese de que vai aparelhar os gabinetes das lideranças sem ofender o bolso do contribuinte. Lorota.
Ao passar a faca num pedaço da folha de seus setores administrativos, a Câmara admite algo que negava: sua estrutura, por inchada, reclama cortes.
Ao injetar os recursos “economizados” na folha de não-concursados das lideranças, a Câmara incorre em inexplicável desperdício. Aos dados:
A resolução 50/2011, o documento que dá aos líderes a prerrogativa de nomear mais 57 pessoas, chega para alterar outra resolução, a 01/2007.
As duas resoluções fixam regras para o rateio dos “cargos especiais”. Quanto maior a bancada de um partido, maior a quantidade de assessores.
A resolução antiga dividia as legendas em oito faixas. A nova acomoda-as em 12 faixas. Por quê? Apenas para justificar a mandracaria.
Por exemplo: a bancada do PMDB caiu na eleição de 2010 de 89 para 78 deputados. Pela regra antiga, seu time de assessores murcharia de 92 para 76.
Pela regra nova, o PMDB foi reacomodado numa faixa que lhe dá o “direito” de conservar os mesmos 92 “cargos especiais”. Salvaram-se 16 cabeças.
Lipoaspirado, o DEM caiu de 65 para 43 deputados. A assessoria teria de emagrecer de 76 para 54 cargos. Ficará do mesmo tamanho. Livraram-se 22 escalpos.
O PPS, que tinha 22 deputados, saiu das urnas com 12. Pela resolução nova, cairá de 37 assessores para 32. Pela antiga, ficaria com 24. Oito pescoços a menos.
Não é só. Legendas que emergiram das urnas com o mesmo número de deputados vão nomear mais assessores.
É o caso do PTB. Manteve-se com 22 deputados. Com a nova regra, porém, sua equipe de assessores vai de 37 para 52. Acréscimo de 15 contracheques.
Há mais. O PT, que tinha 83 deputados, cresceu em 2010 para 88. O acréscimo de cinco cadeiras não foi suficiente para elevá-lo de faixa no quadro de assessores.
Mantidas as regras que vigiam desde 2007, o PT teria a mesma quantidade de cargos: 92. Com a mudança, vai nomear 104. Doze bocas a mais.
O PP, que passou de 41 deputados para 44, também teria de se contentar com os 54 “cargos especiais” de que dispunha. Saltará para 76. Mais 22 “janelas”.
A magia da conversão de economia em desperdício espalhou seu encantamento para praticamente todas as legendas com assento na Câmara.
PSB e PDT, que ficariam com 46 cargos, saltarão para 52. PCdoB e PV pularão de 24 "cargos de natureza especial" para 32 cada um.
A mágica produziu apenas uma vítima. A despeito de ter saído de 2010 do mesmo tamanho, o PSOL foi enquadrado numa faixa que reduz sua assessoria de 17 para 8 pessoas.
Chico Alencar (RJ), o líder do PSOL, levou a boca ao trombone. E a votação da encrenca, que deveria ter ocorrido na semana do São João, foi adiada por Marco Maia.
Há pior: vários partidos organizaram-se em blocos. No trecho em que prevê esse tipo de arranjo, o regimento da Câmara anota:
“As lideranças dos partidos que se coligarem em bloco parlamentar perdem suas atribuições e prerrogativas regimentais”.
Significa dizer que, no rateio dos "cargos especiais", os partidos teriam de ser considerados como blocos, não individualmente.
Se o regimento fosse levado ao pé da letra, em vez de tirar 57 novos cargos da cartola, a Câmara teria de fazer desaparecer 77 assessores.

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