Setor siderúrgico vive novo ‘apagão’ —
com mercado interno em queda e excesso de produção no mundo, empresas
demitem e, como em 2008, começam a desligar altos-fornos — a Usiminas
está interrompendo as atividades em Cubatão e deve demitir 4 mil
funcionários a empresa vai paralisar a produção de placas de aço, mas
manterá as atividades das linhas de laminação a quente e a frio
A combinação de demanda fraca por aço no mercado interno e excedente de
produção global pode provocar uma onda de paralisações das siderúrgicas
instaladas no País. Em setembro, a utilização da capacidade média da
indústria encerrou em 61,3%, muito abaixo do índice de ocupação
considerado ideal para o setor, de 80%. A média global, no mesmo
período, ficou em 71,9%.
As siderúrgicas do País, que chegaram a exportar metade de sua produção
nos anos 90, têm perdido ano a ano relevância no mercado internacional.
Na crise de 2008, o setor travou e chegou a registrar, em janeiro de
2009, índice abaixo de 50% da capacidade de produção. Mas a recuperação
foi rápida: em setembro do mesmo ano, o índice já havia voltado aos 80%.
“Hoje é diferente. As indústrias vivem a pior crise de sua história e
não há horizonte de recuperação no curto prazo”, diz Marco Polo de Mello
Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil (IABr).
No início de 2009, sete altos-fornos, de um total de 14 em operação no
País, foram desligados. Posteriormente, todos foram reativados. Neste
ano, com o anúncio feito pela Usiminas de desativação da maior parte da
unidade de Cubatão, o grupo terá três altos-fornos desligados — um na
usina de Ipatinga (MG) e dois da usina paulista —, e outras companhias
podem seguir o mesmo caminho, de acordo com fontes de mercado. O balanço
do IABr, até junho deste ano, inclui 20 unidades dentro das usinas
siderúrgicas paradas ou desativadas, incluindo altos-fornos (onde o
minério de ferro é fundido e transformado em ferro gusa) e aciarias
(onde o ferro gusa é transformado em aço), além de outros equipamentos.
A desativação de parte da fábrica da Usiminas em Cubatão, um dos
principais polos siderúrgicos do País, é o retrato mais emblemático da
crise do setor. A empresa também anunciou o corte de 4 mil trabalhadores
(diretos e indiretos), logo após divulgar um prejuízo líquido de R$
1,042 bilhão. Nos últimos 12 meses, até junho, o setor siderúrgico
cortou 11,2 mil trabalhadores e 1,4 mil foram colocados em lay-off
(suspensão temporária do contrato de trabalho). O IABr, que previa mais 4
mil demissões até o fim deste ano, já está revendo seus números para
cima.
As indústrias são afetadas principalmente pela paralisia dos setores da
construção civil, automobilístico e de máquinas e equipamentos, que
respondem por 80% do consumo de aço, de acordo com o mercado.
O Brasil deve produzir este ano 32,75 milhões de toneladas de aço bruto,
queda de 3,4% em relação a 2014. O consumo aparente deve recuar 13%, de
24,6 milhões de toneladas para 22,3 milhões de toneladas. “A queda no
consumo interno não será compensada pelas exportações, uma vez que há um
excedente global de 700 milhões de toneladas”, diz Lopes, do IABr.
A competitividade das indústrias do País, segundo Lopes, ainda é afetada
pela China. Em 2014, a China respondeu por 52% dos 3,9 milhões de
toneladas de aço importadas pelo Brasil. Entre 2009 e 2014, o Brasil
dobrou o volume importado, espaço que foi ocupado pela China, que
exporta 40% de sua produção. Em 2000, o produto chinês respondia por
1,3% das importações. “Se somar a importação indireta de aço (máquinas,
equipamentos, peças automotivas e carros), o volume importado chega a
8,7 milhões de toneladas, superior à capacidade produtiva da Usiminas
inteira.”
Crise interna. A Usiminas e outra gigante do setor, a CSN, têm alto
endividamento. No caso da Usiminas, seus principais controladores — a
italiana Ternium e a japonesa Nippon — brigam há mais de um ano. Já o
grupo do empresário Benjamin Steinbruch, que possui dívida bruta de R$
32 bilhões, renegociou o alongamento de R$ 5 bilhões e tenta vender
parte de seus negócios — entre eles, a participação de 14% na própria
Usiminas. A venda do terminal de contêineres Tecon, avaliado em R$ 1
bilhão, avançou, segundo fonte familiarizada com o assunto.
A Gerdau, controlada pela família Johannpeter, que registrou prejuízo de
R$ 2 bilhões no terceiro trimestre, é considerada a melhor companhia do
setor pelo mercado. A Ativa Investimentos acredita que, por estar mais
exposta aos EUA, com melhor estrutura de capital, tem condições de
sofrer menos com a crise.
INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES
A Usiminas decidiu interromper temporariamente as atividades das áreas
primárias da Usina de Cubatão, em São Paulo. Segundo comunicado da
companhia enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o processo de
desativação será gradual e deverá ser concluído num prazo de três a
quatro meses.
"O referido ajuste objetiva reposicionar a Usiminas em um novo patamar
de escala e competitividade perante um contexto econômico de
deterioração progressiva do mercado siderúrgico", justificou a Usiminas,
no documento.
A Usiminas, em nota, informou que as demissões chegarão a 4 mil empregos
devido ao processo de desativação das áreas primárias da usina de
Cubatão (SP). De postos diretos serão 2 mil desligamentos e indiretos,
embora ainda esteja sendo mensurado, também são estimadas 2 mil
demissões.
"Este ajuste no quadro funcional deverá ocorrer com mais intensidade no
inicio de 2016, acompanhando o cronograma de desligamento dos
equipamentos da usina, que deverá ser concluído em três ou quatro
meses", esclareceu a empresa, no comunicado.
O presidente do Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada
Santista, Florêncio Rezende de Sá, disse que as demissões poderiam
chegar a mais de 8 mil empregados diretos e indiretos e informou que a
Usiminas comunicou a decisão de interromper as atividades da unidade sem
detalhar prazos e quantidade total. Ainda nos cálculos dele, a
siderúrgica gera 10 mil empregos diretos e indiretos na região.
O sindicato vai aguardar que a empresa apresente um plano detalhado
sobre as demissões, mas não descarta manifestações, greves e disputas
judiciais.
A Usiminas tem consciência do impacto social desta medida sobre a
empregabilidade na região. "A desativação foi necessária para a própria
sustentabilidade da Usiminas como empresa e, como tal, movimentadora de
uma cadeia produtiva estratégica para a economia", destacou a Usiminas.
A Usina de Cubatão já havia tido um de seus dois altos-fornos desligados
em maio deste ano, bem como seu laminador de chapas grossas em
setembro. "No entanto, os estudos da Usiminas apontaram que a
alternativa mais viável, no atual cenário, era a paralisação das áreas
primárias da unidade", segundo nota da companhia. Hoje, cerca de 40% do
aço bruto produzido pela Usiminas vem dessa unidade.
Com a desativação das áreas primárias, a usina de Cubatão deixará de
produzir placas, mas serão mantidas as atividades das linhas de
laminação a quente e a frio, bem como as operações relacionadas a seu
terminal portuário. A linha de laminação de chapas grossas continuará
temporariamente suspensa. A empresa destaca que ainda está avaliando
como suprirá essas linhas com placas. Segundo apurou a reportagem, o
material deve vir de Ipatinga (MG) ou compradas da Companhia Siderúrgica
do Atlântica (CSA).
Balanço. A Usiminas divulgou balanço no qual foi apontado prejuízo
líquido de R$ 1,042 bilhão no terceiro trimestre do ano. No mesmo
período de 2014, as perdas haviam chegado a R$ 24 milhões. O Ebitda
(lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado foi
negativo em R$ 65 milhões no período, ante um Ebitda positivo de R$ 357
milhões. Com isso, a companhia apresentou uma margem Ebitda ajustada
negativa de 2,7%, sendo que era positivo em 12,3% no mesmo trimestre do
ano passado e de 8,5% no trimestre imediatamente anterior.
PARA LEMBRAR
Cosipa foi privatizada em agosto de 1993
A privatização da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em 20 de
agosto de 1993, fazia parte do Plano Nacional de Desestatização, criado
em 1990, durante o governo Fernando Collor. Com ela, outras siderúrgicas
foram privatizadas, como CSN, Acesita e Açominas. As privatizações das
siderúrgicas continuaram até o governo sair do setor, em 1994.
O processo de privatização da siderúrgica paulista foi conturbado. No
dia do leilão, estudantes enfrentaram policiais na porta da Bovespa. O
conflito terminou com 20 feridos. Muitos deles ensanguentados, jogaram
sangue nos policiais. Mas a confusão não terminou aí. Arrematada pela
Brastubo, do empresário Aldo Narcisi, por quase o dobro do preço
inicial, descobriu-se depois que ela fez a operação para o Banco Bozano,
Simonsen.
Na sequência, duas semanas depois, o controle da Cosipa passou para a
Usiminas, também recém-privatizada. A transferência para o novo grupo
levantou a questão de um possível monopólio no setor de aço. Na época, o
grupo passou a controlar 62% da produção nacional de aços planos e 90%
da produção de placas de aço.
Outro fator que chamou a atenção no caso foi a atuação do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o principal acionista da
Cosipa desde a década de 60. Antes da privatização, o banco estatal
emprestou ao Banco Bozano, Simonsen US$ 278 milhões que acabaram sendo
usados no leilão da Cosipa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário