BNDES dribla norma interna para emprestar R$ 102 milhões a empresa do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula
Usina de etanol São Fernando Açúcar e Álcool, que fica em Dourados (MS) |
O BNDES contornou uma norma interna que o proíbe de conceder empréstimos
a empresas cuja falência tenha sido requerida na Justiça e concedeu
crédito de R$ 101,5 milhões ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se tornou um dos alvos da
Operação Lava Jato.
O empresário conseguiu o apoio do BNDES em julho de 2012, num momento em
que seus negócios enfrentavam sérias dificuldades financeiras. Nove
meses depois da operação, a empresa de Bumlai entrou na Justiça com
pedido de recuperação judicial por não conseguir pagar as dívidas que
tinha no mercado.
Na época em que conseguiu o crédito do BNDES, o empresário já tinha sido
alvo de um pedido de falência, apresentado à Justiça em novembro de
2011 por um fornecedor que levara calote numa dívida de R$ 523,2 mil.
As normas do BNDES proíbem empréstimos a empresas nessas condições, para
evitar que o banco dê crédito a quem não tem capacidade de pagar.
A empresa de Bumlai que recebeu os R$ 101,5 milhões é a São Fernando
Energia 1, criada para produzir eletricidade a partir de bagaço de cana.
Ela integra um grupo de cinco empresas de Bumlai que vive situação
pré-falimentar.
Com dívidas de R$ 1,2 bilhão, o grupo São Fernando, cujo principal
negócio é uma usina de etanol em Mato Grosso do Sul, teve a falência
requerida na Justiça pelo próprio BNDES e pelo Banco do Brasil mais
tarde, porque não tem conseguido honrar os pagamentos que se comprometeu
a fazer no processo de recuperação judicial.
O grupo deve R$ 330 milhões ao BNDES, incluindo empréstimos recebidos
antes da operação feita em 2012. Parcelas da dívida de Bumlai com o
banco estão atrasadas desde o fim do ano passado. Os pedidos de falência
feitos pelo BB e pelo BNDES foram apresentados à Justiça em julho e
agosto deste ano.
LAVA JATO — Bumlai, que já foi um dos maiores criadores de gado do país,
tornou-se alvo das investigações da Lava Jato depois que dois delatores
relataram que ele teria repassado recursos para uma nora de Lula e
ajudado a quitar dívidas do PT, o que ele nega ter feito.
O balanço da São Fernando Energia em 2011 mostra a empresa em situação
dramática. As dívidas da companhia eram 9,5 vezes maiores do que o
patrimônio líquido. Seria como um cidadão ter R$ 100 mil em sua conta e,
ao mesmo tempo, uma dívida R$ 950 mil.
Após a autorização do BNDES, os R$ 101,5 milhões foram repassados à
empresa de Bumlai pelo Banco do Brasil e pelo BTG, que atuaram na
operação como agentes intermediários do banco público e assumiram parte
dos riscos.
Uma auditoria independente feita no balanço de 2011 da São Fernando
Açúcar e Álcool afirmou que o "alto grau de endividamento" da companhia
levantava dúvidas sobre a "capacidade de continuidade" da empresa.
A São Fernando Energia está em nome de filhos de Bumlai. A família hoje
vê o grupo São Fernando imerso em um patrimônio negativo bilionário e às
voltas com cobranças de centenas de credores.
ESTÍMULO — Quando entrou com pedido de recuperação judicial, em 2013, a
empresa culpou a política de preços da Petrobras, que desestimulou a
produção de álcool combustível, a demora para obter crédito e até
prejuízos com geada.
De 2008 a 2009, época de euforia no setor, a São Fernando Açúcar e
Álcool era parceira do grupo Bertin e obteve R$ 395,2 milhões de
empréstimos do BNDES, sem intermediação de outros bancos.
Bumlai, à época integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social do governo Lula, defendeu publicamente em 2008, durante reunião
do órgão, a necessidade de apoio do BNDES para estimular a indústria.
Hoje, o grupo São Fernando é gerido por uma administradora judicial
nomeada pela Justiça do Mato Grosso do Sul. Os administradores preparam
um relatório sobre a situação financeira do grupo, que será concluído
ainda neste mês e deve servir de fonte para a Justiça decidir a respeito
do pedido de falência.
Segundo os administradores, o grupo, que já teve 3.000 funcionários, viu
seu quadro de pessoal encolher para 2.000 nos últimos dois anos.
OUTRO LADO — Tanto o BNDES quanto o empresário José Carlos Bumlai negam
que tenha havido favorecimento nos empréstimos que foram concedidos a
ele.
O BNDES confirma que adota uma norma que veta a concessão de empréstimos
a empresas que tenham pedido de falência na Justiça, mas essa regra é
flexível pelo princípio da razoabilidade, de acordo com a instituição.
"Cabe ao BNDES avaliar se a simples existência de um pedido de falência é
ou não um impeditivo para a contratação de financiamento", diz nota do
banco. "Se não fosse assim, qualquer credor de uma empresa que
protocolasse um pedido de falência poderia impedir a contratação do
crédito, com ou sem um motivo razoável para isso."
Um exemplo hipotético: se um credor pedir a falência da Vale por uma
dívida de R$ 1 mil, o BNDES não irá brecar a concessão do empréstimo
porque sabe que esse valor é insignificante para o tamanho da companhia.
No caso da São Fernando Energia, no entanto, a instituição de fomento
sustenta que, por se tratar de uma operação indireta, nas quais outros
bancos fizeram o repasse e assumiram o risco do crédito, caberia ao
Banco do Brasil e ao BTG "proceder a análise cadastral e exame das
certidões das beneficiárias finais, conforme as regras do BNDES".
Em nota, o Banco do Brasil nega que tenha sido omisso na análise
financeira da São Fernando Energia: "A operação de julho de 2012 foi
efetuada exclusivamente para liquidar crédito contratado junto ao BB em
2010. Não houve qualquer liberação de recursos novos para a Usina São
Fernando em 2012".
Na oportunidade, segue o texto, "foram analisadas, entre outros fatores
econômico-financeiros, todas as restrições existentes, além de terem
sido agregadas novas garantias à operação, melhorando seu posicionamento
como credor".
Ainda de acordo com o banco, nenhuma das normas que regulam as boas
práticas bancárias foram desrespeitadas. O BB diz ainda que não pode
fornecer outras informações sobre a operação com a São Fernando Energia
porque elas estão protegidas por sigilo bancário.
Procurado, o BTG não quis comentar a operação que intermediou entre o BNDES e a empresa de energia de Bumlai.
Em maio de 2013, um mês após ingressar na Justiça com o pedido de
recuperação judicial, o grupo São Fernando entregou ao BTG para quitar
dívidas a fazenda predileta de Bumlai, chamada Cristo Rei, de 116 mil
hectares e avaliada em R$ 580 milhões.
O advogado de José Carlos Bumlai, Arnaldo Malheiros Filho, diz que não
houve favorecimento nos empréstimos que o BNDES concedeu ao empresário, e
que as operações não seriam aprovadas por bancos privados.
"Banco público e de fomento existe justamente para conceder crédito para quem não consegue tomar recursos no mercado", afirma.
Malheiros diz que seria um equívoco supor que o corpo técnico do BNDES,
"de alto nível", segundo ele, aprovaria um "crédito temerário".
Ele afirma ainda que a prova maior de que o empresário não se beneficiou
da amizade com o ex-presidente Lula é o fato de seu grupo estar em
recuperação judicial, com dois pedidos de falência porque não tem
conseguido cumprir os pagamentos que acertou com os credores.
"A amizade com o Lula não trouxe benefício algum a Bumlai", diz.
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