segunda-feira, 25 de julho de 2011

Metamorfose ambulante
Ao comparar fotos de sucessivas prisões, polícia mostra como usuários de crack definham.

Num instante, as marcas acumuladas a cada pedra queimada se revelam. Os retratos de dependentes de crack não têm retoques, eles mostram pessoas definhando. Numa iniciativa inédita, policiais de uma delegacia próxima às cracolândias do Caju, da Mangueira e do Jacarezinho passaram a catalogar e comparar as fotografias de entrada dos usuários presos rotineiramente por envolvimento em pequenos roubos ou furtos. O trabalho resultou num mosaico da degradação provocada pelo desenfreado consumo da droga.
A iniciativa da delegada Monique Vidal, da 17ª DP (São Cristóvão), juridicamente não tem efeito prático, mas é de grande valia pedagógica para quem começou a trilhar o perigoso caminho das pedras:

- Um dia mostrei a um dos dependentes uma foto dele na primeira vez em que foi preso. Ele ficou em silêncio por um tempo, depois disse que o vício em crack é uma doença.
O fotografado em questão era Douglas Vinícius Campos de Freitas, de 21 anos. Na primeira passagem por uma delegacia, em 26 de maio de 2008, o rapaz, que na época trabalhava como contínuo, ainda usava camisa social. Na última prisão, em maio passado, ele tinha a barba grande e as roupas sujas. Em três anos, o jovem dependente de crack acumulava ainda dois mandados de prisão por roubos. Situação semelhante à de Igor Vieira da Silva, de 22 anos. O jovem de classe média vivia em Copacabana, mas, após se envolver com o tráfico, passou a usar a droga. Preso no último dia 20, ele pouco lembra o jovem preso pela primeira vez em 2007.

Monique Vidal ressalta que desde março, quando começou a catalogar as imagens, o álbum acumula mais de 40 retratados. A grande maioria (cerca de 92%) dos dependentes em crack vive nas ruas e foi presa por pequenos roubos ou furtos. Crimes, segundo ela, praticados para alimentar o vício.
A ideia de armazenar as fotos de presos com histórico de uso de crack surgiu após a detenção de Ana Paula Dias Mota, em 15 de março passado. Aos 30 anos, era a terceira passagem pela polícia. Todas por roubo ou furto. Ao comparar as fotografias de entrada de Ana, a equipe da delegada começou a catalogar em separado as fotos dos "cracudos", como são conhecidos os dependentes da droga.

A transformação sofrida por Ana, desde a primeira prisão, em 26 de junho de 2006, dimensiona os danos causados pelo uso frequente de crack. A primeira imagem mostra uma mulher de aparência normal, com os cabelos alisados. A segunda, feita em fevereiro de 2009, revela uma pessoa definhando. A seguinte, retratada em março passado, mostra uma mulher arruinada pela droga.
Situação semelhante à de Carlos Alexandre Medeiros da Silva, de 30 anos. Dispostas lado a lado, as fotos impressionaram Maria Thereza de Aquino, psiquiatra e diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao uso de Drogas (Nepad) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em cinco anos, o uso do crack mudou por completo a fisionomia de Carlos, um homem moreno, que usava camisa gola polo ao ser detido, em julho de 2005. A foto da segunda prisão, em junho passado, revela uma pessoa deformada.

Ao serem presos, os dependentes de crack são facilmente identificados, lembra a delegada Monique Vidal. Em geral, estão sujos e maltrapilhos. Muitos estão com tuberculose, hanseníase e outras doenças contraídas devido à baixa imunidade.
Consultada sobre os nocivos efeitos do uso da droga, Maria Thereza explica:
- O dependente de crack faz com que o cérebro promova continuamente um esgotamento das catecolaminas (neuro-hormônios) nas células cerebrais. Como é uma droga estimulante, vai provocar a liberação em excesso de adrenalina, noradrenalina, dopamina nas sinapses entre os neurônios. Todas essas substâncias vão fazer o organismo trabalhar mais em termos de aumento das batidas do coração, hiperventilação, sudorese, etc.

Esse aumento do gasto energético, o estresse com o tipo de vida que levam e a desnutrição crônica (o crack provoca perda de apetite) levam a pessoa a perder massa muscular, inclusive na face, o viço da pele e dos cabelos, além de causar envelhecimento precoce. Segundo Maria Thereza, o organismo do viciado passa por um processo autofágico. Um exemplo é a queda dos dentes, causada pela perda gradual de cálcio.

Como eleva a temperatura do corpo, o consumo da droga pode causar no dependente um acidente vascular cerebral. O crack também provoca destruição de neurônios e a degeneração dos músculos do corpo (rabdomiólise), o que dá a aparência característica (esquelética) ao indivíduo: ossos da face salientes, braços e pernas finos e costelas aparentes.
Maria Thereza aproveita para rebater a versão de que o crack é uma droga barata. Segundo ela, o dependente costuma consumir diversas pedras por dia:
- Para sustentar o vício, o dependente vende o que tem, rouba, larga família, trabalho. O crack consome seu usuário até o fim.

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