O ministro Dias Toffoli precisa compreender que o caminho da desonra não tem volta
Augusto Nunes |
Na tarde de 25 de junho, por exemplo, ele recebeu em seu gabinete o amigo José Luiz de Oliveira Lima, que há sete anos cuida da defesa de José Dirceu. O site do STF comunicou que, como nos demais encontros mantidos com doutores a serviço dos réus, os dois trocaram ideias sobre a AP 470, codinome em juridiquês do processo que começará a ser julgado em 2 de agosto. Se sobrou tempo, talvez tenham evocado episódios que os juntou na mesma trincheira.
Em 2005, por exemplo, quando foi contratado para tentar evitar a cassação do mandato do deputado José Dirceu, o visitante contou com a ajuda de Toffoli, que acabara de deixar o empregão na Casa Civil em companhia do chefe despejado. No processo do mensalão, Oliveira Lima já atuou em parceria com a advogada Roberta Maria Rangel, então namorada do ministro com quem vive há quase um ano.
“O ministro Dias Toffoli já julgou dois agravos regimentais nessa ação penal 470″, animou-se nesta segunda-feira Marcelo Leonardo, advogado do publicitário Marcos Valério. “Então, ele já se reconheceu habilitado a julgar”. O defensor do diretor-financeiro da quadrilha do mensalão teima em pleitear o impedimento do relator Joaquim Barbosa, mas nunca viu motivos para que Toffoli se afastasse. Faz sentido. O doutor quer um ministro fora por achar que condenará seu cliente. Quer outro dentro por ter certeza de que absolverá todo mundo.
Tal convicção se ampara no passado recente. Paulista de Marília, diplomado em 1990 pela Faculdade do Largo de São Francisco, Toffoli sonhava com a vida de juiz de direito. Tentou o ingresso na magistratura nos concursos promovidos em 1994 e 1995, Duas reprovações consecutivas, ambas na primeira fase dos exames, aconselharam Toffoli a conformar-se com a carreira de advogado do PT, anabolizada pela ficha de inscrição no partido. Nem desconfiou que começara a percorrer uma curtíssima trilha que o levaria ao Supremo Tribunal Federal.
Nos anos seguintes, foi consultor jurídico da CUT, assessor parlamentar do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, assessor jurídico da liderança do PT na Câmara dos Deputados, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência e, a partir de março de 2007, chefe da Advocacia Geral da União. Em outubro de 2009, Lula entendeu que deveria premiar com uma toga o aplicado companheiro que também chefiara a equipe jurídica do candidato nas campanhas presidenciais de 1998, 2002 e 2006.
Sem saber o suficiente para virar juiz de primeira instância, Toffoli tinha 42 anos quando se viu premiado com um cargo reservado pela Constituição a gente provida de “notável saber jurídico”. No País do Futebol, a torcida brasileira condenaria à morte na forca um treinador que ousasse transformar em titular da Seleção um jogador da categoria sub-20 reprovado em duas tentativas de subir para o time principal. No Brasil Maravilha, o presidente da República escalou um advogado para jogar no STF a favor do governo. Lula já deixou o Planalto, mas faz questão de ver seu pupilo em campo na final do campeonato que faz questão de ganhar.
Sabe-se desde o Dia da Criação que, para ser justa, uma decisão não pode agredir os fatos. Sabe-se desde a inauguração do primeiro tribunal que toda sentença judicial deve amparar-se nos autos do processo. Não pode subordinar-se a vínculos partidários, laços afetivos ou dívidas de gratidão. Caso insista em viciar o julgamento mais importante da história do Brasil com o voto que endossará a institucionalização da impunidade, Toffoli será reduzido a uma prova ambulante da tentativa de aparelhar o Supremo empreendida durante a passagem do PT pelo coração do poder.
Em princípio, o ministro ficará onde está mais 25 anos, até a aposentadoria compulsória em 2037. A Era Lula acabará bem antes. Se errar na encruzilhada, vai percorrer durante muito tempo, e sem padrinhos poderosos por perto, o caminho da desonra. É um caminho sem volta.
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