domingo, 29 de julho de 2012


Descriminalização iria multiplicar usuários de drogas, afirma Osmar Terra.

Osmar  Terra
O deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) organizou nesta semana um manifesto contra a descriminalização das drogas ilícitas que contou com a adesão dos três senadores gaúchos, de boa parte dos deputados federais do Estado, além de entidades da sociedade civil. Médico [mestre em Neurociência pela PUC-RS] e ex-secretário estadual da Saúde, Terra é autor de um projeto de lei que altera a atual legislação de drogas do país, colocando penas mais duras para o tráfico de drogas mais pesadas e a possibilidade de internação involuntária ou compulsória. O projeto está numa comissão especial da Câmara dos Deputados criada apenas para debatê-lo.

Conversou-se por cerca de 25 minutos com o deputado em uma entrevista na qual ele destaca pontos que considera importantes de seu projeto e rebate vários dos argumentos de quem defende a descriminalização das drogas. Terra diverge, por exemplo, de que o número de usuários de drogas ilícitas diminuiu nos países que as descriminalizaram. “Não sei quem inventou que liberando o uso diminui o número de usuários. Sempre aumenta o número de consumidores”, afirmou.

– O que motivou o manifesto contra a possibilidade de se descriminalizar as drogas?
Osmar Terra – Ele é uma resposta de um movimento pró-legalização do uso de drogas. A Viva Rio está botando inserts na televisão sobre isto. Um grupo de 15 juristas que está assessorando o Senado, por uma diferença de dois ou três votos, também tirou posição favorável à legalização do uso. Eu lido na área de saúde pública e sei como vai repercutir isto na saúde da população. Então, a gente começou a se mobilizar para o debate. Como eu sou autor de nova lei sobre drogas (PL 7663/2010), que é objeto de comissão especial, me sinto na obrigação de fazer este debate. Conversei com a bancada gaúcha e praticamente 80% dos deputados e os três senadores são contra a legalização do uso de drogas. Surgiu a ideia de fazer uma manifestação pública e se somaram a ela ONGs, entidades que estão preocupadas. A população vê esta campanha pela imprensa e está preocupada.

– O senhor falou que conhece a repercussão que teria sobre a sociedade descriminalizar o uso de drogas. Que repercussão seria?
Osmar Terra – Primeiro, é uma contradição. Libera, mas não libera o comércio. O cara vai comprar como? Vai ter que comprar do traficante. Vai aumentar o número de usuários geometricamente. Todos os países que liberaram tiveram este problema. Uma coisa que falta na análise pró-descriminalização é o efeito que a droga causa no organismo. Não existe crack recreativo, como não existe mais maconha recreativa. A maconha atual tem vinte vezes mais THC que a maconha do movimento hippie. O crack cria uma dependência em três vezes que se usa, no máximo, porque ele cria uma nova rede neuronal no centro de recompensa do cérebro. Por isto que é tão forte a dependência e é tão difícil terminar. Ele forma uma nova memória, de longo prazo, qualquer coisa que lembre a droga pode dar uma recaída. A pessoa vai carregar isto para o resto da vida. Estamos com um Exército de doentes crônicos. Se tu liberares, vai se multiplicar muitas vezes. E não existe cura para dependência de drogas. Com muita sorte, se consegue a abstinência.

– Um dos argumentos de quem defende a descriminalização é de que uma abordagem de assistência social ao usuário seria mais eficaz no tratamento que pela polícia. Como o senhor vê isto?
Osmar Terra – O usuário não é preso na nossa proposta, nem na lei atual. O usuário é criminalizado, não é mais réu primário, mas é punido com penas alternativas. A discussão toda é o que caracteriza o traficante e o que caracteriza o usuário. Há uma linha de defensores da legalização que diz que o usuário é aquele que carrega consigo a droga por determinado prazo. Em Portugal é dez dias, no Brasil se discutia cinco dias. É uma questão complexa de se discutir, porque o cara pode estar com uma pedrinha de crack no bolso e ser traficante. Quantificar isto não é fácil. O que os juízes têm feito, na maior parte das vezes, é definir pelo currículo do sujeito, se ele já traficou outras vezes, não pela quantidade de droga que ele carrega. Ninguém quer prender usuário, ele precisa de tratamento. Mas não dá para passar batido para o usuário, dizer que é uma coisa boa, que ele pode carregar droga sem problema nenhum.

– Esta questão de definir quem é usuário já é um problema da lei atual. Este é o mote, inclusive, da campanha da Viva Rio.
Osmar Terra – Eu acho que tem que deixar como está. É difícil de definir isto. Acho que tem que vir do bom senso do juiz. O cara pode ser usuário e estar com grande quantidade de crack, ou ser traficante e estar só com uma pedra. O que tem que ficar claro é que tem que aumentar as restrições ao álcool, ao cigarro, não descriminalizar as drogas, para diminuir o número de doentes. Minha preocupação não é com o número de presos, mas com o número de doentes. O traficante mesmo sendo pequeno – e o tráfico de crack, na ponta, é feito só por pequenos traficantes – deixa doentes crônicos uma média de 50 pessoas. Cada uma destas pessoas vai gastar muito mais, do que se gastaria com a prisão dele. O traficante solto custa oitenta vezes mais que o traficante preso.

– Um dos argumentos de quem defende a flexibilização das leis de drogas é de que a Guerra às Drogas fracassou.
Osmar Terra – Este é um velho argumento, a guerra perdida. A curiosidade de buscar o prazer é humana. Não vai zerar isto nunca. O que se pode fazer, com políticas coercitivas bem dirigidas, e com tratamento compulsório, é diminuir o número de pessoas doentes. Eu quero comparar o sistema de Portugal com o da Suécia, que têm a mesma população. A Suécia joga duro, coíbe, inclusive tem prisão para usuário, o que eu não concordo. A Suécia tem oito vezes menos dependentes em tratamento que Portugal. Não sei quem inventou que liberando o uso diminui o número de usuários. Não conheço isto em nenhum lugar do mundo, nem em Portugal, muito menos na Holanda, que agora está até restringindo os coffee shops. Sempre aumenta o número de consumidores.

– O STF deve decidir sobre a constitucionalidade da criminalização do uso. Como é que o senhor vê o uso de drogas na perspectiva do direito individual? O senhor acredita que é constitucional proibir?
Osmar Terra – Acho que é (constitucional), no sentido de que a liberdade é a consciência da necessidade – o que já diziam Hegel e Marx. Quando o sujeito fica drogado, quando para de fazer todas as coisas que fazia, trabalhar, cuidar da família, não é livre. Inclusive, está tirando a liberdade dos outros, porque alguém vai ter que sustentar ele, sustentar a família. Não existe este conceito de liberdade quando ela se transforma em um peso para família, em um ônus para um monte de gente. Não existe almoço grátis. Se ele não está trabalhando para comer, alguém está trabalhando para ele. Não se pode examinar a liberdade individual separada da liberdade dentro da sociedade. Quem defendia isto era o Bakunin, teórico do anarquismo, que é o teórico do presidente do Uruguai – o movimento tupamaro tem uma origem anarquista. Então, Bakunin dizia que a liberdade estava acima de tudo. E não é assim.

– O senhor poderia resumir os principais pontos do seu projeto de lei?
Osmar Terra – Ele muda em 33 pontos a lei atual, mas eu citaria seis pontos importantes. Primeiro, ele classifica as drogas em três níveis de dano. As drogas que causam dano mais rápido e mais mortes têm pena maior em até dois terços. Segunda mudança é a baixa involuntária. O sujeito está vendendo tudo o que tem em casa e a lei atual diz que ele tem o direito de decidir se quer ser internado. A pessoa está em tal grau de transtorno mental, que não tem condições de discernir. Então, com a família pedindo e o médico determinando ele é internado. Terceiro ponto importante: coloca na rede de atendimento todas as estruturas que hoje não são reconhecidas, como as comunidades terapêuticas. O que eu proponho é que, desde que sigam critérios técnicos e científicos adequados, elas sejam financiadas com recursos públicos, o que aumenta a rede de atendimento. O quarto ponto é dar isenção fiscal às empresas que derem emprego aos dependentesem recuperação. O Governo estabeleceria qual seria o incentivo. Outro ponto importante é um sistema de monitoramento, porque inúmeros tipos de tratamento são praticados e boa parte deles sem comprovação de resultado. Então, se faz um sistema de acompanhamento de todos os centros de atendimento e se propõe protocolos científicos. Hoje, tu vais a um CAPS Álcool e Drogasem Novo Hamburgo e ele faz coisas completamente diferentes de um CAPS em Goiânia. Isto não pode ficar solto. Todo mundo tem que seguir uma regra. Além disto, coloco a responsabilização civil dos gestores. Todos os governos têm que estar com programas em andamento.

– A questão do álcool não é uma contradição da legislação atual? Uma droga que causa mortes no trânsito e altamente destrutiva para o próprio consumidor e que tem um tratamento diferenciado, não é criminalizada.
Osmar Terra – Tem uma coisa histórica em relação a isto, mas também tem que ser gradualmente restringida. Eu acho que, em vez de liberar as drogas, tu tens que restringir. Tem que manter a criminalização das ilegais e restringir as legais. Usar o álcool e cigarro para dizer que tem que liberar o resto, vai causar um aumento do consumo das outras. Hoje, 1% da população brasileira usa crack. Se liberar inclusive o comércio do crack vai chegar a 18%, que é o número de usuários de cigarro, no mínimo.

– O caminho contrário, de criminalizar o cigarro e o álcool, não seria possível?
Osmar Terra – Acho que é possível restringir, quem sabe no futuro discutir se é crime ou não é crime. A Suécia tem uma maneira diferente de tratar isto. Hoje, para vender bebida alcoólica lá há uma concessão pública, não é vendido em supermercado, não é qualquer lugar que vende. Tem alguns lugares em que é feita a venda e as pessoas que compram são cadastradas. Se a pessoa compra de novo, na mesma semana, uma quantidade de álcool, ela chamada a explicar por que está tomando tanto álcool, se ela quer se tratar. É uma maneira que eles têm. Acho que temos que ir no sentido de restringir o máximo que a gente puder. A experiência de quem restringiu é de que tem menos gente doente, internada, menos jovens morrendo, menos gente com retardo mental – que as drogas causam também.

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