Clóvis Rossi
Mas não estamos falando do Brasil e, sim, do Chile. Aliás, os estudantes chilenos de 15 anos ficaram no primeiro lugar na América Latina, no mais recente exame internacional comparativo, o Pisa, conforme lembrou ontem, em "El País", o colunista Andrés Oppenheimer.
Esses números indicam que são ingratos os estudantes chilenos, que não saem das ruas há meses, reclamando educação pública gratuita e de qualidade? Não. Indicam duas coisas, a saber:
1 - O chileno, ao contrário do acomodado brasileiro, é um bicho afeito à mobilização desde sempre.
2 - O sistema educacional chileno nem é público nem é gratuito nem é de qualidade.
O Chile, como o Brasil, resolveu o problema da quantidade (conseguiu universalizar o acesso ao ensino básico), mas não o da qualidade: 40% dos alunos deixam o ensino fundamental sem entender o que leem (como no Brasil).
Vale o mesmo raciocínio para a universidade. No modelo chileno, o Estado praticamente afastou-se do ensino superior, limitando-se a financiar as escolas privadas para que aceitem o maior número possível de alunos.
Em consequência, a metade praticamente dos jovens em idade universitária está na escola superior, índice melhor do que o de quase todos os vizinhos.
Mas a legislação é frouxa no que tange ao controle da qualidade do ensino (como no Brasil).
Pior: o custo é o mais elevado da América Latina, o triplo do italiano, 19 vezes maior do que o francês, conforme os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o que levou o endividamento (do estudante e de sua família, avalista do débito durante a graduação) a um ponto insuportável e empurrou a moçada para a rua.
Em um país em que o salário médio (não o mínimo) equivale a R$ 1.755, os jovens desembolsam entre R$ 580 e R$ 1.370 mensais conforme o curso escolhido.
Consequência inescapável: 70% dos estudantes estão endividados e 65% dos mais pobres interrompem os estudos sufocados por problemas financeiros insuperáveis.
Os custos levam ainda à reprodução, no acesso à universidade, da desigualdade que existe no conjunto da sociedade (como no Brasil, aliás): entre os 10% mais pobres, só 16% conseguem chegar ao ensino superior, ao passo que, nos 10% mais ricos, a taxa é de 61%.
Tudo somado, fica evidente que a América Latina tem um nó formidável na educação, posto que há deficiências colossais nos dois modelos (o público gratuito do Brasil, complementado por proliferação descontrolada do ensino privado, e a escola privada financiada pelo Estado, como no Chile, também com setor estritamente privado igualmente sem controle de qualidade).
O que surpreende, pois, não é que os jovens chilenos ganhem a rua, mas que os brasileiros só o façam para reivindicar meia entrada.
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