sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016


Todos aceitam trégua na Síria
mas ninguém garante o seu cumprimento



Membros do Crescente Vermelho Sírio retira um ferido depois dos ataques em Duma


Intensos bombardeamentos visam rebeldes em várias zonas do país antes da prevista entrada em vigor de uma “cessação das hostilidades” entre o regime e os grupos de opositores armados.
Quase cem facções rebeldes comprometeram-se a cumprir uma trégua de duas semanas na Síria, com a oposição a avisar o regime de Bashar al-Assad e os seus aliados para não atacarem estes grupos a pretexto do combate ao terrorismo. Foi precisamente isso que aconteceu na última noite antes da entrada em vigor desta cessação de combates, com a aviação russa e o Governo a lançarem violentos bombardeamentos em diferentes partes do país.
Negociada pelo Grupo Internacional de Apoio à Síria, copresidido por Estados Unidos e Rússia, a trégua exclui a luta contra organizações rotuladas pelas Nações Unidas como terroristas. Para além do autodesignado Estado Islâmico, enumera-se a Frente al-Nusra (que apelou aos rebeldes para não cumprirem “esta trégua humilhante”), considerado o ramo da Al-Qaeda na Síria mas cujos combatentes integram diferentes coligações com rebeldes considerados moderados e interlocutores legítimos por parte de Washington.
O Presidente russo, Vladimir Putin, prometeu prosseguir a sua “luta implacável” contra estes dois grupos e “outras organizações terroristas” que não identificou, dizendo esperar que os Estados Unidos e os países da coligação internacional que estes formaram estejam empenhados em fazer o mesmo. Moscou garante ter atacado apenas “grupos terroristas” nos últimos dias e tinha-se comprometido a não atacar outras forças, mas continuou a fazê-lo.
De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG próxima da oposição, “de noite e durante a manhã houve ataques russos mais intensos do que o habitual nos bastiões rebeldes de Ghuta Oriental, no Leste de Damasco, no norte da província de Homs [Centro do país] e no ocidente da província de Alepo”, a grande cidade do Norte. O próprio Exército sírio “bombardeou violentamente Duma [principal cidade da região de Ghuta] com foguetes”.
Várias pessoas da mesma família, incluindo crianças, foram mortas em Duma e “há muitos feridos em estado crítico ou debaixo dos escombros”, disse Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório. “É como se eles [russos e regime] quisessem subjugar os rebeldes nestas regiões ou marcar pontos antes da trégua.” Os ataques visaram ainda Jobar, bairro nos subúrbios da capital, e Daraya, uma cidade também perto de Damasco.
Num comunicado, o Alto Comitê de Negociações, que incluiu os principais grupos da oposição, confirmou “o acordo das facções do Exército Livre da Síria [primeiro e maior grupo armado de opositores] e da oposição a uma trégua temporária a partir da meia-noite de sábado” (horário local), num total de “97 facções”. O texto refere as duas semanas previstas e diz que uma comissão militar presidida pelo coordenador deste comitê, Riad Hijab, vai “seguir e acompanhar a aplicação” da trégua.

Dúvidas turcas — O Comitê de Negociações avisou ainda o Governo e os seus aliados para não usarem “o acordo para continuarem as operações hostis contra as facções da oposição com a desculpa de combaterem o terrorismo”.
O Kremlin já garantira que o regime aceita a trégua e o mesmo fizeram os líderes do principal grupo armado curdo, as Unidades de Proteção do Povo (YPG). O Governo turco, que integra o Grupo Internacional de Apoio à Síria, também diz que vai parar com os ataques que lançou há quase duas semanas contra os curdos sírios mas diz ter muitas dúvidas que Damasco e Moscou cumpram o acordado. E reserva-se o direito de voltar a visar a milícia curda “na fronteira se a solução piorar”.
Num conflito que se arrasta há quase cinco anos sem qualquer trégua, com centenas de milhares de mortos e quase 5 milhões de refugiados, e onde hoje há uns estimados 160 grupos envolvidos em confrontos, ninguém tem certezas sobre o que acontecerá no terreno.
A ideia é que uma diminuição da violência permita levar ajuda a sírios que dela necessitam — 13,5 milhões, segundo a ONU precisam de proteção e assistência — e que estão em zonas sitiadas ou de difícil acesso. Idealmente, estas semanas de trégua deveriam ainda abrir caminho ao reinício de negociações políticas entre o regime e a oposição — as conversações que começaram no início de Janeiro foram interrompidas por causa da ofensiva de Assad contra Alepo.




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