João Santana vai admitir que recebeu dinheiro ilegalmente no exterior
O marqueteiro João Santana, após ser preso na Operação Lava Jato |
O publicitário João Santana, que se entregou à Polícia Federal na manhã
de terça-feira (23.fev.2016) em São Paulo, vai confessar que recebeu
recursos irregulares no exterior.
O marqueteiro vai ressaltar que nenhum centavo que entrou na sua conta na Suíça teve origem nos trabalhos que prestou para o PT.
Santana atuou em três campanhas presidenciais: na de Lula em 2006 e nas
de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Também trabalhou na eleição do
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2012.
Entre 2002 e 2014, a sua empresa, a Polis, recebeu R$ 229 milhões por trabalhos prestados ao partido.
A confissão de Santana é uma tentativa de se livrar das acusações mais
graves que pesam contra ele e sua mulher, a publicitária Mônica Moura,
também presa pela PF na manhã de terça-feira (23.fev.2016).
O marqueteiro deve prestar depoimento à PF de Curitiba nesta quarta-feira (24.fev.2016).
A investigação suspeita que os recursos depositados para Santana foram desviados da Petrobras.
O casal estava na República Dominicana, onde atuavam na campanha de
reeleição do presidente, Danilo Medina. Ao chegarem a São Paulo em voo
de carreira, foram presos e levados para Curitiba, sob custódia da PF.
Mônica está em cela separada do marido. Há na carceragem outras duas
mulheres: Nelma Kodama, doleira e operadora do esquema de desvio de
recursos, e Iara Galdino, braço direito de Nelma. Além de Santana, estão
presos no local o empreiteiro Marcelo Odebrecht, o doleiro Alberto
Youssef e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
O casal foi preso sob acusação de ter recebido US$ 7,5 milhões
ilegalmente no exterior, segundo o decreto de prisão do juiz Sergio Moro
na 23ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Acarajé porque este
seria o código que funcionários da Odebrecht usavam para designar
propina.
A Odebrecht, de acordo com a investigação da PF, foi responsável pelo
pagamento de US$ 3 milhões, enquanto o lobista Zwi Skornicki, que também
foi preso, cuidou da remessa de US$ 4,5 milhões.
Ao decretar a prisão do casal, Moro apontou "os pagamentos da Odebrecht a
Santana seriam doações eleitorais sub-reptícias", ou seja, caixa dois
de campanha.
Santana vai reconhecer o caixa dois, mas deslocará a suspeita para
outros países nos quais fez campanha, como Argentina e El Salvador.
Nestes locais, a Odebrecht tem diversos interesses.
Por causa do sucesso que obteve no Brasil, Santana fez nos últimos anos
mais campanhas presidenciais fora do país do que aqui: foram seis em
países da América Latina contra três no Brasil.
Segundo investigadores ouvidos pela reportagem, as transferências de
Skornicki são o indício mais forte de ligação com a campanha de Dilma.
Ex-representante do estaleiro asiático Kepel Fels no Brasil, o lobista
não tinha atividade que justificasse os pagamentos ao marqueteiro,
feitos entre setembro de 2013 e novembro de 2014, pouco depois do
segundo turno da reeleição da presidente.
CRIME MENOR — O total de US$ 7,5 milhões foi recebido por meio de uma
empresa offshore que Santana abriu no Panamá, a Shellbill, a qual tinha
conta num banco suíço, o Heritage. Tanto a empresa panamenha quanto a
conta na Suíça não foram declaradas à Receita Federal. Ainda não está
decidido se Santana apontará a origem dos recursos.
O recebimento fora do país, sem declaração à Receita, pode configurar
crime de evasão de divisas, com pena de de dois a seis anos de prisão.
Três especialistas ouvidos pela reportagem em condição de anonimato
afirmam que o marqueteiro só poderá ser acusado de lavagem de dinheiro
se ficar provado que sabia que os recursos tinham origem ilícita.
A pena de lavagem varia de três a dez anos de reclusão, mais multa. Na
interpretação de advogados ouvidos pela reportagem, seria melhor ser
acusado de evasão do que de lavagem por causa da pena menor para o
primeiro crime.
Procurada, a Odebrecht afirma que colabora com as investigações.
Receita aponta divergências em Imposto de Renda de João Santana
Um relatório da Receita Federal na Operação Acarajé, 23ª fase da
Operação Lava Jato que teve por foco o marqueteiro João Santana,
contratado das duas campanhas eleitorais da presidente Dilma Rousseff,
apontou "incompatibilidades" e "divergências" em declarações de Imposto
de Renda do publicitário.
O trabalho também levantou indício de "variação patrimonial a
descoberto" em três anos. O patrimônio do marqueteiro saltou de R$ 1,9
milhão, em 2004, para R$ 66,7 milhões em 2014, em valores atualizados
pelo IPC-A.
O crescimento decorre do pagamento de lucros e dividendos feito por duas
empresas de Santana, a Polis Propaganda e a Santana & Associados.
O relatório da Receita levantou os problemas ao comparar movimentação
bancária, transações imobiliárias e gastos com cartão de crédito de
Santana e de sua mulher, Mônica, com as declarações prestadas ao fisco.
Para a Receita, nos anos de 2010, 2011 e 2014, o crescimento dos bens de
Santana "não tem correspondente nos valores" que transitaram em suas
contas bancárias.
Segundo o relatório, de 2006 a 2014 "pode-se verificar, em tese,
incompatibilidade, ou seja, a movimentação financeira muito inferior aos
recursos declarados".
Em 2012, por exemplo, Santana não apresentou "nenhuma movimentação financeira", mas declarou rendimentos de R$ 7,8 milhões.
Houve divergências entre as diversas declarações analisadas. Em 2013,
Santana declarou ter recebido da Polis R$ 35,4 milhões em lucros e
dividendos, porém ela não declarou nenhum pagamento aos sócios, diz a
Receita.
A Receita apontou que Santana apresentou "valores elevados" nos gastos
com cartão de crédito em 2011 e 2012, respectivamente R$ 328 mil e R$
520 mil, porém "baixa ou nenhuma movimentação financeira".
"Portanto, estes valores não estão circulando pela conta bancária do contribuinte [Santana]", diz a Receita.
A Receita constatou ainda que Mônica declarou ter adquirido um veículo
Ranger Rover no valor de R$ 365 mil com pagamento à vista, porém não há
registro de saída desses recursos de suas contas bancárias.
Além disso, Mônica Moura declarou em 2011 ter recebido um empréstimo de
R$ 2 milhões do marido, porém a movimentação nas contas do marqueteiro
não indica o valor.
O relatório pede um aprofundamento da apuração sobre Santana e sua
empresa Polis e observa que os achados da análise "merecem confirmação"
por parte do setor de fiscalização, por meio de procedimento
administrativo fiscal, no qual Santana terá a oportunidade de apresentar
documentos que embasaram sua declaração.
"As informações prestadas pelo contribuinte e empresa são divergentes e
não conclusivas, somente uma ação fiscal poderá verificar a veracidade
das informações prestadas pelo contribuinte e pela Polis", diz o
relatório.
Uma confirmação das supostas irregularidades pode acarretar multas e outras medidas judiciais.
SALTO — O crescimento do patrimônio de Santana foi 432% maior em apenas
dois anos, 2013 e 2014, na comparação com os nove anos anteriores. No
biênio, Santana incorporou R$ 67 milhões ao seu patrimônio, em valores
atualizados pela reportagem, segundo o relatório da Receita.
Entre 2004 e 2012, o crescimento médio patrimonial de Santana foi de R$
1,2 milhão por ano. No biênio 2013-2014, porém, esse número passou a R$
29 milhões, em valores atualizados.
O motivo para esse salto, segundo a Receita, foi o pagamento pela Polis
de lucros e dividendos — R$ 33,7 milhões anuais em média no biênio,
contra R$ 3,2 milhões nos anos anteriores. Não se sabe o motivo de a
Polis ter feito pagamentos em massa.
OUTRO LADO — Em nota, a assessoria do publicitário João Santana disse
que dividendos pagos a ele "são provenientes de receitas geradas pela
prestação de serviços em campanhas eleitorais realizadas com sucesso e
[sobre] todos os valores foram devidamente emitidas as notas fiscais".
Segundo a assessoria, "todos os tributos incidentes nas operações foram
devidamente apurados e pagos, cumprindo rigorosamente todos os trâmites
legais da Receita Federal".
O salto patrimonial registrado por Santana entre 2013 e 2014 deveu-se,
segundo a assessoria, ao trabalho em eleições naqueles anos. Os
dividendos pagos pela Polis foram de R$ 36,6 milhões em 2013 e de R$
21,9 milhões em 2014, conforme a assessoria.
A nota não fez comentários sobre as supostas irregularidades apontadas em relatório da Receita Federal na Operação Acarajé.
Bilhete de mulher de marqueteiro preocupa governo e PT
Bilhete de Mônica Moura apreendido pela Polícia Federal |
Uma das maiores apreensões do governo Dilma e do PT em relação à nova
fase da Lava Jato é a situação da mulher de João Santana, Mônica Moura,
por causa do bilhete enviado ao lobista Zwi Skornicki dando orientações
sobre como enviar pagamento a ela no exterior.
Na avaliação de assessores presidenciais e de petistas, o bilhete virou
uma "arma" da Polícia Federal contra o casal e pode ser visto "quase
como uma confissão de algum tipo de ilegalidade".
Um interlocutor do Planalto disse que antes será preciso aguardar as
explicações de Mônica para o bilhete onde diz, por exemplo, "apaguei,
por motivos óbvios, o nome da empresa. Não tenho cópia eletrônica, por
segurança".
Dentro do governo, o discurso continua sendo o de que, em relação à
campanha de Dilma em 2014, nada será encontrado de ilegal nos pagamentos
a João Santana.
O problema, admitem assessores, é como Mônica Moura vai explicar por que
estava tratando de uma remessa de dinheiro ao exterior com um
representante no Brasil de um estaleiro.
Segundo a PF, o casal recebeu do lobista US$ 4,5 milhões e US$ 3 milhões da Odebrecht em contas no exterior.
Em relação aos pagamentos da empreiteira, petistas e auxiliares
presidenciais dizem que tudo indica serem relacionados a campanhas que
João Santana faz em países nos quais a empresa desenvolve obras e
serviços.
Aí, afirmam, se houve alguma irregularidade, não se refere a campanhas realizadas por ele no Brasil.
Dentro do governo, é lembrado que Mônica Moura possui temperamento forte
e não tem o estilo de quem irá proteger alguém se algo de ilegal foi
cometido nos pagamentos recebidos no exterior.
Interlocutores de João Santana disseram que, seguramente, ele não tinha
nenhuma relação com o esquema de desvio montado dentro da Petrobras e
deve ter uma boa explicação para os recursos recebidos lá fora.
A dúvida, dizem, é se Santana e sua mulher foram levados a receber recursos de pessoas envolvidas em corrupção na Petrobras.
Além da nova fase da Lava Jato, o Palácio do Planalto também está
apreensivo em relação ao processo de delação dos executivos da
construtora Andrade Gutierrez.
Os depoimentos devem começar nesta semana e informações preliminares
indicam que podem tratar de doações feitas pela empreiteira para a
campanha de Dilma.
Nas palavras de um auxiliar, tudo indica que o governo Dilma não terá
refresco nas próximas semanas, o que irá contribuir para deixar mais
tenso o clima político.
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