sábado, 20 de fevereiro de 2016





Correspondência revela relação ‘intensa’ de
João Paulo 2º com filósofa




O cardeal Wojtyla e Anna-Teresa Tymieniecka em um acampamento em 1978


Centenas de cartas e fotos contam a história de uma relação próxima entre o papa João Paulo 2º e uma mulher casada, que durou mais de 30 anos.
Uma reportagem da televisão britânica BBC teve acesso a parte da correspondência trocada entre o papa e a filósofa polonesa naturalizada americana Anna-Teresa Tymieniecka, que foram mantidas em segredo por anos pela Biblioteca Nacional da Polônia.
Os documentos revelam uma face pouco conhecida do pontífice, que morreu em 2005.
Não há sugestão de que o papa tenha quebrado seu celibato.
Anna-Teresa Tymieniecka 
na época em que conheceu o cardeal Wojtyla
Quando ambos se conheceram, em 1973, o então cardeal Karol Wojtyla era arcebispo de Cracóvia. Como ele, Tymieniecka era polonesa e tinha vivido a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra ela foi estudar no exterior e veio a desenvolver carreira como filósofa nos Estados Unidos, onde se casou e teve três filhos.
Tymieniecka contatou o futuro papa sobre um livro de filosofia que ele havia escrito. Ela então viajou dos EUA até a Polônia para discutir o trabalho.
A troca de cartas começou pouco depois. As cartas do cardeal eram formais no começo, mas se tornaram mais íntimas à medida que a amizade crescia.
A dupla decidiu trabalhar em uma versão ampliada do livro do cardeal The Acting Person (Pessoa em ação, em tradução livre). Eles se encontraram por muitas vezes — às vezes com a secretária de Wojtyla presente, às vezes a sós — e se corresponderam frequentemente.
Em 1974, ele escreveu que estava relendo quatro cartas de Tymienkiecka escritas em um mês porque eram "significativas e profundamente pessoais".



Anna-Teresa Tymieniecka e o então cardeal Wojtyla em 1977


No verão de 1976, o cardeal Wojtyla liderou uma delegação de bispos poloneses em um grande encontro católico nos EUA, e Anna-Teresa Tymieniecka o convidou a ficar na casa de campo da família na pequena cidade de Pomfret, em Vermont. Era o tipo de vida na natureza que o papa adorava, e as fotos feitas à época mostram o futuro papa relaxado e descontraído.
Ela aparentemente revelou sentimentos fortes pelo papa porque as cartas escritas por Wojtyla logo depois sugerem um homem lutando para definir em termos cristãos a amizade que mantinham.
Em setembro de 1976, ele escreve: "Minha querida Teresa, recebi todas as três cartas. Você escreve sobre estar arrasada, mas não consegui encontrar resposta a essas palavras."
Ele a descreve como um "presente de Deus".



Wojtyla gostava de atividades ao ar livre


"Aqui temos uma das grandes figuras públicas transcendentais do século 20, o chefe da Igreja Católica, em uma relação intensa com uma mulher casada", diz Eamon Duffy, professor de história do cristianismo na Universidade de Cambridge.
A reportagem da televisão britânica BBC não teve acesso às cartas escritas por Tymienkiecka. Acredita-se que cópias tenham sido incluídas no arquivo da filósofa que foi vendido à Biblioteca Nacional da Polônia em 2008, seis anos após a morte dela. Mas elas não estavam lá quando a BBC consultou o arquivo. A biblioteca não confirmou a posse das cartas de Tymienkiecka.
Marsha Malinowski, uma comerciante de manuscritos raros que negociou a venda das cartas, diz acreditar que Tymienkiecka tenha se apaixonado pelo cardeal Wojtyla logo no começo do relacionamento entre os dois. "Acho que isso se reflete completamente na correspondência", afirmou à BBC.



O escapulário dado pelo pontífice a Tymieniecka


As cartas revelam que o cardeal deu a Tymienkiecka um de seus objetos mais preciosos, um escapulário — um colar de devoção com dois quadrados pequenos, geralmente de pano.
Em uma carta de 10 de setembro de 1976, ele escreveu: "No ano passado já estava buscando uma resposta a essas palavras: 'Eu pertenço a você', e finalmente, antes de partir da Polônia, encontrei uma maneira, um escapulário. A dimensão na qual aceito e sinto você em todo lugar em todos os tipos de situações, quando você está perto e quando está distante."
Após tornar-se papa, ele escreveu: "Estou escrevendo após o evento, para que a correspondência entre nós continue. Prometo que me lembrarei de tudo nesse novo estágio da minha jornada".
O cardeal Wojtyla tinha várias amigas, entre elas Wanda Poltawska, psiquiatra com quem trocou cartas por décadas.
Mas suas mensagens a Tymienkiecka às vezes são muito mais intensas, e em alguns pontos lutavam com o sentido da relação que mantinham.
João Paulo 2º foi diagnosticado com mal de Parkinson no começo dos anos 1990, e passou a ficar cada vez mais isolado no Vaticano. Anna-Teresa Tymieniecka o visitava com frequência, e mandava flores e fotos de sua casa em Pomfret.
Após a última visita dele à Polônia, ele escreveu: "Nosso lar comum; tantos lugares onde nos encontramos, onde tivemos conversas tão importantes para nós, onde vivenciamos a beleza da presença de Deus".
O marido de Tymienkiecka, Hendrik Houthakker, era um conhecido economista de Harvard. Após a queda do comunismo, ele aconselhou João Paulo 2º sobre a economia dos países do leste europeu, e o papa o homenageou pelos serviços prestados.
O papa João Paulo 2º morreu em 2005, depois de um pontificado de quase 27 anos. Em 2014 ele foi declarado santo.



O papa no Vaticano com Anna-Teresa Tymieniecka


Canonização — O processo de canonização costuma ser longo e custoso, mas o de Wojtyla levou apenas nove anos.
Normalmente o Vaticano requisita todos os escritos públicos e privados quando avalia um candidato a santo, mas a BBC não conseguiu confirmar se a correspondência com Tymieniecka foi examinada.
A Congregação para as Causas dos Santos, órgão do Vaticano responsável pelas canonizações, disse que cabe aos fieis católicos decidir sobre o envio de documentos úteis aos processos.
"Todas nossas tarefas foram cumpridas", informou o órgão, em nota. "Todos os documentos privados enviados por fieis e documentos localizados em importantes arquivos foram estudados."
Para a Biblioteca Nacional da Polônia, não foi uma relação única. A instituição diz que foi apenas uma entre várias amizades próximas que o papa teve durante sua vida.

As cartas — Estas cartas "são a janela mais extraordinária sobre a vida privada de uma das pessoas mais famosas da História", afirma o jornalista Edward Stourton, que descobriu as cartas, no programa Panorama da BBC.
Mais de 350 cartas escritas por João Paulo 2º à americana de origem polonesa Anna Teresa Tymieniecka foram encontradas na biblioteca polonesa.
"Eram mais que amigos, mas menos que amantes", afirma Stourton, que insiste que não encontrou nas cartas nenhuma prova de que João Paulo 2º tenha rompido o voto de castidade.
A correspondência mostra "um combate para conter o que era certamente uma relação muito intensa", acrescenta o jornalista.
A primeira carta está datada em 1973, ano do encontro entre Anna Teresa Tymieniecka e Karol Wojtyla, futuro João Paulo 2º.
A última carta foi escrita meses antes da morte de João Paulo 2º, ocorrida em 2 de abril de 2005.

Paixão antiga — Para o sacerdote polonês Adam Boniecki, que conviveu com João Paulo 2º, é possível que Anna Tymieniecka tivesse sido apaixonada por Karol Wojtyla antes de ele se tornar Papa.
"Tymieniecka traduziu para o inglês um dos livros de Karol Wojtyla e o tornou conhecido nos meios universitários americanos. Mas esta tradução gerou tensões entre eles", recorda o sacerdote polonês Adam Boniecki, que conviveu com João Paulo 2º.
"Se estava apaixonada pelo cardeal Wojtyla, não era a única", observa Boniecki, autor de "Kalendarium", uma crônica diária que detalha a vida do papa.


Papa Francisco defende o Papa João Paulo 2º e diz que amizade
com uma mulher não é pecado — Papas podem ter amizade
'saudável e santa' com mulheres, diz Francisco


Referindo-se ao relacionamento de João Paulo 2º com uma filósofa, pontífice disse que os conselho femininos são importantes.
Questionado sobre relatos da amizade entre o papa João Paulo 2º com a filosófica Anna-Teresa Tymieniecka, o papa Francisco afirmou que mesmo papas precisam das mulheres, e ainda que podem manter com elas uma relação de amizade "saudável e santa".
Na segunda-feira (15.fev.2016), a Biblioteca Nacional da Polônia anunciou que cartas trocadas entre João Paulo 2º e Anna-Teresa sugerem que ela foi apaixonada por Karol Wojtyla, mas que este manteve a relação em um nível de amigável e intelectual.
Francisco disse que sabia da amizade entre os dois e, em geral, qualquer homem que não consegue estabelecer uma relação amigável com uma mulher "está perdendo algo".
"Eu tinha conhecimento dessa relação de amizade do papa São João Paulo 2º e desta filósofa quando estava em Buenos Aires. Era uma coisa que se sabia inclusive nos seus livros. João Paulo 2º era um homem inquieto", explicou Francisco aos 76 jornalistas que com ele viajavam no avião papal no regresso a Roma depois de uma visita ao México.



Francisco defende amizade saudável de papas com mulheres


O pontífice disse que ele mesmo dá valor aos conselhos femininos, uma vez que as mulheres "enxergam as coisas de forma diferente" dos homens.
"A amizade com uma mulher não é um pecado, é uma amizade", disse. "Uma relação amorosa com uma mulher que não é sua esposa, isto é um pecado. Entende?"
"Mas o papa é um homem", continuou. "E o papa, também, tem um coração que pode ter uma amizade saudável, santa, com uma mulher", disse Francisco.
O pontífice reconheceu, no entanto, que a questão da mulher ainda é mau resolvida dentro da Igreja.
"Nós não temos compreendido o bem que uma mulher pode fazer pela vida de um padre e pela Igreja no sentido do aconselhamento, da ajuda, da amizade saudável", disse.
Logo que foi nomeado, o pontífice afirmou que a Igreja precisa de mais mulheres em postos de comando. Três anos depois, no entanto, poucas foram nomeadas para altos cargos no Vaticano. Francisco também descartou a possibilidade de ordenação de mulheres e, em algumas ocasiões, emitiu declarações que provocaram polêmicas com o público feminino.



Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, beija a mão do Papa João Paulo 2º
durante uma cerimônia no Vaticano


Apesar de o conteúdo só ter sido revelado agora, a troca de mensagens entre João Paulo 2º com a filosófica Anna-Teresa Tymieniecka era conhecida no Vaticano — e não são as primeiras do Pontífice com mulheres.
As correspondências iniciaram-se em 1973, quando João Paulo 2º era o arcebispo de Cracóvia. A primeira carta enviada pela polaca-norte-americana tinha como objetivo o debate sobre um livro publicado pelo religioso. Desde então, uma série de documentos foram trocados entre os dois e vários encontros para debates filosóficos foram feitos. Os primeiros escritos apontam uma comunicação “mais formal”, que foram ficando mais “íntimas” ao longo do tempo, segundo a emissora britânica.






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