segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


Cidade na Dinamarca oferece a radicais programa de reabilitação
Iniciativa foi criada depois que 30 jovens muçulmanos de Aarhus viajaram para a Síria em 2013.
Extremistas recebem atendimento psicológico e ajuda para retomarem estudos ou trabalho, mas são monitorados.


Em meados de 2013, o dinamarquês Mohamed, 25, viajou às cidades sírias de Idlib e Aleppo para se juntar a grupos extremistas islâmicos. Dois meses depois, voltou para casa, em Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca.
"Decidi fazer a viagem por causa da opressão do regime de Bashar al-Assad contra inocentes sírios, mas retornei porque vi que não podia ajudar como imaginava", disse Mohamed.
Ele não revela o sobrenome, nem permite que sejam feitas imagens. Não quer ser identificado como alguém que foi para a "jihad", a guerra sagrada dos muçulmanos.
Mohamed integra um programa de reabilitação de jihadistas criado em 2014 em Aarhus para "desradicalizar" jovens como ele e evitar que outros tracem a mesma rota.
Essa "segunda chance" surgiu após o serviço de inteligência de Aarhus descobrir que 30 jovens muçulmanos haviam viajado para a Síria em 2013 - número considerado alto em uma cidade de cerca de 300 mil habitantes.
Desses 30, 22 frequentavam a mesma mesquita, num bairro na periferia onde vive a comunidade islâmica.
O centro recebeu um ultimato das autoridades: deveria ajudar a conter o fluxo e combater o extremismo ou correria risco de ser fechado.
"Eu não tenho aeroporto. A polícia sabe por onde eles foram. Não temos responsabilidade pela viagem", disse Oussama el-Saadi, palestino que comanda a mesquita.
Ele diz reconhecer oito desses 22. A maioria, entre 18 e 25 anos, foi combater o regime do ditador Bashar al-Assad, e cinco morreram, segundo as autoridades da Dinamarca.

REINSERÇÃO
O movimento criou um impasse: a legislação dinamarquesa não restringe que um cidadão viaje àquela região e muito menos que retorne ao território dinamarquês.
Então como lidar com riscos de atos de extremismos se eles decidirem voltar para casa? A solução foi um programa para "desradicalizá-los" e reinseri-los na sociedade.
"Uma alternativa é não fazer nada, o que pode ser um risco à sociedade. O que podemos fazer para reduzir esse risco? Ajudá-los no retorno", disse Jorge Ilum, diretor-geral da polícia de Aarhus.
O programa é uma parceria entre a prefeitura e a polícia, com a colaboração de uma universidade e sem custo para o jihadista.
É um projeto impensável em países como Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Espanha e França, que têm buscado aumentar o controle e barrar o retorno de quem buscou o caminho do conflito no Oriente Médio - e se possível, prendê-lo.
Recentemente, um brasileiro de 18 anos foi preso pela Interpol na Bulgária a caminho da Síria. É acusado na Espanha de integrar a facção radical Estado Islâmico (EI).

RESULTADOS
Ao que parece, a iniciativa na Dinamarca tem dado resultado: em 2014, segundo o governo local, apenas um jovem de Aarhus foi para a Síria.
Pelo menos 16 dos 30 que viajaram em 2013 regressaram à cidade no ano passado, parte porque soube do programa por meio de parentes.
"O programa não é uma loja de presentes para eles. É também uma maneira possível de criar estabilidade e segurança para a sociedade local", afirmou à reportagem Toke Agerschou, chefe da secretaria de jovens da cidade.
Os dados e nomes deles são tratados com sigilo. De maneira privada, jovens e a família recebem atendimento psicológico, em parceria com a Universidade de Aarhus, e orientações para não retornar ao conflito.
Ainda são auxiliados a retomarem estudos e empregos, sem necessariamente revelar o passado. E, claro, são monitorados.
"Nós dizemos a eles: Sabemos onde vocês estão'", diz o diretor da polícia.
Além disso, reuniões abertas são realizadas com outros jovens, algumas na mesquita de El-Saadi, para discutir o radicalismo - sem entrar no mérito da crença religiosa, enfatizam as autoridades.
A lei dinamarquesa permite prendê-los e processá-los só se houver indícios de que praticaram atos terroristas ou assassinatos durante a estada na Síria.
Os que retornaram, entre eles Mohamed, negam isso e a polícia até agora não encontrou provas que os incriminem. "Não é justo achar que todos que vão para lá querem lutar", diz o jovem.
O chefe da mesquita frequentada por ele, porém, admite: "Alguns contam que vão por motivos humanitários e lá dizem: Ok, podemos entrar na luta também'".

Chefe de mesquita diz cooperar com ação para recuperar jovens
Centro é apontado como origem da radicalização dos muçulmanos
Chefe da mesquita apontada como origem do radicalismo dos jovens de Aarhus, Oussama el-Saadi diz que o programa de reabilitação é positivo e que tem colaborado com a iniciativa da prefeitura ao abrir a mesquita ao debate.
Até agora, segundo ele, foram sete os encontros desse tipo. "Aqui é uma casa aberta, recebemos todo mundo. Não conhecemos todos, qualquer um pode entrar e sair. Às sextas-feiras temos entre 500 e 1 mil pessoas", afirmou, em entrevista concedida na mesquita.

Como a mesquita participa do programa de reabilitação?
Oussama El-Saadi - Nós intermediamos o contato. Num primeiro momento, os jovens não gostam de encontrar a polícia, que pediu para ajudá-la. Nós organizamos reuniões, algumas fechadas, só com os que viajaram, outras abertas, com outros jovens.

Por que considera injusta a ligação da sua mesquita com as viagens?
Oussama El-Saadi - Nós falamos para a polícia: Se você quer que ajudemos, precisam concordar que somos parte dessa sociedade'. Nós vivemos num país livre, temos o direito de ter religião, de ter um pensamento. Nós acreditamos que a violência não é o caminho.
Não fazemos um discurso para as pessoas irem para lá, mas somos muçulmanos e sentimos por nossos irmãos na Síria e conversamos abertamente sobre isso, sobre o regime do [ditador Bashar] al-Assad, como derrubá-lo.

O senhor acredita que o programa é positivo?
Oussama El-Saadi - Eu acho que todos os países deveriam ter isso, mas não só centrado nos muçulmanos. Na Dinamarca temos centenas de judeus indo para Israel, e ninguém fala disso, temos muitos curdos viajando para o Iraque, mas o programa só trata de jihadistas.

Por que esses jovens vão para a Síria?
Oussama El-Saadi - Por vários motivos: a maioria por questões humanitárias e muitos por causa das mídias sociais, por onde conseguem ver muita coisa.

E por que voltam para a Dinamarca?
Oussama El-Saadi - Muitos dizem que voltaram para visitar a família, alguns por causa do programa de reabilitação, outros desiludidos com os conflitos entre as próprias milícias.
Muitos foram em 2013, quando o Estado Islâmico ainda não estava forte, e dizem que decidiram voltar por não concordar com o confronto entre milícias, como o da al-Nusra com o EI.

Eles contam se pegaram em armas?
Oussama El-Saadi - Alguns deles sim, porque a situação está extrema na Síria.

É correto chamá-los de jihadistas?
Oussama El-Saadi - Sim, eles são jihadistas. Jihad é fazer algo para ajudar. Quando converso com você agora, é jihad, porque eu tento explicar o que é bom na mesquita.

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