sexta-feira, 16 de janeiro de 2015


Acidente que matou Campos foi sucessão de falhas humanas, conclui Aeronáutica
Investigação aponta erros e falta de treinamento do piloto do jato Cessna que caiu em Santos durante a campanha presidencial do ano passado, matando o candidato do PSB e os outros ocupantes

O jato Cessna Citation 560 XLS, usado por Eduardo Campos

As investigações da Aeronáutica, que começam a ser divulgadas no início de fevereiro, concluíram que o acidente que matou o presidenciável do PSB e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, no meio da campanha eleitoral do ano passado, foi causado por uma sequência de falhas do piloto Marcos Martins - desde a falta de treinamento para aquela aeronave até o uso de “atalho” para acelerar o procedimento de descida.
Como resultado decisivo, Martins foi obrigado a abortar o pouso e arremeter bruscamente, operando os aparelhos em desacordo com as recomendações do fabricante do avião e acabando por sofrer o que é tecnicamente descrito como “desorientação espacial”. É quando o piloto perde a referência do avião em relação ao solo, não sabe se está voando para cima, para baixo, em posição normal, de lado ou de ponta cabeça.
Essa conclusão sobre a “desorientação espacial” baseou-se em informações sobre os últimos segundos do voo, no momento em que o avião embicou num ângulo de 70 graus e em potência máxima, como se o piloto acelerasse pensando que estava em movimento de subida, quando na verdade estava voando para baixo, rumo ao solo.
O acidente ocorreu na manhã de 13 de agosto de 2014, quando o Cessna 560 XL saiu do aeroporto Santos Dumont, no Rio, rumo à Base Aérea de Santos, no Guarujá, em São Paulo. Por volta de 10h, a aeronave caiu em Santos, no bairro Boqueirão. Além de Eduardo Campos, que estava em terceiro lugar na corrida presidencial, morreram quatro assessores dele, o piloto e o copiloto Geraldo Magela Barbosa.

Treinamento
Nesses cinco meses de investigações, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, órgão da Aeronáutica (Cenipa) levantou ainda todo o perfil psicológico, pessoal e profissional dos dois pilotos e listou uma sequência de falhas de Marcos Martins, antes e durante o voo.
Não foi encontrado nenhum indício de falha técnica ou de operação do sistema aeronáutico. As duas turbinas foram detalhadamente analisadas e estavam em perfeita condição de uso, mas a caixa preta de voz não foi útil para as conclusões. Ela simplesmente não estava ligada, não gravou as conversas durante o voo.
Conforme apurado pelos investigadores, Martins não estava treinado para o Cessna 560 XL, uma aeronave sofisticada e nova, concluída em 2010. Ele, por exemplo, nunca tinha passado pelo simulador.
Está registrado, também, que a relação entre os dois pilotos não era boa.
Eles já tinham um histórico de atritos e o copiloto teria, inclusive, pedido para não mais voar com Martins, que, em redes sociais, se disse “cansadaço” dias antes do acidente. Aquele seria, possivelmente, o último voo conjunto da dupla.

Chuva e pista
Essas falhas prévias de preparo técnico e psicológico na cabine de comando foram agravadas por duas circunstâncias objetivas - ou “fatores contribuintes”, no jargão dos investigadores. O tempo estava fechado, com muita chuva, e a pista da Base de Santos, curta e entre picos, é considerada difícil mesmo para pilotos experientes e em boas condições de tempo.
Apesar de todos esses agravantes, e talvez por excesso de autoconfiança, Martins cometeu, segundo os investigadores da Aeronáutica, o erro que deflagrou todo o desfecho trágico: ele desdenhou a rota determinada pelos manuais para o pouso na Base de Santos, não fez a manobra exigida para aquela pista e tentou pousar direto, de primeira.
Mal comparando com um carro, é como se o piloto não tivesse feito o retorno previsto, tentando um “atalho” para entrar direto num estacionamento.
Depois da imprevidência e de embicar para o pouso, ele concluiu que não conseguiria e foi obrigado a arremeter bruscamente. A manobra é considerada a prova da desorientação do piloto.

Clique na imagem para os detalhes do acidente

Recomendação de manual de jato teria sido ignorada
Suspeita é de que piloto teria ignorado orientação explícita do fabricante.
A literatura de acidentes aeronáuticos aponta dois momentos críticos e desencadeadores de tragédias: as decolagens e as aterrissagens.
Nos procedimentos de pouso e arremetida, quase sempre considerados tensos por qualquer piloto, Marcos Martins – que comandava o jatinho que caiu em Santos, em agosto passado, provocando a morte do ex-governador Eduardo Campos – provavelmente desconsiderou uma recomendação explícita do manual do fabricante da aeronave: no Cessna Citation, como era o caso, os flaps (que são uma espécie de extensão das asas e são usados para frear o avião) não podem ser recolhidos numa velocidade acima de 370 km/h. O risco é o avião emborcar, como se freado muito rápida e fortemente.
Conforme relatado por um alto oficial que tem acesso direto aos investigadores e às investigações, o piloto pode ter entrado em estado de “desorientação espacial” justamente aí, nesse momento.
Desnorteado, voando às cegas, com a sensação de estar “solto” no ar, ele deve ter acelerado para tentar subir, supostamente para ganhar altitude e se recuperar, sem perceber que, na verdade, estava inclinado para baixo, não para cima. Uma forte possibilidade é que o avião tenha caído de dorso, ou seja, de ponta cabeça. As únicas imagens dos últimos segundos do voo foram feitas de um prédio próximo ao local do acidente, em condições bastante precárias.

Relatório
O primeiro relatório do Cenipa terá recomendações de segurança para que os mesmos erros não se repitam e causem novos acidentes. Deverá ser anunciado no início de fevereiro, já depois da troca do comando da Aeronáutica, do brigadeiro Juniti Saito para seu sucessor, o também brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato.
Mais adiante, será também divulgado um relatório detalhado com todos os dados do voo e todas as conclusões sobre as causas da queda. O objetivo das investigações aeronáuticas não é punir ou processar pessoas, órgãos ou empresas, mas sim detectar erros e evitar que se repitam.

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