Vale adulterou dados sobre lama em barragem após tragédia
Detalhes de objetos deixados para trás na lama de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), após ruptura de barragem da Samarco. |
Após a tragédia de Mariana (MG), a Vale adulterou dados sobre o volume
de lama que ela própria jogava na barragem de Fundão, que ruiu em
novembro de 2015 e deixou um saldo de 19 mortos.
A Vale, ao lado da BHP Billiton, é uma das donas da Samarco, mineradora
responsável pela barragem. Segundo relatório da Polícia Federal, a
empresa mudou relatórios para confundir as investigações.
A mineradora gerava na região do desastre dois tipos de rejeitos: lama,
que era destinada à estrutura da Samarco, e arenosos, que iam para o
reservatório de Campo Grande.
No mês seguinte à ruptura da barragem, que, além das mortes, poluiu o
rio Doce ao longo dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a Vale
modificou em documentos oficiais informações sobre o teor de
concentração do minério que produzia em Mariana. Com isso, o volume de
lama lançado em Fundão (barragem que rompeu) ficou menor do que o
informado inicialmente pela empresa.
A elevada quantidade de água presente nos rejeitos depositados na
estrutura é considerada pela polícia como uma das causas da ruptura.
A empresa alterou, segundo o informe da PF, os últimos cinco RALs
(Relatórios Anuais de Lavra) que havia enviado ao DNPM (Departamento
Nacional de Produção Mineral), órgão da União. Os dados sobre a
quantidade de minério produzido anualmente, porém, foram mantidos.
Em nota, a Vale admite as alterações, mas diz que foram "correções" e que agiu com transparência nas apurações.
O objetivo das mudanças, porém, era "iludir as autoridades fiscalizadoras", segundo o documento da polícia.
"Tal fato [adulteração] tem ocorrido para que a Vale se exima de suas
responsabilidades com relação aos rejeitos depositados pela mesma na
referida barragem [Fundão]", diz trecho do relatório.
O uso de Fundão pela Vale foi revelado em novembro — os dados foram alterados em dezembro.
Segundo um informante denunciou à polícia, seria vantajoso para a Vale
tentar se isentar da responsabilidade trocando os dados porque as multas
por essas alterações giravam em torno de R$ 2.600, valor irrisório
perto do lucro da mineradora.
As apurações apontam que a Vale alterou ainda dados da barragem de Campo
Grande. Os fiscais do órgão desconfiaram que a empresa estava
utilizando a estrutura além da cota definida em projeto.
NENHUMA INFORMAÇÃO — Nas vistorias à Vale em Mariana, funcionários do
DNPM relataram que a empresa "não poupou esforços para dificultar" as
fiscalizações.
Em dezembro, a mineradora fez os fiscais esperarem duas horas pela
chegada de um técnico, que não apareceu. Por isso, acabaram sendo
recebidos por um geólogo. "Estranhamente ele não possuía nenhuma
informação por nós requerida", escreveram os servidores em relatório.
O DNPM registrou ainda que a mineradora se negou a dar informações. A
Vale recebeu cinco autuações do órgão por não cooperar com os fiscais. A
empresa recorreu.
OUTRO LADO — A Vale, proprietária da Samarco ao lado da
anglo-australiana BHP Billiton, afirma em nota que realizou auditoria
nos dados informados anteriormente ao governo para "corrigir o que
cabia" e que todas as alterações foram avisadas à Polícia Federal e ao
Ministério Público Federal.
"Em momento algum a Vale tentou atrapalhar ou confundir qualquer ato
realizado pelo órgão fiscalizador; ao contrário, deu total transparência
e conhecimento a quem de direito", diz a mineradora, no comunicado.
A empresa afirma ter retificado 1% dos campos dos relatórios enviados ao
governo. A mudança na altura da barragem de Campo Grande feitas no RAL
(Relatório Anual de Lavra) foi feita incorretamente, diz a Vale. Por
isso, houve nova correção.
A empresa nega que a barragem tenha operado além do limite, como
chegaram a cogitar os fiscais do DNPM (Departamento Nacional de Produção
Mineral).
Sobre ter se negado a informar o balanço de massa aos fiscais do DNPM em
vistoria, a Vale diz que a informação foi respondida depois, em ofício.
"Os fiscais tiveram acesso às informações do complexo minerador com
livre trânsito às instalações, sistemas e relatórios, sempre
acompanhados por empregados da Vale, que atuaram de forma espontânea e
transparente."
A Vale diz que recorreu das autuações por não colaborar com fiscalizações porque "não correspondem à realidade".
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