segunda-feira, 4 de agosto de 2014


Uma CPI para investigar a inutilidade 
das CPIs

Josias  de  Souza
Já se sabia que as duas CPIs abertas no Congresso para investigar as mutretas praticadas na Petrobras não resultariam em nada. Mas, de repente, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo. E as petro-CPIs revelaram sua verdadeira utilidade. Servem para consolidar o processo de avacalhação do instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Há muito tempo que CPI virou sinônimo de teatro circense. Mas a plateia só enxergava o que sucedia no palco, que é o pedaço menos interessante do espetáculo. O público ouvia o ruído abafado das arrumações nos bastidores e tinha enorme curiosidade para saber o que acontecia atrás do pano.
Como toda farsa tem dois gumes, o repórter Hugo Marques obteve um vídeo clandestino. Nele, aparece a gravação de um dos ensaios de CPI. Foi como se a cortina se abrisse fora de hora. Personagens foram surpreendidos longe de suas marcas, fazendo a maquiagem, ajustando a peruca e escolhendo o melhor nariz. A cena tem 20 minutos, dos quais 2min40s estão disponíveis em vídeo abaixo.


Ficou-se sabendo que depoentes como Nestor Cerveró e José Sérgio Gabrielli, ex-diretor e ex-presidente da Petrobras, receberam previamente as perguntas que lhes seriam dirigidas, sob holofotes, na pseudoinquirição. Apalparam com antecedência até sugestões de respostas, de modo a evitar contradições.
A gravação das coxias foi feita na véspera do depoimento de Cerveró na CPI petroleira do Senado. O resultado foi patético. Conforme noticiado, Cerveró falou para um plenário ermo. Afora o presidente, Vital do Rêgo (PMDB-PB), e o relator, José Pimentel (PT-CE), havia no plenário da comissão uma mísera senadora: Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).
Cerveró responder a 157 perguntas, a maioria do relator: 138. Mas o senador Pimentel, escalado pelo PT para encenar a relatoria, se absteve de perguntar. Numa cena inusitada, o depoente, munido do questionário, leu as indagações, autoinquirindo-se. Repare o acinte no vídeo abaixo.


A certa altura, a senadora Vanessa tirou um sarro da oposição, que se ausentara da sessão para não legitimar o teatro. Ela disse: “Lutaram muito para que a CPI fosse instalada, mas agora, em vez de participar, preferem ficar nominando a CPI de ‘CPI-amiga’, de ‘CPI chapa-branca’. Com todo esse conjunto de questionamentos!” Pois é. O que dirá agora a senadora? Com que cara o relator Pimentel ressurgirá em cena?
Os brasileiros mais otimistas gostam de pensar que tudo o que aconteceu nas ruas durante os protestos de junho de 2013 foi o país dizendo aos seus malfeitores que não tem mais saco para fazer papel de bobo. E que a indignação transbordante virou uma força política consequente, capaz de tomar as providências necessárias. Será?
O aviltamento da Petrobras justifica a constituição de CPIs. A coreografia organizada pelo Planalto para evitar a investigação reforça sua necessidade. Presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL) fez o que prometera a Dilma Rousseff. Graças às suas manobras, a apuração começou às vésperas da Copa. Sobreveio o recesso. Seguiu-se a campanha eleitoral.
Operando assim, com as fornalhas do Legislativo semidesligadas, as CPIs exageram na teatralidade. A imprensa, aos pouquinhos, vai abandonando a condição de bumbo inocente. Escalada para o papel de boba, a plateia deveria punir os canastrões e os maus atores negando-lhes os votos na eleição de 5 de outubro.
Responsáveis pela Operação Lava Jato, a Polícia Federal, a Procuradoria e o juiz federal Sérgio Moro se encarregariam do resto. Em inquéritos que não devem nada ao palco das CPIs, essa turma já abriu nove processos contra mais de quatro dezenas de pessoas. Entre elas o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousseff, mantidos preventivamente atrás das grades.
Deve-se a esse pessoal também a quebra dos sigilos bancário e fiscal de algumas vistosas logomarcas que fizeram negócios suspeitos com a Petrobras, sob intermediação de Paulo Costa, com pedágios asseados na lavanderia de Youssef. Expuseram-se, de resto, os glúteos do deputado federal paranaense André Vargas.
Apeado da vice-presidência da Câmara e desfiliado do PT, Vargas responde a processo de cassação por falta de decoro na Comissão de Ética da Câmara. Foram ao STF, por ora, pedidos de abertura de inquéritos contra Vargas, o deputado Luiz Argôlo (PP-BA) e o senador Fernando Collor (PTB-AL).
Considerando-se o estágio embrionário da apuração e a quantidade de material estocado pelos investigadores —mensagens eletrônicas extraídas de 34 telefones celulares de Youssef e mais de 80 mil documentos apreendidos— não são negligenciáveis as chances de surgirem novas surpresas.
Ao acender o forno diante de tanta matéria-prima, as CPIs da Petrobras não assam apenas pizzas. Torram a paciência do público, já bem inquieto. Não fosse a completa desmoralização do instituto da CPI, a rapaziada talvez voltasse às ruas com faixas e cartazes cobrando a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a inutilidade das CPIs.

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