Uma CPI para investigar a inutilidade
das CPIs
das CPIs
Josias de Souza |
Já se sabia que as duas CPIs abertas no Congresso para investigar as
mutretas praticadas na Petrobras não resultariam em nada. Mas, de
repente, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo. E as petro-CPIs
revelaram sua verdadeira utilidade. Servem para consolidar o processo
de avacalhação do instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Há muito tempo que CPI virou sinônimo de teatro circense. Mas a plateia
só enxergava o que sucedia no palco, que é o pedaço menos interessante
do espetáculo. O público ouvia o ruído abafado das arrumações nos
bastidores e tinha enorme curiosidade para saber o que acontecia atrás
do pano.
Como toda farsa tem dois gumes, o repórter Hugo Marques obteve um vídeo
clandestino. Nele, aparece a gravação de um dos ensaios de CPI. Foi como
se a cortina se abrisse fora de hora. Personagens foram surpreendidos
longe de suas marcas, fazendo a maquiagem, ajustando a peruca e
escolhendo o melhor nariz. A cena tem 20 minutos, dos quais 2min40s
estão disponíveis em vídeo abaixo.
Ficou-se sabendo que depoentes como Nestor Cerveró e José Sérgio
Gabrielli, ex-diretor e ex-presidente da Petrobras, receberam
previamente as perguntas que lhes seriam dirigidas, sob holofotes, na
pseudoinquirição. Apalparam com antecedência até sugestões de respostas,
de modo a evitar contradições.
A gravação das coxias foi feita na véspera do depoimento de Cerveró na
CPI petroleira do Senado. O resultado foi patético. Conforme noticiado,
Cerveró falou para um plenário ermo. Afora o presidente, Vital do Rêgo
(PMDB-PB), e o relator, José Pimentel (PT-CE), havia no plenário da
comissão uma mísera senadora: Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).
Cerveró responder a 157 perguntas, a maioria do relator: 138. Mas o
senador Pimentel, escalado pelo PT para encenar a relatoria, se absteve
de perguntar. Numa cena inusitada, o depoente, munido do questionário,
leu as indagações, autoinquirindo-se. Repare o acinte no vídeo abaixo.
A certa altura, a senadora Vanessa tirou um sarro da oposição, que se
ausentara da sessão para não legitimar o teatro. Ela disse: “Lutaram
muito para que a CPI fosse instalada, mas agora, em vez de participar,
preferem ficar nominando a CPI de ‘CPI-amiga’, de ‘CPI chapa-branca’.
Com todo esse conjunto de questionamentos!” Pois é. O que dirá agora a
senadora? Com que cara o relator Pimentel ressurgirá em cena?
Os brasileiros mais otimistas gostam de pensar que tudo o que aconteceu
nas ruas durante os protestos de junho de 2013 foi o país dizendo aos
seus malfeitores que não tem mais saco para fazer papel de bobo. E que a
indignação transbordante virou uma força política consequente, capaz de
tomar as providências necessárias. Será?
O aviltamento da Petrobras justifica a constituição de CPIs. A
coreografia organizada pelo Planalto para evitar a investigação reforça
sua necessidade. Presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL) fez o
que prometera a Dilma Rousseff. Graças às suas manobras, a apuração
começou às vésperas da Copa. Sobreveio o recesso. Seguiu-se a campanha
eleitoral.
Operando assim, com as fornalhas do Legislativo semidesligadas, as CPIs
exageram na teatralidade. A imprensa, aos pouquinhos, vai abandonando a
condição de bumbo inocente. Escalada para o papel de boba, a plateia
deveria punir os canastrões e os maus atores negando-lhes os votos na
eleição de 5 de outubro.
Responsáveis pela Operação Lava Jato, a Polícia Federal, a Procuradoria e
o juiz federal Sérgio Moro se encarregariam do resto. Em inquéritos que
não devem nada ao palco das CPIs, essa turma já abriu nove processos
contra mais de quatro dezenas de pessoas. Entre elas o ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousseff, mantidos
preventivamente atrás das grades.
Deve-se a esse pessoal também a quebra dos sigilos bancário e fiscal de
algumas vistosas logomarcas que fizeram negócios suspeitos com a
Petrobras, sob intermediação de Paulo Costa, com pedágios asseados na
lavanderia de Youssef. Expuseram-se, de resto, os glúteos do deputado
federal paranaense André Vargas.
Apeado da vice-presidência da Câmara e desfiliado do PT, Vargas responde
a processo de cassação por falta de decoro na Comissão de Ética da
Câmara. Foram ao STF, por ora, pedidos de abertura de inquéritos contra
Vargas, o deputado Luiz Argôlo (PP-BA) e o senador Fernando Collor
(PTB-AL).
Considerando-se o estágio embrionário da apuração e a quantidade de
material estocado pelos investigadores —mensagens eletrônicas extraídas
de 34 telefones celulares de Youssef e mais de 80 mil documentos
apreendidos— não são negligenciáveis as chances de surgirem novas
surpresas.
Ao acender o forno diante de tanta matéria-prima, as CPIs da Petrobras
não assam apenas pizzas. Torram a paciência do público, já bem inquieto.
Não fosse a completa desmoralização do instituto da CPI, a rapaziada
talvez voltasse às ruas com faixas e cartazes cobrando a criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a inutilidade das
CPIs.
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