Cem anos depois da Primeira Guerra, desafios na economia semelhantes a 2014
Para analistas, não se pode isolar emergentes, como ocorreu com Alemanha
O capacete do soldado foi deixado em 1919 por seu pai sobre o local onde ele foi enterrado, junto com uma pequena placa. |
Alguns dos economistas mais respeitados da cena internacional, entre
eles o americano Nouriel Roubini - que ficou conhecido por antecipar a
crise financeira de 2008, da qual boa parte das nações ainda tenta se
recuperar -, comparam o mundo de 1914, às vésperas da eclosão da
Primeira Guerra Mundial, ao de 2014. Se desde então a economia global
deu um salto e o planeta nunca foi tão rico, as semelhanças são
inegáveis. Os riscos de um novo conflito bélico como o de cem anos atrás
são pequenos, na avaliação de especialistas, mas é preciso aprender com
os erros do passado para evitar que os problemas econômicos observados
há um século se repitam.
Para o diretor do Instituto de Assuntos Econômicos (IEA, na sigla em
inglês), Stephen Davies, a inclusão das economias emergentes no processo
decisório do sistema financeiro internacional deve estar, mais do que
nunca, presente na agenda dos líderes mundiais. Países como China,
Índia, Rússia e Brasil precisam ter voz na construção do novo arcabouço
econômico, sob a pena de se reproduzir, um século depois, o equívoco de
se isolar a potência em ascensão da época, a Alemanha - um dos fatores
que teria tornado a guerra inevitável.
- Em 1914 havia um sistema internacional estável, mas surgiu uma
potência imperial que acabou fora dele. Esse foi um dos motivos da
guerra. Agora, temos algumas potências em ascensão. Será que o sistema
internacional vai ser flexível o bastante para incluí-las? Não se pode
deixá-las para trás, como aconteceu com a Alemanha. Espero que tenhamos
aprendido as lições do passado - argumenta Davies.
Há alguns anos, os países emergentes pregam a reforma das instituições
financeiras criadas após a Segunda Guerra Mundial, como o Banco Mundial e
o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o objetivo de reequilibrar o
sistema financeiro. Os Estados Unidos, por exemplo, têm um peso maior
nas votações que todo o bloco do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul) somado.
Líderes do Brics. Vladimir Putin (à esquerda), Narendra Modi, Dilma Rousseff, Xi Jinping e Jacob Zuma: ascensão dos emergentes |
A estabilidade do pré-guerra a que se refere Davies devia-se, em boa
medida, ao fato de as economias mundiais estarem atreladas ao ouro - uma
commodity física que era estocada pelos países para ser usada como
moeda de troca. O sistema, que ficou conhecido como padrão-ouro, vigorou
do século XIX até a Primeira Guerra, atravessando um dos períodos
áureos da economia mundial, marcado por uma bonança de quase 40 anos de
crescimento.
Autor do livro "Saving the City: The great financial crisis of 1914",
publicado em novembro do ano passado, Richard Roberts, professor de
economia do King's College, afirma que, em comum com o período do
pré-guerra, o mundo hoje vem de um longo período de crescimento, onde se
observou a globalização dos mercados, que acarretou um intenso fluxo de
comércio, investimentos, capitais e pessoas. Segundo Roberts, logo que
eclodiu a Primeira Guerra a economia mundial mergulhou no que ele
considera uma das cinco maiores crises financeiras da História: 42 das
43 bolsas então existentes fecharam as portas - algumas por meses,
outras por anos -, e 50 países decretaram feriado bancário.
Roberts não afasta a possibilidade de uma nova crise profunda, embora
descarte outra guerra. Segundo o professor, os diferentes sistemas de
câmbio hoje existentes protegem a economia mundial. Mas muitas
iniciativas para combater os efeitos da crise financeira de 2008 foram
contraditórias e acabaram por criar uma nova regulação do sistema
bancário, que ainda não está clara e apresenta riscos para a economia.
- A grande incerteza da economia internacional está na falta de clareza da regulação do sistema bancário - afirma Roberts.
Durante o Fórum Econômico Mundial, no início deste ano, em Davos,
Nouriel Roubini listou pelo Twitter alguns dos problemas que o faziam se
lembrar de 1914. Entre eles estavam "a reação contra a globalização, a
era de ouro das desigualdades, o aumento das tensões geopolíticas". Se a
economia ia bem àquela época, isso não era sentido por todos,
exatamente como ocorre nos dias de hoje. Enquanto o mundo crescia em
torno de 14% entre 1914 e 1918, as economias da Rússia, França, Áustria e
Império Otomano registravam retração entre 30% e 40%. A economia alemã
encolhia nada menos que 27%.
Não há um cálculo preciso de quanto o Produto Interno Bruto (PIB,
conjnto de bens e serviços produzidos) global evoluiu desde então. Dados
do Banco Mundial mostram que, somadas, as economias nacionais hoje
valem US$ 74 trilhões. Para Davies, do IEA, a economia global hoje é
regida por um sistema cada vez mais instável, interconectado, que
depende das oscilações de diferentes moedas e de cenários econômicos
determinados por governos cuja máquina estatal é cada vez maior, com
gastos significativos e dívidas que, muitas vezes, não têm capacidade de
rolar. Esta é uma das principais explicações para as sucessivas crises
que acometeram o planeta desde a década de 1990, da Ásia à Argentina.
- O grande desafio hoje é criar um sistema monetário estável. Em 1914,
os gastos do governo representavam, na média, 10% do seu PIB. Hoje esse
percentual saltou para 44% do PIB. Muitos não têm como se manter assim -
explica Davies.
Nenhum comentário:
Postar um comentário