domingo, 2 de setembro de 2012


Cerco francês à prostituição
Governo Hollande quer abolir comércio do sexo, mas grupo de intelectuais denuncia ‘quimera’

Transexual exibe cartaz contra a intenção anunciada 
pelo governo da França de abolir a prostituição no país,
 inspirada no exemplo da Suécia

Na França, o cliente de uma “relação sexual tarifada” está a salvo de uma penalidade, mas a prostituta pode amargar multa de € 3.750 e dois meses atrás das grades por “aliciamento passivo”, segundo a legislação em vigor desde 2003. O governo do presidente François Hollande, no entanto, pretende mudar as regras do jogo, não sem inflamar a polêmica já existente. A ministra do Direito das Mulheres, Najaud Vallaud-Belkacem, delineou numa recente entrevista a meta do Executivo:
— A questão não é a de saber se queremos abolir a prostituição: a resposta é “sim”. Mas temos de nos dar os meios de fazê-lo. Meu desejo, assim como do Partido Socialista, é o de ver a prostituição desaparecer.
Em contrapartida ao fim da criminalização das prostitutas, o governo francês sinaliza com a penalização dos clientes, uma medida já adotada pela Suécia desde 1999. Durante sua campanha eleitoral, Hollande manifestou a intenção de suprimir o delito de aliciamento passivo e “abrir a reflexão” sobre a penalização dos clientes, ao explicar que “dispor livremente do corpo de uma outra pessoa” em troca de pagamento era “um desrespeito aos direitos humanos”.

Incentivo à clandestinidade
Agora, sua ministra admitiu que a missão será espinhosa.
— Não sou ingênua, sei que será um combate de longo prazo — disse Vallaud-Belkacem, ao acrescentar que a posição “abolicionista” do governo se baseia nos “insuficientes dispositivos atuais” na luta contra a prostituição.
As declarações incendiaram o debate e acentuaram as divisões na esquerda. Um grupo de doze intelectuais e feministas — entre os quais a filósofa Elisabeth Badinter, a escritora Régine Deforges, o cineasta e escritor Claude Lanzmann e o historiador Georges Vigarello — lançaram o manifesto de protesto “A interdição da prostituição é uma quimera”. Para eles, proibir a prostituição estimula a clandestinidade e deixa as prostitutas ainda mais à mercê das redes mafiosas.
“Nem as garotas de programa e nem as redes na internet serão afetadas, como prova o exemplo sueco. Sofrerão as proletárias do sexo, que serão mais do que nunca submissas à dominação dos proxenetas. Estes deveriam ser o principal alvo da ação repressiva do poder público”, preveem.
Para a antropóloga Véronique Nahoum-Grappe, que endossou o manifesto, a interdição na sexualidade humana “está muitas vezes relacionada à “instauração de leis bastante totalitárias, com ideologias religiosas negativas”.
— O escândalo dos padres pedófilos está ligado à interdição da sexualidade. Essas proibições nunca funcionaram. Ao contrário, abrem a porta para a criminalização e prejudicam os mais vulneráveis e em situação de precariedade. A tarifação em si não é o principal problema, mas sim que seja usada pela máfia — aponta.

Luta por direito trabalhista
Associações divergem sobre o tema. Representantes do Sindicato das Trabalhadoras Sexuais se retiraram de audiência com Vallaud-Belkacem, tachando de hipócritas os argumentos do governo sustentados em “fórmulas feitas” e na “negação da realidade”. O sindicato quer direitos trabalhistas, e não penalização, e pede a demissão da ministra.
Pró-abolição, a Fundação Scelles divulgou em seu site na internet uma resposta aos que se opõem à proposta: “Defender o sistema de prostituição em nome da liberdade de dispor de seu corpo e de escolher livremente sua sexualidade, é perigoso na implicação de que, em nome do prazer individual de uma minoria, as condições de sujeição da maioria seriam facilitadas”, diz o texto.
Para a psicanalista Dominique Charpenel, dirigente da fundação, o principal fundamento da prostituição é econômico, e é preciso atacar a fonte do lucro das prostitutas e dos cafetões, ou seja, o cliente. Ela alega não fazer um “julgamento moral” da questão, mas defende que a lei deve servir ao interesse da maioria.

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