sexta-feira, 8 de maio de 2015


Guido Mantega quis 'omitir' perda no patrimônio da Petrobras

O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou impedir a divulgação de um cálculo encomendado pela própria Petrobras que indicava perdas de R$ 88,6 bilhões no patrimônio da estatal.
A reportagem teve acesso ao áudio da reunião do conselho da estatal realizada no dia 27 de janeiro deste ano. Mantega, que presidia o conselho de administração, diz que o cálculo, feito pela consultoria Deloitte e pelo banco BNP Paribas, era uma "temeridade" e bateu de frente com a então presidente da empresa, Graça Foster. A executiva defendia que o mercado fosse informado, o que acabou ocorrendo.
A atitude de Graça desagradou à presidente Dilma Rousseff e ela perdeu o cargo pouco tempo depois, sendo substituída por Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil.
"Acho uma temeridade divulgar esse número. Vai afetar o nosso rating, custo financeiro, a solidez da empresa por algo de que não temos certeza. Cria a possibilidade de que a Petrobras tenha um endividamento muito maior em relação a seu patrimônio", diz o ministro no áudio.
Durante essa reunião, que durou oito horas, Graça pediu a divulgação do número e contou com o apoio dos representantes dos acionistas minoritários. A então presidente da Petrobras estava preocupada em ser responsabilizada por omitir informações do mercado.
"E se a CVM me pergunta sobre esses números? Se existe, porque não divulgaram? Quem está escondendo esse número? De quem é a responsabilidade? Da diretoria ou do conselho?", diz Graça, ressaltando que tinha receio de vazamentos, porque "mais de cem pessoas tiveram acesso".
Em resposta a Graça, Mantega diz que a empresa "faz vários relatórios e nem todos são revelados".
Ele afirma ainda que "o que discutimos aqui está sobre regra de sigilo. Somos todas pessoas responsáveis. [O número apurado pela consultoria] não deveria vazar".
A proposta da diretoria da Petrobras na época não era reconhecer os R$ 88,6 bilhões em perdas no balanço da empresa, mas informar o cálculo em uma nota explicativa.
Quando finalmente divulgou seu balanço três semanas atrás, a estatal desprezou esse valor e admitiu ter perdido R$ 44,6 bilhões em patrimônio, principalmente pela má gestão e pela corrupção na construção de refinarias.

O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega

COMPERJ DE FORA
Durante a reunião, técnicos da Petrobras esclarecem que, na avaliação da Deloitte, a explosão de gastos na construção do Comperj foi tão grande que seu valor estava negativo em US$ 2,5 bilhões. "Não há valor de mercado. Se continuar a investir, vai afundar mais alguma coisa (perder dinheiro)", diz o técnico.
Na discussão com Mantega, Graça revela outro motivo para divulgar os números. No dia seguinte à realização do encontro, a Petrobras corria o risco de que 27 credores pedissem a antecipação do vencimento de US$ 19,3 bilhões em dívidas, porque a estatal não conseguia divulgar o balanço, uma obrigação estabelecida em contrato.
"Temos que negociar com esses credores. Pode ter chinês batendo na nossa porta cobrando todo tipo de coisa. Agora, quanto mais informação você mostra, mais chance tem de ser bem-sucedido."

BATALHA
A reunião do conselho foi uma verdadeira batalha. Mantega teve o apoio do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, da ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e do professor da FGV Sérgio Quintela.
Já Graça contou com o aval dos representantes dos acionistas minoritários, Mauro Cunha e José Monforte, e do representante dos funcionários, Silvio Sinedino.
"Se não divulgarmos os dados, estaremos mentindo. Estamos vendo uma mudança de 180 graus no que foi discutido dois dias atrás, o que reflete mais uma vez a interferência do acionista controlador da companhia (o governo)", disse Cunha.
A ata da reunião, à qual a reportagem também teve acesso, reflete o embate que ocorreu no áudio. No documento está escrito que Mantega "pontuou seu entendimento de que o valor justo dos ativos mostra-se inadequado".
Ao final do encontro, Mantega acaba concordando com a publicação do cálculo. Nos bastidores da reunião, o governo tomou conhecimento de que os representantes dos acionistas minoritários pretendiam protocolar o número na CVM caso ele não fosse divulgado.
Foi só nesse momento, às 22h, que Mantega permitiu que o cálculo fosse divulgado. Na ata, apenas o professor Quintella registrou formalmente sua posição contrária a divulgação.
Procurado, o ex-ministro informou que "o que importa é que, sob sua presidência, o conselho divulgou os dados, e que discussões internas fazem parte do processo de decisão da companhia".


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