Reviravolta para salvar mandato
traz uma série de riscos para Dilma
Abatida pela desaceleração da economia e escândalos de corrupção, a presidente vem provando um estilo mais suave de liderança política. |
Dilma Rousseff sobreviveu à tortura e a um câncer para se tornar a
primeira mulher a assumir a presidência do Brasil. Hoje ela enfrenta um
outro desafio: salvar seu cargo e estancar a deterioração da economia do
país.
Seu segundo mandato acabou de começar, mas ele já está sendo abalado por
protestos, ameaças de impeachment em meio a acusações de um suposto
esquema de desvio de R$ 6,2 bilhões em recursos na Petrobras. O real
desabou, a inflação está subindo e a economia está entrando no que pode
ser a pior recessão em 25 anos.
Se a mandatária de 67 anos vai recuperar o equilíbrio passou a ser uma
questão crítica para um país que luta para evitar que seus problemas se
espalhem e se convertam em uma crise ampla. A taxa de aprovação da
presidente caiu para 13% em abril, comparada a 65% dois anos antes,
segundo pesquisas.
“Há um processo de colapso econômico, social e moral em andamento”,
disse o senador Ronaldo Caiado, ferrenho opositor de Dilma, enquanto
posava para fotos durante um protesto em São Paulo contra a presidente,
em 15 de março. Centenas de milhares de manifestantes foram para as ruas
de novo em 12 de abril.
Para salvar seu mandato, Dilma está tentando uma façanha política
complicada: reverter tudo, de políticas econômicas acusadas pelos
críticos de agravar as mazelas do país a suavizar um estilo de liderança
que ficou conhecido por ser inflexível, em meio à forte queda do apoio
que tinha no Congresso.
Em seu primeiro mandato, a presidente era tão minuciosa que se envolvia
até nas decisões de quem sentava onde em reuniões oficiais, dizem
pessoas próximas ao governo. Agora, ela está delegando o planejamento
econômico e as negociações de acordos com os parlamentares ao novo
ministro da Fazenda e a seu vice-presidente Michel Temer.
Até a aparência de Dilma mudou. Ela perdeu cerca de 15 quilos, o que
alimentou rumores de que um linfoma para o qual ela foi tratada em 2009
havia voltado. A presidente diz que emagreceu graças a uma nova dieta e
exercícios.
Toda essa virada política está carregada de riscos. Ela tem a meta de
estabilizar o governo e abafar os pedidos de impeachment. Mas, mesmo que
elas sejam bem-sucedidas, as mudanças podem deixar a presidente
politicamente isolada: membros do próprio PT estão se voltando contra
ela por abandonar algumas políticas econômicas de esquerda. E os
conservadores que aprovam as mudanças provavelmente nunca apoiarão uma
ex-marxista.
“Não acredito que ela realmente possa mudar. A ciência avançou ao ponto
de se poder transplantar um coração, uma córnea e um fígado. Mas ainda
não é possível transportar uma alma, disse Aloysio Nunes, senador do
PSDB.
Os escândalos e a crise econômica podem prejudicar as chances de o PT
permanecer na presidência, que detém desde 2003, mesmo que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se candidate de novo.
O panorama econômico para o Brasil é sombrio. A demanda chinesa por
commodities desacelerou, causando grandes rombos nos recursos destinados
aos serviços sociais, no crédito e programas de obras lançados no
período das vacas gordas. O Brasil agora está sob a ameaça de perder sua
classificação de grau de investimento, que poderia disparar uma caótica
espiral de venda do real no mercado de câmbio. O governo deve divulgar
hoje até R$ 80 bilhões em cortes generalizados no orçamento federal.
As implicações são mais amplas que o Brasil. A economia de US$ 2
trilhões do país é fundamental para seus parceiros comerciais na América
Latina, o que significa que um agravamento na recessão poderia
ricochetear em toda a região.
Para alguns, as mudanças de Dilma são o lado positivo de um cenário que, de outra forma, seria tenebroso.
“O que importa é que ela sabe que precisa mudar,” diz Wellington Moreira
Franco, líder do governo no Congresso do principal partido aliado de
Dilma, o PMDB. “Temos que despir da economia qualquer influência
ideológica. Temos que entender que o Brasil é uma economia capitalista,
sofisticada.”
De fato, mesmo entre alguns aliados, a culpa pelos problemas do Brasil
tem girado em torno de Dilma. Depois da vitória apertada na eleição de
outubro, sua popularidade despencou em meio a notícias econômicas ruins e
alegações de corrupção generalizada.
No epicentro, o escândalo da Petrobras, que anunciou no mês passado
perdas de R$ 51 bilhões relacionadas aos desvios de recursos e a
projetos mal geridos, como refinarias inacabadas. A polícia alega que
executivos e empresários desviavam cerca de 3% dos valores dos
contratos, canalizando parte desses recursos para o PT e seus aliados,
tornando o esquema o maior caso de corrupção da história do país. A
Petrobras consistentemente afirma ter sido vítima do esquema e que está
colaborando com as autoridades.
Dilma diz que não tinha conhecimento do suposto esquema de corrupção e
que seu governo deve receber o crédito de tê-lo revelado. Mas em
testemunho à Polícia Federal e ao Congresso, Paulo Roberto Costa,
ex-alto executivo da Petrobras, diz que a campanha de Dilma em 2010 foi
beneficiada pelos fundos desviados. A presidente nega envolvimento e se
comprometeu em investigar as alegações.
“Perdemos a narrativa”, disse o ministro da Comunicação Social da
Presidência da República, Edinho Silva. Segundo ele, o impeachment é
improvável, já que Dilma não cometeu nenhum crime que justificaria sua
saída. Ele acredita que Dilma vai recuperar a popularidade à medida que
ficar claro que ela não fazia parte do esquema e que os envolvidos forem
condenados, diz.
Uma vez que a Petrobras esteja livre do esquema de corrupção e que a
economia se estabilize, Dilma terá a chance de reformular sua
presidência em torno de questões positivas como educação, diz Edinho
Silva.
Mas há um longo caminho pela frente. Em março, um assessor de Dilma
comparou sua situação com a da série “Game of Thrones”, onde um clã
sitiado luta em várias frentes e sofre pesadas baixas.
Por necessidade, Dilma tenta hoje agir mais como uma política do que uma
tecnocrata, agendando mais jantares e aparições públicas. Mas enfrentar
batalhas políticas pode não ser algo natural para a presidente, que
está mais para um rato de biblioteca do que alguém conhecido pela sua
extroversão. Ela lê autores como Honoré de Balzac e Marcel Proust e cita
personagens de Charles Dickens em entrevistas.
Na residência presidencial, ela ocupa uma pequena suíte, para onde se
recolhe à noite para ler e ver filmes ou séries como “Downton Abbey”, de
acordo com pessoas a par da sua rotina. Divorciada, mãe de uma filha já
adulta, ela mora no Palácio da Alvorada com sua mãe já idosa, e ainda
cuida da cachorrinha Fafá que ela achou abandonada numa de suas
caminhadas matinais na Península dos Ministros antes de ser presidente.
Ao longo da sua primeira campanha, ela construiu outra reputação: de
disciplinadora. Durante uma parada em São Paulo, ela ordenou que dois
funcionários da sua campanha que não paravam de falar sentassem cada um
em um canto da suíte do hotel, para que ela pudesse se concentrar para
ler, dizem pessoas próximas à campanha.
Uma vez eleita, governou como uma gerente exigente. Esperava que os
assessores aparecessem rapidamente quando queria a presença deles. Um
assessor sênior lembra que, quando chamado, corria pelos corredores para
ir à sala da presidente, às vezes chegando lá sem ar.
Passar informações a ela se tornou uma tarefa arriscada. Ela memoriza
fluxos de estatísticas sobre o Brasil e assessores que ela considera
estarem mal preparados podem sofrer ásperas reprimendas. Funcionários de
alto escalão já saíram de sua sala trêmulos, e, pelo menos uma vez, um
deles saiu à beira das lágrimas diz uma pessoa que viu a cena.
Mas o estilo direto de Dilma não funcionou em meio à crise política. A
maioria do governo no Congresso começou a entrar em colapso este ano com
queixas inclusive de integrantes do PT de que ela não tinha conseguido
negociar com os principais parlamentares as legislações necessárias para
ajustar a economia. Em vez disso, ela enviou emissários para apresentar
suas metas, um gesto que muitos parlamentares consideraram arrogante.
Alguns dos retrocessos no Congresso podem ser um reflexo das
dificuldades da primeira líder mulher num cenário político brasileiro
dominado por homens, diz o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
“Ela é forte e as pessoas ficam espantadas. É uma reação de macho.”
Mesmo se seu governo fracassar, a história provavelmente vai apontar
para problemas econômicos e corrupção, não para o seu gênero, dizem
analistas políticos. Dilma, porém, está acostumada a superar obstáculos,
dizem pessoas que a conhecem.
“Ela é uma lutadora e é apropriada para essa situação”, diz o filósofo
Roberto Mangabeira Unger, que há 30 anos conhece Dilma e em fevereiro
assumiu como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos para
ajudá-la a “buscar novas ideias”.
Nos bastidores, Dilma permaneceu otimista e calma diante das pressões,
ajudando a tranquilizar seu gabinete, de acordo com o governador de
Minas Gerais pelo PT, Fernando Pimentel. “Ela é muito serena sob pressão
e está focando a equipe para resolver um problema de cada vez” para dar
uma virada na situação, diz Pimentel, que conhece Dilma desde os tempos
em que ambos participaram da militância esquerdista.
Dilma indicou um oponente filosófico para comandar o Ministério da
Fazenda no seu segundo mandato, o conservador Joaquim Levy, que estudou
na Universidade de Chicago, cujas primeiras medidas para controlar os
gastos já são vistas por alguns como bem-sucedidas em preservar o grau
de investimento do Brasil.
Mas alguns partidários do PT consideram a austeridade de Levy uma traição e têm aderido aos protestos contra o governo.
“Eu me sinto enganado pela Dilma”, diz Valdivino Gomes, líder do
Movimento dos Sem Terra (MST). Ele falou brevemente após seu grupo
entrar em confronto com a polícia em um protesto em abril contra a
austeridade adotada pelo governo próximo ao Palácio do Planalto.
Enquanto isso, Dilma está pressionando por mudanças políticas. Em junho
ela deve visitar os Estados Unidos, em parte para restabelecer as
relações entre os dois países que ficaram abaladas depois das alegações
de que ela tinha sido espionada pelo governo americano, que a levaram a
cancelar a visita que faria aos EUA em 2013 e exigir um pedido de
desculpas. Agora, em vez de cobrar desculpas, ela está minimizando o
incidente.
“(Obama) falou para mim que, agora, quando ele quiser saber qualquer
coisa, ele vai me ligar”, disse ela em uma coletiva de imprensa com
jornalistas brasileiros após encontrar o presidente dos EUA na Cúpula
das Américas, em abril.
Nenhum comentário:
Postar um comentário