sexta-feira, 22 de maio de 2015


Reviravolta para salvar mandato 
traz uma série de riscos para Dilma

Abatida pela desaceleração da economia e escândalos de corrupção, 
a presidente vem provando um estilo mais suave de liderança política.

Dilma Rousseff sobreviveu à tortura e a um câncer para se tornar a primeira mulher a assumir a presidência do Brasil. Hoje ela enfrenta um outro desafio: salvar seu cargo e estancar a deterioração da economia do país.
Seu segundo mandato acabou de começar, mas ele já está sendo abalado por protestos, ameaças de impeachment em meio a acusações de um suposto esquema de desvio de R$ 6,2 bilhões em recursos na Petrobras. O real desabou, a inflação está subindo e a economia está entrando no que pode ser a pior recessão em 25 anos.
Se a mandatária de 67 anos vai recuperar o equilíbrio passou a ser uma questão crítica para um país que luta para evitar que seus problemas se espalhem e se convertam em uma crise ampla. A taxa de aprovação da presidente caiu para 13% em abril, comparada a 65% dois anos antes, segundo pesquisas.
“Há um processo de colapso econômico, social e moral em andamento”, disse o senador Ronaldo Caiado, ferrenho opositor de Dilma, enquanto posava para fotos durante um protesto em São Paulo contra a presidente, em 15 de março. Centenas de milhares de manifestantes foram para as ruas de novo em 12 de abril.
Para salvar seu mandato, Dilma está tentando uma façanha política complicada: reverter tudo, de políticas econômicas acusadas pelos críticos de agravar as mazelas do país a suavizar um estilo de liderança que ficou conhecido por ser inflexível, em meio à forte queda do apoio que tinha no Congresso.


Em seu primeiro mandato, a presidente era tão minuciosa que se envolvia até nas decisões de quem sentava onde em reuniões oficiais, dizem pessoas próximas ao governo. Agora, ela está delegando o planejamento econômico e as negociações de acordos com os parlamentares ao novo ministro da Fazenda e a seu vice-presidente Michel Temer.
Até a aparência de Dilma mudou. Ela perdeu cerca de 15 quilos, o que alimentou rumores de que um linfoma para o qual ela foi tratada em 2009 havia voltado. A presidente diz que emagreceu graças a uma nova dieta e exercícios.
Toda essa virada política está carregada de riscos. Ela tem a meta de estabilizar o governo e abafar os pedidos de impeachment. Mas, mesmo que elas sejam bem-sucedidas, as mudanças podem deixar a presidente politicamente isolada: membros do próprio PT estão se voltando contra ela por abandonar algumas políticas econômicas de esquerda. E os conservadores que aprovam as mudanças provavelmente nunca apoiarão uma ex-marxista.
“Não acredito que ela realmente possa mudar. A ciência avançou ao ponto de se poder transplantar um coração, uma córnea e um fígado. Mas ainda não é possível transportar uma alma, disse Aloysio Nunes, senador do PSDB.
Os escândalos e a crise econômica podem prejudicar as chances de o PT permanecer na presidência, que detém desde 2003, mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se candidate de novo.
O panorama econômico para o Brasil é sombrio. A demanda chinesa por commodities desacelerou, causando grandes rombos nos recursos destinados aos serviços sociais, no crédito e programas de obras lançados no período das vacas gordas. O Brasil agora está sob a ameaça de perder sua classificação de grau de investimento, que poderia disparar uma caótica espiral de venda do real no mercado de câmbio. O governo deve divulgar hoje até R$ 80 bilhões em cortes generalizados no orçamento federal.


As implicações são mais amplas que o Brasil. A economia de US$ 2 trilhões do país é fundamental para seus parceiros comerciais na América Latina, o que significa que um agravamento na recessão poderia ricochetear em toda a região.
Para alguns, as mudanças de Dilma são o lado positivo de um cenário que, de outra forma, seria tenebroso.
“O que importa é que ela sabe que precisa mudar,” diz Wellington Moreira Franco, líder do governo no Congresso do principal partido aliado de Dilma, o PMDB. “Temos que despir da economia qualquer influência ideológica. Temos que entender que o Brasil é uma economia capitalista, sofisticada.”
De fato, mesmo entre alguns aliados, a culpa pelos problemas do Brasil tem girado em torno de Dilma. Depois da vitória apertada na eleição de outubro, sua popularidade despencou em meio a notícias econômicas ruins e alegações de corrupção generalizada.
No epicentro, o escândalo da Petrobras, que anunciou no mês passado perdas de R$ 51 bilhões relacionadas aos desvios de recursos e a projetos mal geridos, como refinarias inacabadas. A polícia alega que executivos e empresários desviavam cerca de 3% dos valores dos contratos, canalizando parte desses recursos para o PT e seus aliados, tornando o esquema o maior caso de corrupção da história do país. A Petrobras consistentemente afirma ter sido vítima do esquema e que está colaborando com as autoridades.
Dilma diz que não tinha conhecimento do suposto esquema de corrupção e que seu governo deve receber o crédito de tê-lo revelado. Mas em testemunho à Polícia Federal e ao Congresso, Paulo Roberto Costa, ex-alto executivo da Petrobras, diz que a campanha de Dilma em 2010 foi beneficiada pelos fundos desviados. A presidente nega envolvimento e se comprometeu em investigar as alegações.
“Perdemos a narrativa”, disse o ministro da Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva. Segundo ele, o impeachment é improvável, já que Dilma não cometeu nenhum crime que justificaria sua saída. Ele acredita que Dilma vai recuperar a popularidade à medida que ficar claro que ela não fazia parte do esquema e que os envolvidos forem condenados, diz.
Uma vez que a Petrobras esteja livre do esquema de corrupção e que a economia se estabilize, Dilma terá a chance de reformular sua presidência em torno de questões positivas como educação, diz Edinho Silva.
Mas há um longo caminho pela frente. Em março, um assessor de Dilma comparou sua situação com a da série “Game of Thrones”, onde um clã sitiado luta em várias frentes e sofre pesadas baixas.
Por necessidade, Dilma tenta hoje agir mais como uma política do que uma tecnocrata, agendando mais jantares e aparições públicas. Mas enfrentar batalhas políticas pode não ser algo natural para a presidente, que está mais para um rato de biblioteca do que alguém conhecido pela sua extroversão. Ela lê autores como Honoré de Balzac e Marcel Proust e cita personagens de Charles Dickens em entrevistas.
Na residência presidencial, ela ocupa uma pequena suíte, para onde se recolhe à noite para ler e ver filmes ou séries como “Downton Abbey”, de acordo com pessoas a par da sua rotina. Divorciada, mãe de uma filha já adulta, ela mora no Palácio da Alvorada com sua mãe já idosa, e ainda cuida da cachorrinha Fafá que ela achou abandonada numa de suas caminhadas matinais na Península dos Ministros antes de ser presidente.
Ao longo da sua primeira campanha, ela construiu outra reputação: de disciplinadora. Durante uma parada em São Paulo, ela ordenou que dois funcionários da sua campanha que não paravam de falar sentassem cada um em um canto da suíte do hotel, para que ela pudesse se concentrar para ler, dizem pessoas próximas à campanha.
Uma vez eleita, governou como uma gerente exigente. Esperava que os assessores aparecessem rapidamente quando queria a presença deles. Um assessor sênior lembra que, quando chamado, corria pelos corredores para ir à sala da presidente, às vezes chegando lá sem ar.
Passar informações a ela se tornou uma tarefa arriscada. Ela memoriza fluxos de estatísticas sobre o Brasil e assessores que ela considera estarem mal preparados podem sofrer ásperas reprimendas. Funcionários de alto escalão já saíram de sua sala trêmulos, e, pelo menos uma vez, um deles saiu à beira das lágrimas diz uma pessoa que viu a cena.
Mas o estilo direto de Dilma não funcionou em meio à crise política. A maioria do governo no Congresso começou a entrar em colapso este ano com queixas inclusive de integrantes do PT de que ela não tinha conseguido negociar com os principais parlamentares as legislações necessárias para ajustar a economia. Em vez disso, ela enviou emissários para apresentar suas metas, um gesto que muitos parlamentares consideraram arrogante.
Alguns dos retrocessos no Congresso podem ser um reflexo das dificuldades da primeira líder mulher num cenário político brasileiro dominado por homens, diz o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Ela é forte e as pessoas ficam espantadas. É uma reação de macho.”
Mesmo se seu governo fracassar, a história provavelmente vai apontar para problemas econômicos e corrupção, não para o seu gênero, dizem analistas políticos. Dilma, porém, está acostumada a superar obstáculos, dizem pessoas que a conhecem.
“Ela é uma lutadora e é apropriada para essa situação”, diz o filósofo Roberto Mangabeira Unger, que há 30 anos conhece Dilma e em fevereiro assumiu como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos para ajudá-la a “buscar novas ideias”.
Nos bastidores, Dilma permaneceu otimista e calma diante das pressões, ajudando a tranquilizar seu gabinete, de acordo com o governador de Minas Gerais pelo PT, Fernando Pimentel. “Ela é muito serena sob pressão e está focando a equipe para resolver um problema de cada vez” para dar uma virada na situação, diz Pimentel, que conhece Dilma desde os tempos em que ambos participaram da militância esquerdista.
Dilma indicou um oponente filosófico para comandar o Ministério da Fazenda no seu segundo mandato, o conservador Joaquim Levy, que estudou na Universidade de Chicago, cujas primeiras medidas para controlar os gastos já são vistas por alguns como bem-sucedidas em preservar o grau de investimento do Brasil.
Mas alguns partidários do PT consideram a austeridade de Levy uma traição e têm aderido aos protestos contra o governo.
“Eu me sinto enganado pela Dilma”, diz Valdivino Gomes, líder do Movimento dos Sem Terra (MST). Ele falou brevemente após seu grupo entrar em confronto com a polícia em um protesto em abril contra a austeridade adotada pelo governo próximo ao Palácio do Planalto.
Enquanto isso, Dilma está pressionando por mudanças políticas. Em junho ela deve visitar os Estados Unidos, em parte para restabelecer as relações entre os dois países que ficaram abaladas depois das alegações de que ela tinha sido espionada pelo governo americano, que a levaram a cancelar a visita que faria aos EUA em 2013 e exigir um pedido de desculpas. Agora, em vez de cobrar desculpas, ela está minimizando o incidente.
“(Obama) falou para mim que, agora, quando ele quiser saber qualquer coisa, ele vai me ligar”, disse ela em uma coletiva de imprensa com jornalistas brasileiros após encontrar o presidente dos EUA na Cúpula das Américas, em abril.


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