O que esperar da delação premiada de Ricardo Pessôa, da UTC?
Ele é o primeiro dono de empreiteira a confessar crimes na Lava
Jato. A colaboração dele jogará gasolina política no petrolão
Ricardo Pessôa - o empresário fez acusações ao PT e ao PMDB |
Cercado por delegados federais e procuradores, zeladores do
patrimônio público, o empreiteiro Ricardo Pessôa chorou. Não conteve
a emoção ao ouvir elogios à capacidade e à qualidade de suas
empresas, UTC e Constran. O empresário estava numa reunião na sede
da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na quarta-feira, dia 13.maio.2015. A
observação veio de um procurador, em tom de reprimenda, como quem
diz “precisava mesmo ter participado disso?”.
Nas investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, Pessôa
aparece com papel de destaque no organograma do petrolão, o esquema
de cobrança de propina de construtoras e desvio da Petrobras. É
apontado como coordenador do “clube das empreiteiras”. Coordenava,
pelo lado das construtoras, a definição de qual companhia ou
consórcio do cartel venceria cada uma das licitações da Petrobras.
Pagava propina também a diretores da estatal, operadores do esquema
e políticos. Por isso, estava naquela sala acompanhado de cinco
advogados, ao menos dois delegados federais e oito procuradores.
Entre eles, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Assinava
um acordo de delação premiada. No mesmo dia, começou a contar o que
sabe, em troca de redução de pena e um provável direito de
permanecer em liberdade. Foram cerca de cinco horas na primeira
sessão de revelações. Comprometeu-se também a pagar uma multa de
cerca de R$ 50 milhões. O acordo ainda precisa ser homologado pelo
ministro Teori Zavascki, relator do petrolão no Supremo Tribunal
Federal.
A delação de Pessôa jogará gasolina política no petrolão. Desde que
a Operação Lava Jato chegou às principais empreiteiras do país, ele
é visto como um delator com potencial explosivo. Suas revelações
preocupam o Palácio do Planalto e as cúpulas do Congresso Nacional,
do PT e do PMDB. Pessôa não é apenas alguém que corrompeu
autoridades. Conviveu com elas. Tinha trânsito fácil nos principais
gabinetes de Brasília. Recebia e era recebido, com afagos, por
políticos de diferentes escalões interessados em recursos para
campanhas e até em suas análises sobre o setor de obras públicas. A
posição de líder no cartel também faz com que conheça com detalhes
práticas irregulares de suas concorrentes. Antes de Lula, a UTC de
Pessôa não era nada. Com Lula, virou um colosso.
Ficou claro, na quarta-feira (13.maio.2015) e durante as negociações com os
procuradores, o potencial da delação de Pessôa. O empreiteiro
ofereceu informações que, caso comprovadas, mostrarão que o petrolão
chegou também a outras estatais federais e ainda mais perto do
Palácio do Planalto. Mas o empreiteiro promete mais do que confirmar
parte das denúncias já investigadas.
De acordo com fontes que participam da organização da delação de
Pessôa, o empresário afirmou que a UTC e outras empresas
investigadas na Lava Jato atuaram em cartel nas obras da usina
nuclear de Angra 3, da estatal Eletronuclear. Em contrapartida,
desembolsaram propina a integrantes da bancada do PMDB do Senado.
Disse também que contribuiu para o caixa dois da campanha à
reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. Uma
declaração que, se comprovada, estabelecerá relação direta do
esquema com Lula e mostrará que o PT insistiu no uso de dinheiro
ilegal em campanhas, mesmo depois de descoberto o mensalão. Pessôa
afirmou ter doado recursos para a última campanha da presidente
Dilma Rousseff, em 2014, de modo oficial, por temer eventuais
retaliações em contratos. No período, a Operação Lava Jato já estava
deflagrada. Disse também ter pagado cerca de R$ 2,4 milhões em
dívidas de campanha do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT),
em 2012. Os pagamentos ocorreram, na versão de Pessôa, a pedido do
ex-tesoureiro do partido João Vaccari. O PT e Vaccari negam qualquer
irregularidade.
Obras da usina Angra 3, em 2013. Segundo o delator, a obra também resultou em propina a políticos |
Desde o ano passado, Pessôa negociava a delação premiada. Esteve
por vezes próximo de um acordo com os procuradores do Paraná. Mas as
conversas empacavam. Ele temia as consequências pessoais e
empresariais de confessar a culpa. Segundo integrantes das
negociações, parecia acreditar que não ficaria preso. Negava-se a
compreender que a situação se desenhava para passar vários anos
encarcerado, como ocorreu com a ex-presidente do Banco Rural Kátia
Rabello, no mensalão. Acabou ultrapassado, na fila da delação, pelo
diretor presidente da empreiteira Camargo Corrêa, Dalton Avancini, e
pelo vice-presidente, Eduardo Leite. Foi quando mudou de estratégia.
As tratativas com a Procuradoria-Geral da República, em Brasília,
começaram há dois meses, antes mesmo de ele ser solto, por decisão
do Supremo. Pessôa se comprometeu a fazer a delação, mesmo que fosse
solto. Cumpriu a palavra. Sentindo-se abandonado por Lula, de quem
se diz amigo, e pela Odebrecht, a quem diz ter ajudado no cartel,
Pessôa, movido por vingança e cálculo, se convenceu de que a
colaboração era sua melhor alternativa. Foram menos de dez reuniões
até a assinatura do acordo naquela quarta-feira (13.maio.2015).
A delação de Ricardo Pessôa pode levar outros empreiteiros e
integrantes do petrolão para a fila de delação. Eles sabem que, com
os novos depoimentos, as acusações devem se tornar mais
contundentes. Além disso, no mercado da delação, os benefícios são
proporcionais à quantidade de informações novas. A cada acordo
celebrado, o capital dos demais acusados se reduz. Até mesmo a
doleira Nelma Kodama, já sentenciada a 18 anos de prisão, disse que
gostaria de colaborar com a Justiça. Nelma deixou isso claro durante
uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, em
Curitiba. Em diversos momentos, ela divertiu os deputados. Em um dos
momentos teatrais de seu depoimento, demonstrou onde guardava € 200
mil quando foi presa deixando o Brasil. De pé, explicou que o
bolinho de dinheiro nem era tão volumoso e estava no bolso de trás
da calça jeans, e não na calcinha, como dito na ocasião da
apreensão. Arrancou risos dos parlamentares novamente ao cantar
“Amada amante”, de Roberto Carlos, para dizer que não teve só um
caso com o doleiro Alberto Youssef. Viveu, segundo ela,
“maritalmente com ele do ano de 2000 a 2009”. Só parou a canção ao
ser repreendida pelo presidente da CPI, deputado Hugo Motta
(PMDB-PB): “Senhora Nelma, nós não estamos em um teatro”. Já Luiz
Argôlo, ex-deputado federal preso na Operação Lava Jato, prestou
depoimento segurando um terço. Em atitude de pregador, declarou aos
ex-colegas: “Os humilhados, um dia, serão exaltados. Isso é
bíblico”. Na quinta-feira, Argôlo e os também ex-parlamentares
presos André Vargas e Pedro Corrêa foram denunciados pelo Ministério
Público Federal, junto com outras dez pessoas. Começa a 11ª fase da
Operação Lava Jato. Não será a última.
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