As suspeitas de tráfico de influência internacional sobre o ex-presidente Lula
O Ministério Público Federal abre uma
investigação contra o petista – ele é suspeito de ajudar a Odebrecht em
contratos bilionários
Quando entregou a faixa presidencial a sua pupila, Dilma Rousseff, em
janeiro de 2011, o petista Luiz Inácio Lula da Silva deixou o Palácio do
Planalto, mas não o poder. Saiu de Brasília com um capital político
imenso, incomparável na história recente do Brasil. Manteve-se influente
no PT, no governo e junto aos líderes da América Latina e da África –
líderes, muitos deles tiranetes, que conhecera e seduzira em seus oito
anos como presidente, a fim de, sobretudo, mover a caneta de seus
respectivos governos em favor das empresas brasileiras. Mais
especificamente, em favor das grandes empreiteiras do país, contratadas
por esses mesmos governos estrangeiros para tocar obras bilionárias com
dinheiro, na verdade, do Banco Nacional de Desenvolvimento, o BNDES,
presidido até hoje pelo executivo Luciano Coutinho, apadrinhado de Lula.
Como outros ex-presidentes, Lula abriu um instituto com seu nome.
Passou a fazer por fora (como ex-presidente) o que fazia por dentro
(como presidente). Decidiu continuar usando sua preciosa influência.
Usou o prestígio político para, em cada negócio, mobilizar líderes de
dois países em favor do cliente, beneficiado em seguida com contratos
governamentais lucrativos. Lula deu início a seu terceiro mandato.
Tornou-se o lobista em chefe do Brasil.
Nos últimos quatro anos, Lula viajou constantemente para cuidar de seus
negócios. Os destinos foram basicamente os mesmos – de Cuba a Gana,
passando por Angola e República Dominicana. A maioria das andanças de
Lula foi bancada pela construtora Odebrecht, a campeã, de longe, de
negócios bilionários com governos latino-americanos e africanos embalada
por financiamentos do BNDES. No total, o banco financiou ao menos US$
4,1 bilhões em projetos da Odebrecht em países como Gana, República
Dominicana, Venezuela e Cuba durante os governos de Lula e Dilma.
Segundo documentos obtidos por ÉPOCA, o BNDES fechou o financiamento de
ao menos US$ 1,6 bilhão com destino final à Odebrecht após Lula, já como
ex-presidente, se encontrar com os presidentes de Gana e da República
Dominicana – sempre bancado pela empreiteira. Há obras como modernização
de aeroporto e portos, rodovias e aquedutos, todas tocadas com os
empréstimos de baixo custo do BNDES em países alinhados com Lula e o PT.
A Odebrecht foi a construtora que mais se beneficiou com o dinheiro
barato do banco estatal. Só no ano passado, segundo estudo do Senado, a
empresa recebeu US$ 848 milhões em operações de crédito para tocar
empreendimentos no exterior – 42% do total financiado pelo BNDES. Há
anos o banco presidido por Luciano Coutinho resiste a revelar os exatos
termos desses financiamentos com dinheiro público, apesar de exigências
do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e do Congresso.
São o segredo mais bem guardado da era petista.
Moralmente, as atividades de Lula como ex-presidente são, no mínimo,
questionáveis. Mas há, à luz das leis brasileiras, indícios de crime?
Segundo o Ministério Público Federal, sim. ÉPOCA obteve, com
exclusividade, documentos que revelam: o núcleo de Combate à Corrupção
da Procuradoria da República em Brasília abriu, há uma semana,
investigação contra Lula por tráfico de influência internacional e no
Brasil. O ex-presidente é formalmente suspeito de usar sua influência
para facilitar negócios da Odebrecht com representantes de governos
estrangeiros onde a empresa toca obras com dinheiro do BNDES. Eis o
resumo do processo: “TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. LULA. BNDES. Supostas
vantagens econômicas obtidas, direta ou indiretamente, da empreiteira
Odebrecht pelo ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva,
entre os anos de 2011 a 2014, com pretexto de influir em atos praticados
por agentes públicos estrangeiros, notadamente os governos da República
Dominicana e Cuba, este último contendo obras custeadas, direta ou
indiretamente, pelo BNDES”.
Os procuradores enquadram a relação de Lula com a Odebrecht, o BNDES e
os chefes de Estado, a princípio, em dois artigos do Código Penal. O
primeiro, 337-C, diz que é crime “solicitar, exigir ou obter, para si ou
para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em
ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas
funções, relacionado a transação comercial internacional”. O nome do
crime: tráfico de influência em transação comercial internacional. O
segundo crime, afirmam os procuradores, refere-se à suspeita de tráfico
de influência junto ao BNDES. “Considerando que as mencionadas obras são
custeadas, em parte, direta ou indiretamente, por recursos do BNDES,
caso se comprove que o ex-presidente da República Luís Inácio Lula da
Silva também buscou interferir em atos práticos pelo presidente do
mencionado banco (Luciano Coutinho), poder-se-á, em tese, configurar o
tipo penal do artigo 332 do Código Penal (tráfico de influência)”, diz o
documento.
A investigação do MPF pode envolver pedidos de documentos aos órgãos e
governos envolvidos, assim como medidas de quebras de sigilos. Nas
últimas semanas, ÉPOCA obteve documentos oficiais, no Brasil e no
exterior, e entrevistou burocratas estrangeiros para mapear a relação
entre as viagens internacionais do ex-presidente e de integrantes do
Instituto Lula com o fluxo de caixa do BNDES em favor de obras da
Odebrecht nos países visitados. A papelada e os depoimentos revelam
contratos de obras suspeitas de superfaturamento bancadas pelo banco
estatal brasileiro, pressões de embaixadores brasileiros para que o
BNDES liberasse empréstimos – e, finalmente, uma sincronia entre as
peregrinações de Lula e a formalização de liberações de empréstimos
bilionários do banco estatal em favor do conglomerado baiano.
A Odebrecht tem receita anual de cerca R$ 100 bilhões. É uma das
principais empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato, que
desmontou um esquema de pagamento de propinas na Petrobras. Segundo
delatores, a construtora tinha um método sofisticado de pagamento de
propinas, incluindo remessas ao exterior trianguladas com empresas
sediadas no Panamá. A empreiteira, que foi citada pelo doleiro Alberto
Youssef e por ex-funcionários do alto escalão da Petrobras, nega as
acusações.
AMIGOS - O ex-presidente Lula em encontro com o presidente da República
Dominicana, Danilo Medina, em janeiro de 2013. Lula foi dar uma palestra em premiação a jovens do país. |
PRESTÍGIO - O presidente de Gana, John Dramani Mahama, veio ao Brasil em
2014 para lançar seu livro Meu primeiro golpe de Estado. Aproveitou para visitar Lula e executivos da Odebrecht. |
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