Empresa de Antonio Palocci: Consultoria Projeto recebeu R$ 24 milhões em três anos e meio
Escritório de Thomaz Bastos pode
ter feito triangulação entre Pão de Açúcar e Palocci
Um relatório do Coaf (órgão de inteligência financeira vinculado ao
Ministério da Fazenda) apontou depósitos totais de R$ 24 milhões nas
contas da Projeto, a consultoria do ex-ministro da Fazenda e da Casa
Civil Antonio Palocci (PT-SP). O valor foi pago de janeiro de 2008 a
junho de 2011.
No período, Palocci exerceu mandato de deputado federal e, a partir de
janeiro de 2011, a chefia da Casa Civil no primeiro mandato da
presidente Dilma Rousseff. Ele já havia sido ministro da Fazenda no
governo Lula.
De acordo com o documento, a Amil, operadora de plano de saúde, foi a
principal cliente de Palocci, com depósitos totais de R$ 5,7 milhões.
Desse total, R$ 4,8 milhões foram no período compreendido entre 10 de maio de 2010 e 17 de junho de 2011.
Procurada, a Amil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o tema.
O segundo maior cliente de Palocci foi o escritório de advocacia do
ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro passado,
com R$ 5,5 milhões, mostra o relatório do Coaf. Os pagamentos tiveram
como origem o grupo de supermercados Pão de Açúcar, que contratou o
ex-ministro para que ajudasse na fusão com as Casas Bahia.
Pagamentos feitos pelo escritório de Márcio Thomaz Bastos à Projeto, de Palocci |
O pagamento de R$ 5,5 milhões, faturado em nove notas fiscais, feito
pelo Pão de Açúcar, então comandado pelo empresário Abilio Diniz, foi
camuflado pelo escritório do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz
Bastos, morto em novembro de 2014. Com um histórico de serviços
prestados ao PT e ao próprio Palocci, Thomaz Bastos disse em documento
que subcontratou o ex-ministro da Fazenda para auxiliá-lo na fusão do
Pão de Açúcar com as Casas Bahia.
Advogados de Palocci afirmam que a Projeto foi contratada para auxiliar na operação de fusão entre o Pão de Açúcar e a Casas Bahia |
O milionário acordo entre Thomaz Bastos e o Pão de Açúcar foi feito no
fio do bigode, sem registro no bom e velho papel. Em correspondência
oficial interna do Pão de Açúcar obtida pela reportagem, o então diretor jurídico do
grupo, Ednus Ascari, justificou que “em função da relação de confiança
desenvolvida” é comum que os “serviços de assessoria jurídica sejam
contratados de modo mais informal”. (Confira fac-símile abaixo).
Pão de Açúcar responde o MPF, atestando contrato de boca com o
escritório de Márcio Thomaz Bastos e reconhecimento de que o grupo tinha ciência da subcontratação de Palocci |
Em carta enviada a amigos, o ex-ministro Antonio Palocci tentou
justificar os pagamentos à sua consultoria quando era coordenador de
campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2010. Sobre o contrato com o
Grupo Pão de Açúcar, Palocci afirmou que “foram prestados serviços
técnicos de acompanhamento da aquisição de Casas Bahia, pelo acima
nominado conglomerado varejista, trabalho este executado em parceria com
o Escritório de Advocacia Márcio Thomaz Bastos''.
A CONSULTORIA CHINESA
Em 1º de julho de 2010 Palocci fechou um contrato com a rede de
concessionária de automóveis Caoa. No papel, o petista foi contratado
para ajudar o empresário Carlos Alberto Oliveira Andrade, dono do grupo
automotivo, na avaliação de oportunidades de negócios com a China e na
ampliação de produção de veículos. Palocci deveria ajudar a explorar uma
nova marca e uma nova linha de veículos com preços competitivos em
relação às montadoras chinesas que estavam chegando ao Brasil. O
ex-ministro foi então recrutado para negociar uma parceria com a Great
Wall, maior fabricante de utilitários esportivos da China, e a BYD,
fabricante chinesa de carros elétricos. Novamente: era isso que o
contrato previa. Nele, consta a definição do que seria o serviço. Há
expressões como “no intuito de analisar e assessorar a concretização de
investimentos em projetos na área de produção” e procurar “definição de
investimento em nova planta”.
Conforme o próprio grupo Caoa admitiu, as consultorias de Palocci não
vingaram – nenhum acordo relevante foi fechado. Mesmo assim, o
ex-ministro levou uma bolada. De julho a dezembro de 2010, ele recebeu
da Caoa R$ 4,5 milhões. Durante o período em que o ex-ministro era seu
consultor, o grupo Caoa pleiteava no Congresso a aprovação da Medida
Provisória 512, que estendeu até 2020 as isenções fiscais para
montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país – a Caoa tem uma
fábrica da Hyundai em Goiás. Sem a medida, o benefício se encerraria em
janeiro de 2011. A MP foi transformada em lei em abril de 2011, quando
Palocci era chefe da Casa Civil.
Procurada, a Caoa, montadora e revendedora de veículos, que pagou R$
4,7 milhões, informou que nunca teve contrato e nem fez acordo com as
montadoras chinesas Great Wall e BYD. O grupo ainda informou que
contratou a Projeto para consultoria "em dois períodos, de 2008 a 2010 e
de 2012 a 2013, nas áreas de planejamento estratégico, econômico,
financeiro e de relações internacionais. Por política interna, a Caoa
não comenta detalhes sobre contratos".
Procurado, Palocci não quis falar. Pronunciou-se por meio de nota. “A
empresa de consultoria Projeto não pode divulgar cláusulas e condições
dos contratos que celebra com seus clientes, os quais se revestem de
cláusula de confidencialidade, inclusive por conterem segredos
comerciais das contratantes. Todas essas informações, todavia, estão – e
sempre estiveram – à inteira disposição dos órgãos estatais de
fiscalização e controle. Sobre os questionamentos formulados,
esclarecemos que rigorosamente tudo o quanto se indagou já foi
respondido ao Ministério Publico Federal, há tempos, inclusive com envio
de todas as informações contratuais, contábeis, financeiras e
tributárias – e a respectiva documentação –, as quais foram encaminhadas
à Procuradoria da República no Distrito Federal, onde tramita, desde o
ano de 2011, procedimento a respeito dos fatos e que se reveste de
caráter sigiloso, que nada tem a ver com a Operação Lava Jato.”
A CONSULTORIA DO FRANGO
Segundo os documentos obtidos pela reportagem, a consultoria de Palocci
recebeu R$ 2 milhões da JBS entre 2009 e 2010. É um caso para lá de
estranho: embora Palocci tenha admitido que recebeu da JBS, a JBS
informou por e-mail, que nunca teve qualquer negócio com o petista.
No caso de Palocci, a JBS fez sete depósitos em cinco meses. Os
pagamentos se dividiram em dois de R$ 250 mil e outros cinco de R$ 300
mil, segundo notas fiscais obtidas pela reportagem. Embora a JBS negue, a
justificativa para esses pagamentos está num contrato com metas e
tarefas inverossímeis para um consultor como Palocci.
O contrato foi assinado no dia 1º de julho de 2009. Previa o
assessoramento do ex-ministro na aquisição que a JBS faria nos Estados
Unidos da multinacional Pilgrims Pride, segunda maior produtora de aves
do mundo. A JBS fechou o negócio logo depois, em 16 de setembro daquele
ano. Aos procuradores, Palocci descreveu os serviços que a JBS diz não
ter contratado: “Apoio decisório que passa pela análise das perspectivas
do mercado de carnes de frango nos mercados americano e global e pela
avaliação do valor de mercado da companhia e as sinergias passíveis de
serem auferidas com a globalização do grupo em outras áreas de proteína
animal, além da carne bovina”.
Mesmo que Palocci entendesse profundamente do mercado avícola americano e
global, um documento enviado ao BNDES pela dona da Friboi em 5 de
agosto daquele ano – um mês, portanto, após a contratação de Palocci –
põe ainda mais em dúvida a veracidade dos serviços, segundo o MPF. Na
nota técnica AMC/DEPAC 028/2010, a que a reportagem teve acesso, a JBS
informa ao BNDES que “já estava em fase adiantada de negociação com a
Pilgrims”. O próprio dono da JBS, o empresário Joesley Batista, que já
era dono nos Estados Unidos da multinacional Swift, disse, em outubro
daquele ano: “Começamos a negociar com a Pilgrims Pride há um ano, antes
que pedisse concordata”. Dez meses antes, portanto, da assinatura do
contrato com Palocci. Nele, aliás, Palocci assinalou que ajudaria a JBS
“no processo de negociação” e na “avaliação do empreendimento”.
Executivos envolvidos nessa negociação disseram que a JBS foi
assessorada por uma equipe de cerca de 20 especialistas em fusões e
aquisições, formada por representantes dos bancos JP Morgan e Santander –
e de dois tradicionais escritórios de advocacia, o brasileiro Pinheiro
Neto e o americano Shearman & Sterling. Segundo essas fontes, que
pediram anonimato, Palocci em nenhum momento se agregou ao grupo ou foi
mencionado como um dos analistas da operação comercial. É, portanto, o
mesmo relato que se fez no caso de Márcio Thomaz Bastos e do Pão de
Açúcar.
Palocci, portanto, nada fez? Não há certeza, novamente. Mas, em setembro
de 2009, dois meses depois da contratação do petista, a JBS anunciou a
aquisição do frigorífico brasileiro Bertin e da americana Pilgrim’s
Pride numa só tacada. Para fechar o negócio com a Pilgrim’s, a JBS
contou com o apoio do BNDES, que, segundo suspeita o MPF, só topou
financiar essa aquisição internacional se a companhia adquirisse o
endividado Bertin. Assim foi feito. Em dezembro, o banco adquiriu R$
3,47 bilhões em debêntures (papéis de dívida) do frigorífico Bertin. Um
mês depois, Palocci emitiu sua última nota de consultoria para a JBS, no
valor de R$ 300 mil. O financiamento da operação do banco estatal
desencadeou uma investigação em andamento no Ministério Público Federal
no Rio de Janeiro. O BNDES se recusa a fornecer informações sobre a
operação de financiamento da JBS.
OUTROS CLIENTES DE PALOCCI - SEGUNDO RELATÓRIO DO COAF
A Multiplan Empreendimentos, que administra shopping centers - pagou R$
619,4 mil à Projeto -, informou que entre junho de 2008 e julho de 2010
manteve "contrato regular de consultoria econômica, com pagamentos
mensais, que compreendia a realização de reuniões e palestras. Todos os
serviços foram prestados de acordo com o escopo do contrato".
A empresa Grande Moinho Cearense, pertencente ao grupo empresarial de
Carlos Jereissati, irmão do ex-governador do Ceará e senador Tasso
Jereissati (PSDB-CE), também aparece como cliente de Palocci, com
depósitos de R$ 506 mil. A empresa não havia se manifestado até o
fechamento desta edição.
O banco Safra, associado a R$ 694 mil à Projeto, não se manifestou. A
assessoria da Cyrela, que pagou R$ 544,3 mil, informou que não havia
conseguido localizar representante da empresa.
A reportagem não localizou do
Hospital das Clínicas de Niterói (R$ 1,34 milhão) e da Esho (R$ 934
mil).
INVESTIGAÇÃO
Embora não militasse na área do direito concorrencial, parte dos
pagamentos que Márcio Thomaz Bastos recebeu do Pão de Açúcar, ainda nos
tempos em que Abilio Diniz controlava o grupo, era justamente para
remunerar sua atuação no Cade – sobretudo na aprovação da fusão com as
Casas Bahia.
No caso dos pagamentos a Antonio Palocci, a missão era outra: pendências na Receita Federal.
O Ministério Público Federal (MPF) já está trabalhando em cima dos documentos relativos a essas contratações.
Palocci deixou o cargo de ministro da Casa Civil em 2011, no primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff, depois que uma reportagem
revelou que ele comprara um apartamento avaliado em R$ 6,6 milhões,
antes de voltar a Brasília. Palocci, que não tem herança e sempre foi
político, se recusou a explicar a origem do dinheiro. Disse apenas que
provinha dos clientes que contratavam a Projeto, sua empresa de
consultoria. Preferiu deixar a Casa Civil a revelar os nomes deles – e a
declinar para que fora exatamente contratado.
Na época, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar o caso na esfera criminal. Uma apuração na área cível continuou.
Parada há quase quatro anos, a investigação foi retomada no mês passado pelo Ministério Público Federal de Brasília. As empresas que contrataram a Projeto serão procuradas para explicar a natureza dos serviços.
Na época, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar o caso na esfera criminal. Uma apuração na área cível continuou.
Parada há quase quatro anos, a investigação foi retomada no mês passado pelo Ministério Público Federal de Brasília. As empresas que contrataram a Projeto serão procuradas para explicar a natureza dos serviços.
PALESTRAS E ANÁLISES DE CENÁRIO POLÍTICO
Palocci dava palestras e fazia análises de cenários, por valores modestos. O valor de mercado do ex-ministro, quando contratado para análise de cenário por uma grande empresa, era de R$ 30 mil a R$ 50 mil por mês. Nas palestras, a fatura não ficava muito longe disso. Em 12 de novembro de 2013, Palocci fez uma palestra para um grupo de empresários, a convite do banco BR Partners. Cobrou R$ 30 mil.
Palocci fez palestra até para a UTC, empreiteira apontada como líder do cartel do petrolão. Foi em 2006, logo após deixar o governo Lula. Cobrou R$ 27 mil. Procurada, a UTC disse que “foi efetuado pagamento registrado e tributado no valor de R$ 27 mil, compatível com o que era cobrado na época por palestrantes de primeira linha, caso do senhor Palocci”.
Palocci dava palestras e fazia análises de cenários, por valores modestos. O valor de mercado do ex-ministro, quando contratado para análise de cenário por uma grande empresa, era de R$ 30 mil a R$ 50 mil por mês. Nas palestras, a fatura não ficava muito longe disso. Em 12 de novembro de 2013, Palocci fez uma palestra para um grupo de empresários, a convite do banco BR Partners. Cobrou R$ 30 mil.
Palocci fez palestra até para a UTC, empreiteira apontada como líder do cartel do petrolão. Foi em 2006, logo após deixar o governo Lula. Cobrou R$ 27 mil. Procurada, a UTC disse que “foi efetuado pagamento registrado e tributado no valor de R$ 27 mil, compatível com o que era cobrado na época por palestrantes de primeira linha, caso do senhor Palocci”.
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