Guido Mantega quis 'omitir' perda no patrimônio da Petrobras
O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou impedir a divulgação de
um cálculo encomendado pela própria Petrobras que indicava perdas de R$
88,6 bilhões no patrimônio da estatal.
A reportagem teve acesso ao áudio da reunião do conselho da estatal
realizada no dia 27 de janeiro deste ano. Mantega, que presidia o
conselho de administração, diz que o cálculo, feito pela consultoria
Deloitte e pelo banco BNP Paribas, era uma "temeridade" e bateu de
frente com a então presidente da empresa, Graça Foster. A executiva
defendia que o mercado fosse informado, o que acabou ocorrendo.
A atitude de Graça desagradou à presidente Dilma Rousseff e ela perdeu o
cargo pouco tempo depois, sendo substituída por Aldemir Bendine,
ex-presidente do Banco do Brasil.
"Acho uma temeridade divulgar esse número. Vai afetar o nosso rating,
custo financeiro, a solidez da empresa por algo de que não temos
certeza. Cria a possibilidade de que a Petrobras tenha um endividamento
muito maior em relação a seu patrimônio", diz o ministro no áudio.
Durante essa reunião, que durou oito horas, Graça pediu a divulgação do
número e contou com o apoio dos representantes dos acionistas
minoritários. A então presidente da Petrobras estava preocupada em ser
responsabilizada por omitir informações do mercado.
"E se a CVM me pergunta sobre esses números? Se existe, porque não
divulgaram? Quem está escondendo esse número? De quem é a
responsabilidade? Da diretoria ou do conselho?", diz Graça, ressaltando
que tinha receio de vazamentos, porque "mais de cem pessoas tiveram
acesso".
Em resposta a Graça, Mantega diz que a empresa "faz vários relatórios e nem todos são revelados".
Ele afirma ainda que "o que discutimos aqui está sobre regra de sigilo.
Somos todas pessoas responsáveis. [O número apurado pela consultoria]
não deveria vazar".
A proposta da diretoria da Petrobras na época não era reconhecer os R$
88,6 bilhões em perdas no balanço da empresa, mas informar o cálculo em
uma nota explicativa.
Quando finalmente divulgou seu balanço três semanas atrás, a estatal
desprezou esse valor e admitiu ter perdido R$ 44,6 bilhões em
patrimônio, principalmente pela má gestão e pela corrupção na construção
de refinarias.
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega |
COMPERJ DE FORA
Durante a reunião, técnicos da Petrobras esclarecem que, na avaliação da
Deloitte, a explosão de gastos na construção do Comperj foi tão grande
que seu valor estava negativo em US$ 2,5 bilhões. "Não há valor de
mercado. Se continuar a investir, vai afundar mais alguma coisa (perder
dinheiro)", diz o técnico.
Na discussão com Mantega, Graça revela outro motivo para divulgar os
números. No dia seguinte à realização do encontro, a Petrobras corria o
risco de que 27 credores pedissem a antecipação do vencimento de US$
19,3 bilhões em dívidas, porque a estatal não conseguia divulgar o
balanço, uma obrigação estabelecida em contrato.
"Temos que negociar com esses credores. Pode ter chinês batendo na nossa
porta cobrando todo tipo de coisa. Agora, quanto mais informação você
mostra, mais chance tem de ser bem-sucedido."
BATALHA
A reunião do conselho foi uma verdadeira batalha. Mantega teve o apoio
do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, da ex-ministra do
Planejamento, Miriam Belchior, e do professor da FGV Sérgio Quintela.
Já Graça contou com o aval dos representantes dos acionistas
minoritários, Mauro Cunha e José Monforte, e do representante dos
funcionários, Silvio Sinedino.
"Se não divulgarmos os dados, estaremos mentindo. Estamos vendo uma
mudança de 180 graus no que foi discutido dois dias atrás, o que reflete
mais uma vez a interferência do acionista controlador da companhia (o
governo)", disse Cunha.
A ata da reunião, à qual a reportagem também teve acesso, reflete o
embate que ocorreu no áudio. No documento está escrito que Mantega
"pontuou seu entendimento de que o valor justo dos ativos mostra-se
inadequado".
Ao final do encontro, Mantega acaba concordando com a publicação do
cálculo. Nos bastidores da reunião, o governo tomou conhecimento de que
os representantes dos acionistas minoritários pretendiam protocolar o
número na CVM caso ele não fosse divulgado.
Foi só nesse momento, às 22h, que Mantega permitiu que o cálculo fosse
divulgado. Na ata, apenas o professor Quintella registrou formalmente
sua posição contrária a divulgação.
Procurado, o ex-ministro informou que "o que importa é que, sob sua
presidência, o conselho divulgou os dados, e que discussões internas
fazem parte do processo de decisão da companhia".
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