terça-feira, 19 de maio de 2015


Empresa de Antonio Palocci: Consultoria Projeto recebeu R$ 24 milhões em três anos e meio
Escritório de Thomaz Bastos pode ter feito triangulação entre Pão de Açúcar e Palocci

Um relatório do Coaf (órgão de inteligência financeira vinculado ao Ministério da Fazenda) apontou depósitos totais de R$ 24 milhões nas contas da Projeto, a consultoria do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci (PT-SP). O valor foi pago de janeiro de 2008 a junho de 2011.
No período, Palocci exerceu mandato de deputado federal e, a partir de janeiro de 2011, a chefia da Casa Civil no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Ele já havia sido ministro da Fazenda no governo Lula.
De acordo com o documento, a Amil, operadora de plano de saúde, foi a principal cliente de Palocci, com depósitos totais de R$ 5,7 milhões.
Desse total, R$ 4,8 milhões foram no período compreendido entre 10 de maio de 2010 e 17 de junho de 2011.
Procurada, a Amil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o tema.
O segundo maior cliente de Palocci foi o escritório de advocacia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro passado, com R$ 5,5 milhões, mostra o relatório do Coaf. Os pagamentos tiveram como origem o grupo de supermercados Pão de Açúcar, que contratou o ex-ministro para que ajudasse na fusão com as Casas Bahia.

Pagamentos feitos pelo escritório de Márcio Thomaz Bastos à Projeto, de Palocci

O pagamento de R$ 5,5 milhões, faturado em nove notas fiscais, feito pelo Pão de Açúcar, então comandado pelo empresário Abilio Diniz, foi camuflado pelo escritório do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro de 2014. Com um histórico de serviços prestados ao PT e ao próprio Palocci, Thomaz Bastos disse em documento que subcontratou o ex-ministro da Fazenda para auxiliá-lo na fusão do Pão de Açúcar com as Casas Bahia.

Advogados de Palocci afirmam que a Projeto foi contratada para auxiliar na operação de fusão entre o Pão de Açúcar e a Casas Bahia

O milionário acordo entre Thomaz Bastos e o Pão de Açúcar foi feito no fio do bigode, sem registro no bom e velho papel. Em correspondência oficial interna do Pão de Açúcar obtida pela reportagem, o então diretor jurídico do grupo, Ednus Ascari, justificou que “em função da relação de confiança desenvolvida” é comum que os “serviços de assessoria jurídica sejam contratados de modo mais informal”. (Confira fac-símile abaixo).

Pão de Açúcar responde o MPF, atestando contrato de boca com o escritório de Márcio Thomaz Bastos
e reconhecimento de que o grupo tinha ciência da subcontratação de Palocci

Em carta enviada a amigos, o ex-ministro Antonio Palocci tentou justificar os pagamentos à sua consultoria quando era coordenador de campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2010. Sobre o contrato com o Grupo Pão de Açúcar, Palocci afirmou que “foram prestados serviços técnicos de acompanhamento da aquisição de Casas Bahia, pelo acima nominado conglomerado varejista, trabalho este executado em parceria com o Escritório de Advocacia Márcio Thomaz Bastos''.


A CONSULTORIA CHINESA
Em 1º de julho de 2010 Palocci fechou um contrato com a rede de concessionária de automóveis Caoa. No papel, o petista foi contratado para ajudar o empresário Carlos Alberto Oliveira Andrade, dono do grupo automotivo, na avaliação de oportunidades de negócios com a China e na ampliação de produção de veículos. Palocci deveria ajudar a explorar uma nova marca e uma nova linha de veículos com preços competitivos em relação às montadoras chinesas que estavam chegando ao Brasil. O ex-ministro foi então recrutado para negociar uma parceria com a Great Wall, maior fabricante de utilitários esportivos da China, e a BYD, fabricante chinesa de carros elétricos. Novamente: era isso que o contrato previa. Nele, consta a definição do que seria o serviço. Há expressões como “no intuito de analisar e assessorar a concretização de investimentos em projetos na área de produção” e procurar “definição de investimento em nova planta”.
Conforme o próprio grupo Caoa admitiu, as consultorias de Palocci não vingaram – nenhum acordo relevante foi fechado. Mesmo assim, o ex-ministro levou uma bolada. De julho a dezembro de 2010, ele recebeu da Caoa R$ 4,5 milhões. Durante o período em que o ex-ministro era seu consultor, o grupo Caoa pleiteava no Congresso a aprovação da Medida Provisória 512, que estendeu até 2020 as isenções fiscais para montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país – a Caoa tem uma fábrica da Hyundai em Goiás. Sem a medida, o benefício se encerraria em janeiro de 2011. A MP foi transformada em lei em abril de 2011, quando Palocci era chefe da Casa Civil.

Procurada,  a Caoa, montadora e revendedora de veículos, que pagou R$ 4,7 milhões, informou que nunca teve contrato e nem fez acordo com as montadoras chinesas Great Wall e BYD. O grupo ainda informou que contratou a Projeto para consultoria "em dois períodos, de 2008 a 2010 e de 2012 a 2013, nas áreas de planejamento estratégico, econômico, financeiro e de relações internacionais. Por política interna, a Caoa não comenta detalhes sobre contratos".

Procurado, Palocci não quis falar. Pronunciou-se por meio de nota. “A empresa de consultoria Projeto não pode divulgar cláusulas e condições dos contratos que celebra com seus clientes, os quais se revestem de cláusula de confidencialidade, inclusive por conterem segredos comerciais das contratantes. Todas essas informações, todavia, estão – e sempre estiveram – à inteira disposição dos órgãos estatais de fiscalização e controle. Sobre os questionamentos formulados, esclarecemos que rigorosamente tudo o quanto se indagou já foi respondido ao Ministério Publico Federal, há tempos, inclusive com envio de todas as informações contratuais, contábeis, financeiras e tributárias – e a respectiva documentação –, as quais foram encaminhadas à Procuradoria da República no Distrito Federal, onde tramita, desde o ano de 2011, procedimento a respeito dos fatos e que se reveste de caráter sigiloso, que nada tem a ver com a Operação Lava Jato.”


A CONSULTORIA DO FRANGO
Segundo os documentos obtidos pela reportagem, a consultoria de Palocci recebeu R$ 2 milhões da JBS entre 2009 e 2010. É um caso para lá de estranho: embora Palocci tenha admitido que recebeu da JBS, a JBS informou por e-mail, que nunca teve qualquer negócio com o petista.
No caso de Palocci, a JBS fez sete depósitos em cinco meses. Os pagamentos se dividiram em dois de R$ 250 mil e outros cinco de R$ 300 mil, segundo notas fiscais obtidas pela reportagem. Embora a JBS negue, a justificativa para esses pagamentos está num contrato com metas e tarefas inverossímeis para um consultor como Palocci.
O contrato foi assinado no dia 1º de julho de 2009. Previa o assessoramento do ex-ministro na aquisição que a JBS faria nos Estados Unidos da multinacional Pilgrims Pride, segunda maior produtora de aves do mundo. A JBS fechou o negócio logo depois, em 16 de setembro daquele ano. Aos procuradores, Palocci descreveu os serviços que a JBS diz não ter contratado: “Apoio decisório que passa pela análise das perspectivas do mercado de carnes de frango nos mercados americano e global e pela avaliação do valor de mercado da companhia e as sinergias passíveis de serem auferidas com a globalização do grupo em outras áreas de proteína animal, além da carne bovina”.
Mesmo que Palocci entendesse profundamente do mercado avícola americano e global, um documento enviado ao BNDES pela dona da Friboi em 5 de agosto daquele ano – um mês, portanto, após a contratação de Palocci – põe ainda mais em dúvida a veracidade dos serviços, segundo o MPF. Na nota técnica AMC/DEPAC 028/2010, a que a reportagem teve acesso, a JBS informa ao BNDES que “já estava em fase adiantada de negociação com a Pilgrims”. O próprio dono da JBS, o empresário Joesley Batista, que já era dono nos Estados Unidos da multinacional Swift, disse, em outubro daquele ano: “Começamos a negociar com a Pilgrims Pride há um ano, antes que pedisse concordata”. Dez meses antes, portanto, da assinatura do contrato com Palocci. Nele, aliás, Palocci assinalou que ajudaria a JBS “no processo de negociação” e na “avaliação do empreendimento”.
Executivos envolvidos nessa negociação disseram que a JBS foi assessorada por uma equipe de cerca de 20 especialistas em fusões e aquisições, formada por representantes dos bancos JP Morgan e Santander – e de dois tradicionais escritórios de advocacia, o brasileiro Pinheiro Neto e o americano Shearman & Sterling. Segundo essas fontes, que pediram anonimato, Palocci em nenhum momento se agregou ao grupo ou foi mencionado como um dos analistas da operação comercial. É, portanto, o mesmo relato que se fez no caso de Márcio Thomaz Bastos e do Pão de Açúcar.
Palocci, portanto, nada fez? Não há certeza, novamente. Mas, em setembro de 2009, dois meses depois da contratação do petista, a JBS anunciou a aquisição do frigorífico brasileiro Bertin e da americana Pilgrim’s Pride numa só tacada. Para fechar o negócio com a Pilgrim’s, a JBS contou com o apoio do BNDES, que, segundo suspeita o MPF, só topou financiar essa aquisição internacional se a companhia adquirisse o endividado Bertin. Assim foi feito. Em dezembro, o banco adquiriu R$ 3,47 bilhões em debêntures (papéis de dívida) do frigorífico Bertin. Um mês depois, Palocci emitiu sua última nota de consultoria para a JBS, no valor de R$ 300 mil. O financiamento da operação do banco estatal desencadeou uma investigação em andamento no Ministério Público Federal no Rio de Janeiro. O BNDES se recusa a fornecer informações sobre a operação de financiamento da JBS.


OUTROS CLIENTES DE PALOCCI - SEGUNDO RELATÓRIO DO COAF
A Multiplan Empreendimentos, que administra shopping centers - pagou R$ 619,4 mil à Projeto -, informou que entre junho de 2008 e julho de 2010 manteve "contrato regular de consultoria econômica, com pagamentos mensais, que compreendia a realização de reuniões e palestras. Todos os serviços foram prestados de acordo com o escopo do contrato".
A empresa Grande Moinho Cearense, pertencente ao grupo empresarial de Carlos Jereissati, irmão do ex-governador do Ceará e senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), também aparece como cliente de Palocci, com depósitos de R$ 506 mil. A empresa não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
O banco Safra, associado a R$ 694 mil à Projeto, não se manifestou. A assessoria da Cyrela, que pagou R$ 544,3 mil, informou que não havia conseguido localizar representante da empresa.
A reportagem não localizou do Hospital das Clínicas de Niterói (R$ 1,34 milhão) e da Esho (R$ 934 mil).

INVESTIGAÇÃO
Embora não militasse na área do direito concorrencial, parte dos pagamentos que Márcio Thomaz Bastos recebeu do Pão de Açúcar, ainda nos tempos em que Abilio Diniz controlava o grupo, era justamente para remunerar sua atuação no Cade – sobretudo na aprovação da fusão com as Casas Bahia.
No caso dos pagamentos a Antonio Palocci, a missão era outra: pendências na Receita Federal.
O Ministério Público Federal (MPF) já está trabalhando em cima dos documentos relativos a essas contratações.

Palocci deixou o cargo de ministro da Casa Civil em 2011, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, depois que uma reportagem revelou que ele comprara um apartamento avaliado em R$ 6,6 milhões, antes de voltar a Brasília. Palocci, que não tem herança e sempre foi político, se recusou a explicar a origem do dinheiro. Disse apenas que provinha dos clientes que contratavam a Projeto, sua empresa de consultoria. Preferiu deixar a Casa Civil a revelar os nomes deles – e a declinar para que fora exatamente contratado.
Na época, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar o caso na esfera criminal. Uma apuração na área cível continuou.
Parada há quase quatro anos, a investigação foi retomada no mês passado pelo Ministério Público Federal de Brasília. As empresas que contrataram a Projeto serão procuradas para explicar a natureza dos serviços.

PALESTRAS E ANÁLISES DE CENÁRIO POLÍTICO
Palocci dava palestras e fazia análises de cenários, por valores modestos.  O valor de mercado do ex-ministro, quando contratado para análise de cenário por uma grande empresa, era de R$ 30 mil a R$ 50 mil por mês. Nas palestras, a fatura não ficava muito longe disso. Em 12 de novembro de 2013, Palocci fez uma palestra para um grupo de empresários, a convite do banco BR Partners. Cobrou R$ 30 mil.
Palocci fez palestra até para a UTC, empreiteira apontada como líder do cartel do petrolão. Foi em 2006, logo após deixar o governo Lula. Cobrou R$ 27 mil. Procurada, a UTC disse que “foi efetuado pagamento registrado e tributado no valor de R$ 27 mil, compatível com o que era cobrado na época por palestrantes de primeira linha, caso do senhor Palocci”.


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