O bicho vai pegar em quem?
Arnaldo Jabor |
O Brasil se move por acaso. Os rumos da história, se é que tem rumos,
tendem a se enrolar em si mesmos e só fatos, traumas inesperados
disparam a mutação. Que quer dizer essa frase? Que não são apenas as
'relações de produção' que explicam nossa marcha, mas os detalhes, as
ínfimas causas, as bobagens casuais e tragédias intempestivas fazem o
Brasil andar.
Getúlio deu um tiro no peito e adiou a ditadura por dez anos. Jânio
tomou um porre e pediu o boné, um micróbio entrou na barriga do Tancredo
e mudou nossa vida, encarando o Sarney por cinco anos, o Collor foi
eleito por sua pinta de galã renovador e acabou 'impichado' por suas
maracutaias. Roberto Jefferson mostrou sua carteirinha de corrupto, se
denunciou junto com os mensaleiros e mudou a paisagem política. E agora
Marina Silva pode ser presidente, em vez da presidenta.
Com a população mal informada em sua maioria (não falo dos miseráveis e
analfabetos, mas de gente de terno e gravata) sobre as complexas
questões da política e da economia, a emoção e a catarse movem o País.
Agora, estamos na expectativa; somos o país do eterno suspense: Marina
vai ser eleita ou não? Será que o efeito "tragédia" vai se evaporar? A
grande mudança seria, claro, a social-democracia apta a desfazer as
boquinhas e os pavorosos erros com que o PT nos brindou. Aécio, se
eleito, pode trazer a agenda correta. Mas, se Marina ganhar, teremos um
outro tipo de mudança, uma virada para um "novo" desconhecido, uma
virada psicológica e cultural inesperada. Não adianta analisar Marina
com os instrumentos de análise costumeiros.
Agora, em vez dos óbvios vexames do PT, estamos diante do mistério Marina.
Marina é 'sonhática' ou não? Marina é populista? Marina é de esquerda ou
não? Nada. No entanto, amigo leitor, Marina pode ser o olho de um
furacão que, claro, jamais conseguirá renovar a velha política sólida;
mas ela pode criar um 'caos' na vida política. Talvez até um "caos
progressista" pelo avesso. Que é isso que quero dizer? Marina pode vir a
bagunçar mais a bagunça existente, mas poderá ser uma "bagunça
crítica", que pode trazer uma espécie de "destruição criadora" nesta
zorra instalada.
Para falar em termos de "contradições negativas", que eles tanto amam, o
caos que Lula, Dilma e o PT criaram na vida nacional pode ter sido o
gatilho para uma revisão em busca de um modelo melhor. Se Marina vencer,
será sabotada continuamente pelos vagabundos que se instalaram no
Estado, será confrontada pelas barreiras fisiologistas dos
parlamentares, talvez quebre a cara tentando. Mas, mesmo que fracasse,
teremos um "caos mais moderno", tirando do poder a velha cartilha
regressista dos nossos bolivarianos. Mesmo que ela se perca na selva dos
meliantes da política, não será mais irracional que os atuais
governantes. O súbito surgimento inconcebível dessa moça da floresta e
suas abstratas declarações são uma prova encarnada do delírio político
do País. Com a queda do avião, houve uma grande reviravolta trágica que
resultou em uma comédia de erros. Ninguém sabe o que vai nos acontecer.
Podemos decifrar, analisar, comprovar crimes ou roubos, mas nada se
move, porque a maior realização deste governo foi justamente a
desmontagem da Razão. Se bem que nunca antes nossos vícios ficaram tão
explícitos, nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Já sabemos que a
corrupção no País não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime;
é a norma mesmo, entranhada nos códigos e nas almas. O caudilhismo
sindicalista de Lula serviu para entendermos melhor nossa deformação. Os
comentaristas ficam desorientados diante do nada que os petistas
criaram com o apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos como
"democracia, respeito à lei, ética" viraram insuficientes raciocínios
contra um cinismo impune. Lula com seu carisma de operário sofredor nos
decepcionou, revelando-se um narcisista egoísta e despreparado, enquanto
o melhor governo que tivemos, do FHC, ficou no imaginário da população
como um fracasso, movido pela campanha de difamação sistemática e pela
babaquice dos tucanos que não se defenderam. Os petistas têm mania da
ideologia da contramão. Fizeram tudo ao contrario do óbvio, movidos por
uma ridícula utopia revolucionária, quando na realidade só fizeram
avacalhar o País.
Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades fecundas como um adubo
sagrado, belas como nossas matas, cachoeiras e flores. Ao menos, estamos
mais alertas sobre a técnica do desgoverno que faz pontes para o nada,
viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à
flor da terra, tudo como plano de aceleração do crescimento. Fizeram
tudo para a reestatização da economia, incharam a máquina pública,
invadiram as Agências Reguladoras, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em
busca de um getulismo tardio, com desprezo pelas reformas, horror pela
administração e amor aos mecanismos de "controle" da sociedade, esta
"massa atrasada" que somos nós. A esquerda psicótica continua fixada na
ideia de "unidade", de "centro", ignorando a intrincada sociedade com
bilhões de desejos e contradições. Acham que a complexidade é um complô
contra eles, acham a circularidade inevitável da vida uma armação do
neoliberalismo internacional.
Os petistas têm uma visão de mundo deturpada por conceitos acusatórios:
luta de classes, vitimização, culpados e inocentes, traidores e traídos.
Petistas só pensam no passado como vítimas ou no futuro como salvadores
e heróis. O presente é ignorado, pois eles não têm reflexão crítica
para entendê-lo. Reparem que Dilma na TV só fala do que "vai fazer", se
for eleita. Por que não fez antes, nos 12 anos da incompetência
corrosiva? A solução é mentir: números falsos, contabilidade falsa.
Antigamente, se mentia com bons álibis; hoje, as tramoias e as patranhas
são deslavadas; não há mais respeito nem pela mentira. É isso aí,
amigos, o bicho vai pegar. Em quem?
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